Bem galera, quem é das antigas sabe que eu fiz um cenário em conjunto com outros 3 grandes participantes dos fóruns da rede e daqui que era baseado em propostas diferentes (para a época) de fantasia medieval.
A idéia era quebrar paradigmas gerais das raças, dar uma certa ênfase política ao cenário e valorizar a versatilidade do sistema GURPS (super-poderes, magia, armas de fogo, magia ritual, variação nos níveis de mana), dessa forma trazendo um cenário especial que traria a curiosidade ao jogador de RPG de outros sistemas.
Usamos referencias leves a outros cenários e mundos, alguns por puro fanboysmo, outros por pura brincadeira. dentro do cenário poderá ser visto referênicas que vão desde he-man e guerra nas estrelas até As Crônicas de Gelo e Fogo.
Um outro ponto chave que tivemos foi que Calaton é um mundo pseudo-lamarquista, ou seja, as mudanças ocorridas nos seres podem influenciar sob um viés mágico gerações futuras: o suor e sangue dos escravos anões das montanhas escuras fez surgir lá um metal especial tão rígido quanto o caráter destes senhores, a resistencia dos Slaads (nome chupinhado do D&D que acabou persistindo) faz com que eles possam produzir até remédios de seu corpo, o banimento dos dragões na cisma e seu corrompimento os fez perder suas asas e ter a pele escura etc.
Infelizmente, muito do cenário ficou por ser feito, mesmo com mais de 3 anos de playtest e inovações. Recentemente estou tentando recolher os cacos, ampliar algumas coisas e definir em regras algumas variações.
A História do cenário é instigante, ele é dividido em 2 épocas. Na primeira, totalmente high fantasy há uma entidade criadora, chamada de Fenix (uma alusão a vontade nossa de resnascimento do sistema), que cuida e que permite que algumas de suas criações comunguem de sua sabedoria, mais especificamente os Dragões.
Tais dragões atuam como senhores das terras, porém deixando a parte admnistrativa as outras espécies de Kandor (o continente central), prncipalmente por terem para si objetivos mais importantes. Nessa época elfos e cavaleiros Quasares (seres de diversas espécies com grandes poderes de origem na Fenix) são os principais regentes do mundo.
Esse clima pacífico se quebrou quando parte dos dragões passou a querer dominar politicamente os povos livres, o que gerou uma grande cisma interna e o banimento dos que tinham esse pensamento para os continentes do sul.
Gerações depois, tais seres voltaram buscando vingança e aliados a outros homens, desconhecidos dos povos livres. Gerando uma grande guerra, chamada de guerra dos mil dias, que culminou em um grande cataclisma: tanto sangue foi derramado que, entristecida por ver tanta barbárie, a entidade criadora se afastou do mundo, aprisionou todos os dragões em um limbo de pesado sofrimento e agonia e afundou toda Kandor no mar criando uma grande fenda no oceano, um verdadeiro abismo no fim do mundo (na verdade no meio do mundo)
Em uma segunda era o cenário trata de como os povos se recuperaram do baque do "quase fim do mundo". O cenário mostra a mudança que ocorreu: a magia passou a ficar rara; apareceram as fissuras e regiões onde leitos de magia brotavam do chão, como se fossem verdadeiras feridas no tecido da realidade surgiram pelo mundo.
Humanos e Anões dominaram Gharya, o continente do norte, Elfos perderam quase a totalidade de seu povo e viram sua eternidade sumir, sua sociedade foi "corrompida" por uma entidade senciente que transformou o povo devoto da Fenix em um matriarcado devoto da natureza. Esse 3 povos tiveram de se aliar a Orcs e Slaads contra uma força bem maior: os Rexors, seres reptilianos brutais e altamente prolíferos que dominavam todo o continente e foram afastados para o ermo e frio norte.
Ao sul, os povos de Kwodan vivem um clima de império em expansão, onde a magia é muito baixa (exceto pela necromancia), anões são escravos e poucos povos tem capacidade de se rebelar contra as forças de Kwodan (nome do império e do continente). Em kwodan dezenas de sociedades milenares foram despedaçadas com o único objetivo de recriar uma força brutal. E necromantes com exércitos de zumbis rivalizam poder com elfos imortais de tempos cataclismicos num sistema de devoção e respeito a uma grande personalidade: o inominável.
E no meio de tudo isso, colado as grandes fissuras marítimas um resquicio do que sobrou em kandor aflora: "além-mar" terra de romance, piratas, magia, num quase proto-swashbucker.
em spoiler eu vou colocar a introdução do cenário para quem quiser ler, que é de autoria de Rodrigo R. Tanaka, o Shoran da antiga RedeRPG e depois figura carimbada nos foruns de Opera da vida.
Introdução
Salve, aventureiro!
Abriste estas páginas imaginando tratarem de mais algum registro antiquado, um amontoado de pensamentos e divagações sobre a existência, no máximo uma história tosca e jargoza... Pois te enganaste, amigo.
Tens nas mãos um compêndio, iniciado há memórias incontáveis. Trata-se de história também, a história de um mundo. Não poderia deixar de sê-lo, já que sua leitura provavelmente foi motivada por isso, creio eu.
Eu não poderia frustrá-lo. Nem tampouco satisfazê-lo por completo. Contento-me, então, em apresentar-te um breve relato do que foi o mundo de Calaton, com suas belezas, e peculiaridades, tesouros, mitos e crenças, sem os quais um mundo seria tão desprezível.
Não era um mundo de deuses poderosos que guiavam os passos e a vida de seus adoradores. Era um mundo com um potencial incrível, e ele fervilhou de vida, e Fênix uniu-se a ele.
Portanto, se não gostou desta proposta, leitor, digo-te desde já: fecha este livro e condena-o ao vazio do teu esquecimento, pois o motivo dele não é outro, senão relatar tudo o que eu sei sobre este mundo singular e único.
De onde vem tanta informação, deves estar indagando-te?
Bem, ela é resultado de diários de viagem, de compilações de registros e cartas geográficas, bem como um conjunto de lendas e mitos populares. Ela também é baseada na experiência de vida de algumas pessoas, e levei grande parte da minha vida organizando este material.
Para os grandes aventureiros, isto talvez sirva de guia. Para os caseiros, uma olhadela em um mundo que deveria ser contemplado. Para outros, não passa de um amontoado de palavras e rabiscos, que jamais servirão para coisa alguma.
A Gênese
Bem, se decidiu continuar, eu o saúdo, e prometo tentar não decepcioná-lo. Afinal, você espera conhecer Calaton, e eu espero poder mostrá-lo a você.
Mas por onde devemos começar... Bem, imagino que como todo relato, este deveria começar com uma história, e um motivo. Assim, agora, tomarei uma postura jocosa, e iniciarei um monólogo.
Os Primeiros postulavam sobre a existência singrando o cosmo e contemplando suas maravilhas, tentando encontrar a causa e razão da existência, bem como o conhecimento sobre o início de tudo. Porém, concluíram que não existe um começo pontual para o universo, muito menos um fim definitivo. Apenas ciclos que se sucedem num movimento imprevisível, que vem e vai segundo sua própria natureza e contexto.
Em algum momento, há ciclos de existências. O universo era habitado por seres de poder indizível. Seres que não podiam ser compreendidos por nossa limitada concepção finita. Alguns classificaríamos como demoníacos. Outros como divinos. O fato é que apenas Eram... Seres Que Eram os Primeiros.
Vagando pelas esferas de tempo e espaço, compartilhavam com as demais criações menores sua sabedoria, sua fúria ou ambos, e muito mais. Por natureza, essas forças primevas da existência não mudavam, envelheciam ou morriam: apenas Eram...
Como é natural de todas as formas de vida intelectual, estes seres em algum momento procuraram respostas na própria ação criadora, e devido a seu imenso poder e ciência, realmente podiam criar vida poderosa. Tais criaturas, resultado da primeira obra viva criada por eles, seguiam seu movimento, espalhando-se pelas esferas que eles visitavam.
Herdeiros naturais de sua sabedoria eram eles.
Não se sabe porque ou quando, um dentre os maiores destes Seres decidiu limitar sua essência e consciência numa única esfera. Este Poder representava o conceito puro do universo cíclico. Tal esfera, banhada pelas energias da criação e do fim, iniciou um fervilhante ciclo de vida, exuberante em todos seus aspectos. Muitas de suas criações, por respeito, temor ou idolatria, passaram a viver no vicariante planeta azul. Eram seres de imensa sabedoria e poder, primogênitos das estrelas; mas haviam também povos menores, e menos sábios que foram criados pelos Primeiros.
Os outros Que Eram, descobriram então que o planeta, que recebera a energia vital deste Ser, agora pulsava em ciclos, e embora infindáveis, aquele instantâneo momento de temporaneidade estilhaçou seus conceitos e concepções, pois até então eles não conheciam limites em suas realidades. Não entendiam o motivo da união.
Em algum momento, para evitar o colapso de seu mundo, a entidade que se unira originalmente à esfera precisou fundiu-se definitivamente ao núcleo planeta: neste instante as demais forças recobraram o conceito de infinitude.
Aqui, filósofos e cientistas divergem sobre o que de fato houve (não que todo o restante também não passe de conjectura).
Alguns acreditam que as outras Entidades Que Eram rumaram então para os confins do Multiverso em busca de respostas, talvez para entender porque um deles havia deixado de ser para apenas estar. Não encontraram respostas, e concebendo a insignificância de sua atual condição, liberaram suas consciências ao vazio eterno do Multiverso, permanecendo congelados no tempo, aprisionados numa eterna fração de segundo, entre o infinito e a realidade.
Há ainda os que acreditam que tais criaturas precisaram por alguma razão de corpos sólidos para tentar entender a união daquele outro Ser, e quiseram andar sobre Calaton nesses corpos, que, no momento da união definitiva, ficaram presos entre o sonho e a realidade.
Há alguns que acreditam ainda que tais Seres deixaram aqui seus receptáculos e rumaram para o vazio, para jamais retornar... Esses receptáculos tornaram-se grandes montanhas, grandes desertos, grandes florestas, e aguardam, um dia, o retorno de suas essências.
Bem, a verdade é que nossa limitada concepção ainda não consegue abranger todas as hipóteses possíveis, e nem queremos isto. Escrevi isso apenas a título de curiosidade para que o amigo leitor saiba o que filósofos e estudiosos pensam sobre a Origem da Vida.
Calaton
A Civilização
Assim, acredito que deveríamos pular as conjecturas, pois delas basta apenas conhecer as vertentes. Acredito que um pouco de história fará bem ao aventureiro, e Calaton está repleto delas. A aurora da civilização deu-se em Kandor, terra moldada e dominada pelos Dragões Dourados, senhores do Poder e da Magia, que lá edificaram sua morada, ao lado dos Elfos, senhores da beleza, da leveza e da comunhão com o ambiente. Com eles, dividiam o mundo conhecido os Humanos, os Anões, os Sarlacks e os Hakashis. A imensa floresta de Ryëren estendia-se de leste a oeste do continente, e estava repleta de cidadelas, construídas por estes povos.
Apesar de serem os dominadores do continentes, os Dragões Dourados nunca agiram como tal. O papel de conduzir a civilização cabia aos Elfos, pois eles respeitavam as outras culturas, e as ajudavam a crescer, sobretudo por respeitarem o poder e a soberania dos Cavaleiros Quasar, uma ordem de valorosas criaturas, de várias espécies, dotados de dons peculiares e que por isso os faziam únicos e ímpares, respeitados até mesmo pelos poderosos Dragões.
Bem, não por todos os Dragões. Esse respeito custou caro à cultura deles. Houve alguns que se revoltaram por não serem os dominadores absolutos do mundo, e por não poderem transformar as outras espécies em escravos, e iniciaram um longo embate, que culminou com uma cisão de forças entre eles. Este fato, O Cisma dos Draconianos, como ficou conhecido, levou ao banimento de centenas de sua espécie. Para onde foram, no entanto, permaneceu um mistério até os Dias do Cataclisma, sobre os quais falaremos mais adiante.
Os reinos humanos estendiam-se nas encostas das Montanhas Altas do Norte, misturados com os Sarlacks, homens pássaros que habitavam as regiões mais altas. Ao sul, tínhamos a imponente cidadela de Magog, lar dos anões e provavelmente o berço de toda a tecnologia e ciência que temos atualmente.
Ainda havia os Hakashis (homens-gato), nas Planícies Geladas, e muitos outros povos que dividiam estas terras tão vastas e tão bem povoadas. Os Quasar e os Reinos élficos cuidavam da manutenção da paz e da harmonia, e a vida prosperava segundo o que pregava a religião dominante em todo o mundo conhecido: o Culto dos Ídolos. Tal religião fundamentava-se em pregadores que levantaram hipóteses sobre grandes formações geológicas ímpares no mundo serem na verdade criaturas divinas, que dormiam em nosso Calaton. Nunca soubemos se tal hipótese era verdadeira ou não. Esta religião era incentivada pela presença DELES... Sem dúvida alguma, os GUIAS da civilização, que nos ensinaram tudo que sabíamos até então: os Dragões. Com sua pele dourada, reluzente como o mais puro ouro, eles voavam livremente pelos céus, resplandecendo sob a luz dos Sóis de Calaton. Seu poder e autoridade faziam-se respeitar, e sua sabedoria era seu maior dom, e seu maior presente para os que a buscaram.
Milênios sem conta fizeram-se presentes nestas terras, e a soberania dos Dragões, aliada a imponência dos Cavaleiros Quasar e da liderança dos Elfos garantiu a Paz e a Prosperidade. Contudo, as terras de Kandor começaram a tornarem-se pequenas para tantos povos. Os Elfos, que pareciam não envelhecer jamais, assim como os Dragões, continuavam lá, como haviam estado quando todo o processo começou, e os reis humanos já tinham perdido as contas de quantas coroas haviam mudado. Os anões também começaram a sentir-se temporâneos demais neste lugar, e unindo forças com os homens, desenvolveram os Galeões. Barcos com a capacidade de singrar os perigos e lendas do Oceano Central, para tentar encontrar um novo lar para eles, onde pudessem florescer com uma identidade própria, não como uma sombra de culturas imortais.
Assim, as expansões marítimas tiveram aurora, e muitas ilhas menores foram descobertas. Séculos depois, as expansões finalmente chegaram às terras das baías que, um dia viria a ser chamadas de Allurya, o primeiro reino do recém-descoberto continente de Gharya.
Ecos do Passado
Nas décadas que seguiram, Kandor estabeleceu relações com um novo povo, vindo do Sul do mundo, de um lugar chamado Kwodan. Muitos barcos aportaram nas cidades costeiras, trazendo uma série de mercadorias interessantes e chamativas. Alguns dos novos comerciantes tinham fisionomia humana, outros eram bestiais (porém inteligentes), mas o fato é que rapidamente fizeram-se populares por todo Kandor. Traziam oferendas e propostas de acordos de paz de seu rei, um soberano que dominava uma vasta extensão de terras ao sul. Os reinos élficos dividiam-se entre os que acreditavam nas propostas de paz, e os que desconfiavam (sempre desconfiavam) de segundas intenções. Assim, enquanto as discussões progrediam, alguns astrônomos previram uma mudança radical no firmamento, uma precessão de equinócios em Calaton estava para ocorrer, e ela, segundo acreditavam, marcaria o início de uma série de eventos que mudariam o destino do mundo.
Alguns cultistas, da religião dos Ídolos, viram aí um anúncio de que suas profecias logo iriam realizar-se, e uma guerra terrível e inevitável teria início. Os dragões, claramente discordaram destes cultistas, e acabaram afastando-se deles, pois seu fanatismo beirava a loucura. Pregavam sobre o nascimento de um demônio semeado pelos próprios Dragões, que traria a extinção a sua espécie, e sobre a ascensão de um dos banidos, que logo iria estender seu poder sobre tudo que existia. Houve uma grande repressão a esses cultistas, e eles foram obrigados a se calarem, e manifestarem seus devaneios apenas de modo privado, em reuniões particulares.
Paralelamente a todos esses eventos, as expansões marítimas tinham finalmente chegado às novas terras que foram chamadas de Gharya, e os problemas com os Slaads começaram. Enquanto os humanos e anões tentavam formar uma colônia no sul do novo continentes, milícias de Slaads atacavam e destruíam suas construções. Após alguns anos de conflito, os humanos e anões sofreram um novo ataque, de um novo inimigo, os Rexors, que pareciam também ser inimigos ferrenhos dos Slaads. A astúcia humana provou-se quando o comandante das forças humanas propôs uma aliança ao senhor dos
Slaads, aliança que uniria as forças dos anões, dos humanos e dos slaads numa força de batalha que conseguiu, finalmente, expulsar os Rexors. Assim, iniciou-se a história de Gharya, que foi coroada pela proclamação da fundação de Allurya, a primeira cidade-forte no Novo Mundo! Porém, toda esta história será detalhada mais adiante, quando falarmos do continente. Por enquanto, vamos retornar ao mundo antigo, onde problemas maiores começavam a manifestar-se.
Em Kandor, as discussões sobre se as profecias eram verdadeiras ou não, continuavam, e os eruditos chegaram ao consenso de que ninguém poderia julgar. Verdadeiras ou não, o fato é que em poucas décadas, o povo de Kwodan, que mostrara-se tão cordial no inicio, começou a montar fortes de guerrilha nos campos de cultivo, e começaram a impor taxas de pedágio nas estradas que iam e vinham antes livremente por Kandor.
Os soberanos elfos exigiram que o rei de Kwodan (cujo nome nem sequer sabiam) retirasse seus homens das terras de Kandor. Em resposta, Kwodan enviou batalhões de soldados, que começaram a atacar, pilhar e dominar fortalezas élficas, que não estavam preparadas para ataques. Os Cavaleiros Quasar intervieram, e conseguiram por alguns anos impor alguma resistência ao avanço dessas forças nocivas. Foi quando embarcações muito maiores, cheias de guerreiros tão poderoso quanto os Quasar, chegaram às terras de Kandor. Acompanhando estas embarcações, também vieram velhos moradores de Kandor. Era notório, porém, a transformação pela qual haviam passado. Os Dragões Banidos haviam retornado, porém já não eram mais dourados, suas escamas eram negras como a mais profunda das noites, e seus olhos vermelhos demonstravam um ódio imenso. Suas asas, antes belas e reluzentes como ouro, agora eram retorcidas, cheias de cravos, e cicatrizes. Estavam muito diferentes do que haviam sido, mas seus irmãos imediatamente os reconheceram, e, contam as cantigas antigas, choraram por perceberem a extensão do mal que haviam propagado sobre Calaton.
Nesse ponto, a situação já não podia mais ser contornada. Kwodan finalmente demonstrava seus senhores, e estava abertamente declarando guerra aos Reinos de Kandor, e este não tinha outra alternativa, a não ser responder aos ataques. Foi mais ou menos nessa época que os Cavaleiros Quasar encontraram o que por todos ficou conhecido como Fagulha da Revelação, uma língua de fogo perene que não se extinguia jamais, encontrada em uma galeria subterrânea. Um Cavaleiro Quasar, ao contemplar a Fagulha, era capaz de ter premonições, ao custo de sua visão física. Foi com base nas previsões dos Quasar que os Dragões entenderam que finalmente era chegado o momento da Guerra, e que suas esperanças residiam numa lenda muito antiga, anterior a própria civilização, uma lenda que eles mesmos haviam esquecido. Levá-la em consideração poderia ser a salvação, ou talvez a destruição completa de todos os povos. Eles optaram por informar os povos de Kandor da existência desta crença, mas com a grande advertência de que não deviam deixar-se levar por história ou por visões mágicas, mas que deviam lutar para defender seu lar. Os Dragões Dourados também lutariam, porque afinal, Kandor era sua morada, o cerne de seu poder e seu reino.
O povo que acabara de instalar-se em Gharya mal sabia destes eventos, pois estava mais do ocupado com uma guerra interna, contra os Rexors. Assim, enquanto os colonos de Gharya travavam uma batalha pela sobrevivência das colônias, a civilização de Kandor caminhou para a aurora da Grande Guerra dos 1000 Dias, que seria decisiva no destino do mundo.
A Guerra dos Mil Dias
"E foi queimada a Terça Parte das Árvores..."
A guerra em Kandor, após 125 dias alcançara níveis de calamidade. A maioria das florestas do litoral haviam sido destruídas, varridas pela chama da guerra aérea entre os dragões dourados e os dragões negros, e pelo combate terrestre entre exércitos élficos e as forças de Kwodan. Durante estes dias iniciais, descobriu-se que houvera uma traição continental, e várias famílias da nobreza élfica haviam violado seu povo e se aliado ao Senhor de Kwodan muito antes de a guerra tornar-se evidente.
Indícios de uma conspiração envolvendo também o Conselho dos Cavaleiros Quasar abalavam as tentativas de organizar uma defesa mais eficaz. A confiança entre os povos que conviviam em Kandor tornou-se quase impossível, ao ponto de os próprios príncipes traírem suas famílias. Os Dragões Dourados assistiam com tristeza a decadência e o rumo que o conflito tomava. Quem quer que fosse o verdadeiro inimigo, até então não havia se mostrado, e estava conseguindo voltar os próprios Kandorianos uns contra os outros. Porém, eles não desanimavam, e tentavam mostrar que ainda havia esperança. Junto aos Sarlacks, eles defendiam os céus, esperando que os povos que lutavam na terra encontrassem seu estímulo, algo que os unisse e os fizesse lutar por um ideal comum.
O pior golpe deste primeiro momento do conflito, no entanto, veio em seguida. Ele encerrou o 200º dia do conflito.
Os Dragões Dourados haviam organizado um ataque aos fortes do litoral leste, em conjunto com elfos e os sarlacks. Ninguém sabe se houve um delator, ou se as forças de Kwodan haviam preparado mesmo um contra-ataque. Tudo o que se lembram as histórias deste dia fatídico é que o sangue dos sarlacks jorrou, e lavou o solo de Kandor. Um ataque maciço de Kwodan foi contra Monte Kallyon, o lar dos sarlacks. Mulheres, crianças, idosos... todos foram dizimados. Nunca antes se vira tanta selvageria e frieza num ataque bélico. O objetivo do inimigo era claro: EXTERMINAR os sarlacks da face de Calaton. Para a tristeza dos corações kandorianos, o ataque obteve êxito total.
Auxiliados pela magia dos dragões negros, os magos de kwodan conjuraram um grande vórtice de energia que destruiu completamente o monte. Os que tentaram escapar foram atacados por ar e por terra. Crianças foram estripadas como se fossem porcos, e seus corpos eram hasteados como troféus pelos dragões e pelas criaturas do exército de Kwodan. Este fato marcou o fim do primeiro ciclo da guerra, mas também o início do segundo. A partir deste momento terrível, Kandor conscientizou-se de que o objetivo do inimigo não era outro senão encerrar a vida de todo o continente. Veio a luz, então, a Profecia dos Cavaleiros Quasar, que finalmente a revelaram. Uma criança, marcada pela Fênix, havia nascido no dia em que os sarlacks deixaram de existir. Essa criança, e só ela, seria capaz de alcançar um poder além da magia e, munida dele, faria um julgamento que determinaria o destino do mundo. Ninguém sabia sobre tal nascimento, e os ataques pesados de Kwodan não cessavam.
Alguns Dragões incumbiram-se de procurar o recém-nascido, enquanto os elfos, humanos, anões e dragões restantes preparavam a resistência no interior do continente. Cinqüenta dias após o holocausto dos Sarlacks, os dragões dourados ainda não haviam encontrado a criança da profecia. Os ataques de Kwodan tornaram-se muito mais violentos, e eles passaram a arruinar completamente campos de plantação e cidades. Matavam tudo que se movia, e calcinavam o solo.
Os Cavaleiros Quasar pouco podiam fazer, além de conter o avanço do inimigo em alguns pontos importantes. Kandor parecia finalmente ter chegado ao limite de sua resistência. A maioria dos grandes reinos élficos já havia caído, e agora restavam apenas uma dezena de cidades que ainda resistiam. As grandes florestas haviam sido arruinadas, e muito da beleza natural do continente perdeu-se para nunca mais retornar.
Os humanos foram completamente acuados em suas cidades, e agora se refugiavam nos fortes élficos juntamente com os anões. Exércitos destroçados e sem suprimentos para sustentar uma guerra, os povos de Kandor estavam a ponto de renderem-se à vontade do Inominável Senhor de Kwodan.
Foi nesse momento de pouca fé que finalmente foi encontrada a criança.
Um menino, tal como havia sido contado. Então, contrariando todas as previsões, dragões, elfos, anões e humanos organizaram uma poderosa aliança em Takron Galtos, a capital dos Reinos Élficos. O plano era simples. Os dragões tentariam usar sua magia para abrir um portal para Nexária, um lugar físico de onde a essência da magia emanava para o mundo real. O plano era arriscado, e seria necessário sacrificar muitas vidas para que talvez funcionasse. Ninguém se opôs a lutar para defender a criança que deveria viver para encerrar o conflito, como havia sido previsto: “Uma criança, nascida no último solstício de inverno será o escolhido para portar um poder único no mundo, e seu julgamento porá fim ao conflito. Somente este guerreiro, que possuirá um coração puro como o fogo poderá pisar no Vale Sagrado de Nexária e, de lá, retirar o dormente poder que guiará o rumo da vida e da morte”.
O Cataclisma
“E, então, sete relâmpagos pronunciaram-se sobre a terra, e nada mais houve, senão sangue, destruição e morte.”
Todos os povos sobreviventes de Kandor haviam sido mobilizados para proteger Takron Galtos. Nas planícies, os Hakashis e os anões construíram barricadas fenomenais, e atacavam com toda a fúria que possuíam. Apesar de todo o esforço e determinação empregados, eles conseguiam apenas conter o avanço dos exércitos de Kwodan, que pareciam infindáveis. Os Cavaleiros Quasar também lutavam nas planícies, enquanto seu conselho, os Dragões Dourados e os Altos Elfos realizavam o ritual que poderia abrir o portal para Nexária. Nos mares, as frotas élficas tentavam impedir que suprimentos e reforço chegassem ao continente.
Nas montanhas, os humanos e os elfos lutavam para impedir o avanço das hordas de Arkhas e Djarks, mas foram dizimados pela fúria dos Dragões Negros.
A Esperança residia em levar a criança a salvo para que a Profecia pudesse ser cumprida. Toda a infantaria lutava fora das muralhas da cidade élfica, enquanto todos os arqueiros disponíveis de todos os povos, apinhavam-se nas muralhas, ladeando caldeiras de óleo, arpões, enfim, o que pudesse ser jogado para causar estragos na força inimiga estava agora a disposição dos que a defendiam.
É impossível descrever em palavras a expressão de horror que estampou os rostos de todas essas bravas pessoas. Quando a barricada dos anões caiu nas planícies, e os exércitos de Kwodan avançaram por ambos os flancos, toda a esperança esmoreceu. O ritual ainda não havia sido completado, e o borrão negro que era a força do inimigo tingiu de rubro o solo já calcinado que circundava Takron Galtos. Os Dragões Dourados, então, numa última tentativa, usaram sua magia e, com o sacrifício das almas de sete cavaleiros Quasar, conseguira finalmente abrir o portal para Nexária. Todos os que lutavam na muralha deram tudo de si para que ela não caísse. O céu era sangue, e a luz já quase não brilhava. Magia, fogo e ferro. A morte pairava sobre Kandor, e as forças de ambos os lados, exauridas, digladiavam-se num confronto ofegante. Era, porém, como todos sabiam, a última batalha. A vida ou a morte para os dois lados. Era o ocaso do 999º dia de guerra. Era o ocaso de Kandor. A criança fora levada a Nexária pelos Dragões Dourados, mas isso não significou a vitória. O Portal ainda estava aberto, e selá-lo exigia um tempo que não existia mais. Assim, apesar do esforço, a muralha de Takron Galtos caiu, assim como caíram o Palácio de Safira, as pontes de marfin, a Fonte de Han e o Templo dos Cavaleiros Quasar. O esforço que todos faziam para continuar lutando, não poderia ser descrito em palavras. Quando os Dragões Negros chegaram, a Batalha de Takron Galtos finalmente encerrou-se. Com o fim da resistência, a única coisa que ainda representava ameaça ao domínio de Kwodan era um último resquício de esperança, que residia na criança, que fora levada através do Portal, sobre a qual os próprios elfos traidores, que haviam discordado do Conselho no início do conflito, haviam feito relato ao senhor de Kwodan, que finalmente mostrara-se na batalha.
Ele pessoalmente incumbiu-se de liderar os Dragões Negros em Nexária, para garantir e certificar-se que nenhuma ameaça subsistiria a seu poder.
E, assim, os Dragões Negros, os Lordes de Kwodan e aquele que seria lembrado como O Inominável Senhor de Kwodan marcharam pelo Portal das Sete Almas.
Há quem conte relatos fantasiosos sobre esta incursão. O fato é que nunca houve uma criatura que tenha retornado viva de lá para narrar o que, de fato, ocorreu. Sabemos, porém, com certeza, que foi uma batalha épica, sem precedentes na história de Calaton, e que ela encerrou a Guerra dos Mil Dias de Kandor. Os que viviam em Gharya, e lutavam uma outra guerra, sentiram o mundo tremer sob seus pés, e viram uma aurora boreal completamente diferente, ao meio dia, e ela durou por varias semanas, até desaparecer, deixando seqüelas sérias por todo o Calaton conhecido.
Houve um recuo no oceano, e o mundo esteve muito próximo de partir se. Como é obvio, isto não ocorreu. As águas, aos poucos, retornaram ao seu lugar, e os tremores foram ficando cada vez menos intensos, até Décadas depois destas catástrofes, quando já havia relativa paz em Gharya, expedições partiram na direção de onde ficava Kandor, seguindo a orientação de elfos que haviam chegado de Kandor para tentar encontrar respostas, mas o oceano havia mudado, haviam grandes Fissuras Oceânicas, e a navegação além de um certo limite tornava-se praticamente impossível, ou perigosa demais para arriscarem-se.
No solo a situação não era menos crítica. Surgiram Fissuras energéticas também, que pareciam ferimentos de espada no corpo do mundo. A própria mágica de Calaton havia sido abalada. O mundo padeceu um cataclisma que perdura até os dias de hoje. Até bem recentemente, com o advento dos GNV (Grandes Navios Voadores), pouco se sabia sobre o que de fato houve com Kandor.
Descobriu-se que algo terrível aconteceu ao continente, uma vez que, seguindo cartas geográficas antigas, o que há agora no local onde se situava o coração do continente é uma Fissura Oceânica de proporções colossais, da qual nem mesmo é possível aproximar-se com os GNV. Há, também um novo arquipélago formado de três grandes ilhas, e um sem fim de ilhas menores, centenas de quilômetros ao leste desta gigantesca fissura. Sua principal ilha, Porto Madrigar, mantém com Gharya atualmente um promissor acordo comercial.
Assim, os estudiosos acreditam que o continente de Kandor foi tragado pelo oceano, e o q restou dele foram estas ilhas menores. Ninguém nunca ousou um relato preciso, uma vez que não existem fontes vivas que tenham testemunhado o que de fato sucedeu durante a batalha derradeira. O fato é que um continente fervilhante de vida pagou pela intolerância e pelo racismo. A tragédia de Kandor serviu para inspirar os cavaleiros Quasar e o Reino de Allurya ao moldarem o Código da Aliança, que existe justamente para evitar que a traição e o rancor sobreponham-se a valorização da vida.
O fim de Kandor marcou o início de um novo tempo em Calaton, o Tempo dos Reis Humanos, no qual vivemos. Sobre ele, ainda há muito o que ser dito, principalmente sobre os conflitos de Gharya. Isso, porém, é um outro assunto, e sobre ele discutiremos mais adiante, num momento mais propício. Por hora, lamentaremos as perdas terríveis que a Guerra dos Mil Dias de Kandor provocou, bem como suas razões e seu fim cataclismático. Muitos acreditavam que a crença em uma profecia religiosa fora a responsável por tudo, o que fez a religião ser abandonada pela maioria. Há quem ainda a pratique, mas são cultos isolados e muitos deles tão banais que são dignos de crédito apenas para bufões. Assim pensam os céticos.
Para os sonhadores, cujos corações são povoados pela esperança e pela magia, é ainda pior: além de lamentarem todas as mortes, sentem ainda uma outra conseqüência deste evento terrivelmente trágico: nunca mais um Dragão foi avistado colorindo e dando vida aos céus de Calaton...
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Rodrigo Rainho Tanaka