Sei lá, me parece o jogo que empolga quem gosta de assistir History Channel, e não é o meu caso.
Nah, falando sério, eu entendo totalmente o apelo dele, apesar de não me atrair.
Será que entende mesmo, Eltor ? Sim, gostar de ver retratado em forma de jogo conceitos medievais de vassalagem, hereditariedade, religião, guerras, etc. com signficativa acurácia histórica (incluindo músicas de época ao fundo), é um dos apelos do jogo. Mas isso não passa de
window-dressing.
O que torna Crusader Kings 2 diferenciado, na minha opinião e na maioria dos reviews que vejo por aí, é seu sandbox estratégico e, principalmente, seu "emergent storytelling" (eu diria que é uma variação do emergent gameplay de que falávamos outro dia). O ambiente de jogo te possibilita jogar com o vassalo mais obscuro (como Robert the Bruce, amigo de William Wallace), ao rei mais famoso (como o rei Edward Longshanks, inimigo dos dois) de toda a europa, onde cada um é caracterizado diferentemente – na forma de atributos pessoais, traits de personalidade e genéticos, condições históricas, famíliares e herdeiros – e submetido a condições externas diferentes (culturas, religiões, leis, vassalos externos e internos, inimigos próximos, pestes, etc), resultando em uma replayability quase infinita - taí o sandbox estratégico.
Mas é quando você se vê em meio a contos e tramas dignas de Martin e seu Game of Thrones, mas percebe que nesse caso isso é produto de suas próprias escolhas e interações com o ambiente de jogo, ao invés de um enredo pré-scriptado como se vê em Half-Lifes, Starcrafts e Final Fantasies, é que a genialidade do jogo transparece.
Meu último personagem - conde Botstan de Gotland - tem como vassalo, e conselheiro de guerra, um nórdico pagão chamado Tengil. Este homem liderou minhas tropas por muitos anos, inclusive na guerra contra a Noruega e contra a rebelião liderada por um príncipe rebelde. Nossa relação se tornou muito forte, ele passou a participar de festas e banquetes em meu castelo, e finalmente casei-o com minha filha.Pois bem, como minha posição geográfica é próxima de terras pagãs, o papa me pediu que liderasse uma campanha militar para converter esses pagãos. Me recusei, e minha relação com a Igreja (que já não era das melhores) despencou de vez. Pouco tempo depois o Papa enviou um ultimato ordenando não só que eu expurgasse todos os pagãos de minhas terras, como também que aprisionasse Tengil, meu amigo e conselheiro nórdico. Temendo por minhas posses e família, acabei acatando a vontade do papa, porém não sem pesar ( fiquei - eu, o jogador - genuinamente triste por ter que "trair" aquele personagem). Acabei casando minha filha com outro homem, e a inquisição que instituí acabou com o paganismo de minhas terras.
Alguns anos depois, o caos se instaurou - meu rei da Suécia perdeu metade de suas terras para seu filho rebelde, e a Noruega marchava sobre a outra metade. Enquanto isso em minha côrte meu filho mais novo (uma pessoa ganancioso e invejosa desde criança) assassinou meu primogênito e escapou quando tentei aprisioná-lo, e a epidemia de varíola tomou a vida de minha mãe e de boa parte de meu povo. Frustrado e irritado, me aproveitei da fragilidade do reino pra me tornar independente (o que consegui), e tomei coragem de libertar meu amigo nórdico, após 9 anos de prisão, instituindo-o como meu conselheiro de guerra novamente. Agora mais velho e de cabelos brancos, Tengil liderou minhas tropas contra o novo rei da Suécia (o filho rebelde do rei anterior), numa batalha final ao meu lado, onde morremos juntos.(Repare que tudo aconteceu como produto de minhas próprias decisões e os stats dinâmicos que ditam tendências, pré-disposições e reações de cada ator/elemento desse cenário, formando um "ambiente emergente" absurdamente foda. Em outras palavras: é mais ou menos o que ocorreria num RPG de mesa jogado no estilo sandbox puro – só que Crusader Kings é melhor pois não tem um mestre pra atrapalhar
. E isso foi só a história de 1 representante da minha dinastia - quando você morre passa a jogar com seu herdeiro, àla Pendragon. Eu poderia contar a história do meu herdeiro retardado/deficiente mental (mas que ironicamente foi o mais competente de todos), ou de meu bisavô luxurioso que fez 7 filhos legítimos + 4 bastardos com amantes que ele aprisionava/assassinava pra não perder o prestígio, etc. )
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É esse o apelo do jogo, e isso não tem nada a ver com History Channel really. Mas desculpe se foi a isso que você se referiu inicialmente, eu suspeitei que não.
É importante notar também que Crusader Kings 2 não tem nada a ver com os outros jogos de estratégia que estão aí - ele é o único no que faz, não tem competidor. Se aproximar dele com uma mentalidade de Total Wars, Age of Empires ou Starcrafts é decepção na certa. A recomendação que dou é se aproximar dele com o "copo vazio". Ele tem uma learning curve um pouquinho alta, mas que vale a pena ser superada se você gosta de roleplaying em sua forma mais essencial - assumir um papél e tomar decisões relevantes a esse, e ver essas decisões mudarem o rumo do jogo e produzirem reações plausíveis no cenário ao redor, formando um ambiente verossímil que te dá a ilusão de realmente estar vivendo na pele de seu alter-ego.