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« Online: Agosto 30, 2011, 12:54:21 am »
Segue um microconto que escrevi, sobre uma distopia extremamente neoliberal e minimalista:
Ele acordou alguns minutos antes do alarme de seu celular. Pensou em ligar a TV, mas lembrou-se que a sua assinatura estava com uma semana de atraso, e portanto não conseguiria ver nada na tela, a não ser aquela imagem que dizia, em tdos os canais: “Pague sua conta em dia e não perca as atrações da TVCom!”
Foi ao banheiro lavar o rosto e fez uma cara de nojo ao ver aquela água marrom sair da torneira. “Assim que pagar as contas atrasadas, mudo de distribuidora!”, pensou, mesmo sabendo que todas as empresas de distribuição de água que operavam na cidade eram a mesma porcaria. Conformado em saber que banho, hoje, não seria uma possibilidade, considerando o aperto que passava, foi em direção ao armário secando as mãos com a toalha, para vestir-se logo e ir pro trabalho.
Depois de assentar o cabelo com um pouco de água que havia numa garrafa na geladeira e se arrumar, virou a casa atrás de moedas, e após remexer uma gaveta esquecida no velho armário de madeira (uma verdadeira antiguidade, nessa época onde todos os móveis eram feitos de plástico, já que as florestas e reservas, compradas por multinacionais, acharam mais lucrativo usar a flora para pesquisas do que para vender madeira) achou uma quantia suficiente para poder sair. Trancou o portão de casa e olhou para os dois lados da rua, cada uma com as barreiras para veículos e para pessoas.
Não havia diferença entre qualquer uma delas: as cancelas para veículos, as grades para pedestres, o mesmo banner da empresa Ronway Streets, dona de várias ruas da cidade - e do cartão de fidelidade mais caro, o que explicava o porquê dele não possuir um. O homem pensou que seria melhor se a rua fosse comprada por uma empresa menos abusiva, mas no final, concluiu que melhor seria se fosse como a alguns anos atrás, onde as ruas eram públicas. Preferiu deixar esse pensamento de lado. O pouco que restou do governo baixou uma lei que proibia qualquer manifestação contrária às empresas prestadoras de serviços essenciais e a privatização de bens e serviços, lei que era cumprida com muito zelo e brutalidade, diga-se de passagem, pelas empresas de policiamento.
O homem percebeu que o funcionário responsável pela barreira que cruzava todo dia havia mudado. O velho amigo, sr. Carlos, foi substituído por um moreno careca e com cara de poucos amigos. depois de depositar as moedas no local para pagamento de pedágio de pedestres, estranhou a passagem não ser liberada. olhou para o sujeito, que falou:
- O pedágio aumentou na meia-noite de hoje, senhor. faltam cinco centavos.
Ele evitou bater boca. Não ia começar o dia com um aborrecimento. Revirou seus bolsos e achou uma moeda de dez centavos, e irritou-se um pouco pela demora do funcionário devolver o troco. Portão aberto, enfim tinha acesso à rua onde podia pegar o ônibus para o trabalho. Porém, finalmente a reforma que a empresa responsável pelas paradas de ônibus realizava a alguns dias mostrou a que veio: a parada agora era fechada, com televisores (que só passavam comerciais), e a entrada era paga. Depois de respirar fundo, o homem se sentou na calçada: como iria ao serviço? e pior: como voltaria para casa?