Autor Tópico: Epistemologia  (Lida 4427 vezes)

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Offline Vincer

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Re:Epistemologia
« Resposta #15 Online: Dezembro 04, 2011, 01:59:10 pm »
O que é de certo modo desanimador, ao menos para mim, é o quão inconclusivos esses debates tendem a ser. Como sempre nunca alcançamos um consenso(é da natureza humana, mas agravado pela natureza do assunto) e nesse interim não aproveitamos os benefícios que uma visão 'unificada' poderiam trazer. De modo algum isso invalida o debate e o atrito entre diferentes perspectivas é o que há de mais valioso; A dificuldade em encontrar a verdade(a impossibilidade, minha opnião e de muitos outros) torna esse o único benefício. Mas não deixa de ser frustrante, a mente anseia por uma verdade definitiva mesmo que não exista.

"A linguagem humana é um obstáculo para a apreensão da realidade?"
Lanzi, não sei se poderíamos colocar a questão assim, como obstáculo; Acredito que a percepção da realidade e a linguagem são inseperáveis senão sinônimos; Independente da linguagem, até mesmo um infante que não tenha aprendido nenhuma observa o mundo através de associações e símbolos... a linguagem é natural, nossa ferramenta para compreender a realidade sem a qual não a perceberíamos o suficiente sequer para questioná-la. Portanto eu a vejo como  a única janela para espiarmos a realidade ao nosso redor,até mesmo a concepção de 'real' depende dela, e se fosse possível dissociar uma coisa da outra e observarmos o mundo sem sua influência não restaria qualquer meio de compreensão, não tiraríamos qualquer conclusão do objeto observado até mesmo porque faltariam parâmetros para discerni-lo.

Falando de outra forma eu coloco a linguagem como um fenômeno 'colateral' da mente humana, apenas uma das várias partes que identificamos e definimos como consequência da mente mas que são indistinguíveis do todo que é a própria mente humana. É portanto indissociável. Já se falou muito em como seria observar o mundo tal qual Adão teria feito, se seríamos capazes de observar como um infante ao abrir os olhos(como o protagonista de 'A Rosa Amarela' do Luís Borges). Se somos ou não capazes de nos dissociarmos de todas as associações formadas aos longos dos anos não vem ao caso; Mesmo que por um breve momento possamos fazê-lo, a partir do momento que tentarmos atribuir qualquer significado ou insight acerca do observado estaremos recorrendo novamente a linguagem. No texto de Borges o moribundo poeta se maravilhou pelo breve momento em que pode deslumbrar a rosa pelo que ela era, não por compreender a rosa em sua realidade mas pelo breve instante em que pôde observá-la sem qualquer julgamento ou associação, sem tirar conclusões, atribuir valores... nada. Acho um texto brilhante que resume o assunto muito melhor do que eu jamais consequiria.

Falar na linguagem como obstáculo a compreensão para mim é como  ler 'compreensão como obstáculo a compreensão'. Se uma coisa poderia existir sem a outra não estaríamos mais falando da condição humana.
« Última modificação: Dezembro 04, 2011, 02:05:57 pm por Vincer »

Re:Epistemologia
« Resposta #16 Online: Dezembro 04, 2011, 03:02:31 pm »
Vincer, desconfio dos benefícios que essa "visão unificada" pode trazer e acho que a inconclusividade desses temas o seu grande mérito e o verdadeiro motivo desse campo de debate ser tão prolífico em pensamento. O que você falou sobre a frustração de não se atingir uma conclusão ou uma verdade me lembra, de certa forma, o que o Popper diz no início de "A Lógica da Pesquisa Científica". Ele diz que a verdade, embora exista, é inalcançável, mas que através do método e da ciência iremos gradativamente nos aproximando dele, muito embora, pelo que eu me lembre, ele assuma em outro livro a ideia de que a Verdade não é o objetivo da Ciência. Essa é outra pergunta que poderíamos colocar aqui, mas enfim.

Quanto à sua resposta à minha pergunta. Acho melhor distinguirmos "apreensão" de "percepção" e de "compreensão". Nenhuma dessas palavras é sinônimo da outra. É claro que só iremos perceber o mundo através de uma linguagem, mas até que ponto isso pode ser estabelecido como um limite para a apreensão da realidade como um todo? O interessante de você ter citado Borges é que é exatamente essa a pesquisa que venho desenvolvendo na faculdade. Trabalhar a ideia de indivíduo, de tempo, e o alcance da linguagem humana a partir da literatura borgesiana e do conto fantástico.

Estou lendo um livro do Jaime Rest: "Borges y el pensamiento nominalista". O autor insere o Borges dentro de uma certa tradição do pensamento filosófico e identifica outros escritores, como o Lewis Carroll e o Kafka, também como cânones que trabalharam em suas obras o alcance da linguagem humana e a impossibilidade de apreender o mundo à medida em que a linguagem é o único mecanismo e o único empecilho para tanto. O exemplo que você deu é perfeito pra se ilustrar essa questão.


Offline Vincer

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Re:Epistemologia
« Resposta #17 Online: Dezembro 04, 2011, 04:27:48 pm »
Perceba que não desconsiderei a importância do debate, e reconheci que o valor está justamente no confronto de diferentes perspectivas; Só desabafei que apesar de acreditar que a verdade é inalcançável(vou ainda mais fundo, ouso dizer que não há 'verdade' como essa definição que idealizamos) eu sinto certa frustração nesse limite. Acredito que toda a humanidade sinta, e é justamente isso que nos motiva tanto, mas não sei quanto a vocês eu nunca consigo ignorar essa pontinha de decepção em conseguirmos cobrir tão pouco do quadro inteiro.

O que falei de visão unificada seria no sentido prático; Eu particularmente vejo valor em diferentes abordagens como todas sendo verdade, ao menos cobrindo parte dela. Uma visão unificada deixaria de lado uma vasta gama de pontos relevantes, mas provavelmente alavancaria o desenvolvimento em diferentes campos. Para bem e para mal muito tempo e esforço é despendido confrontando as diferentes perspectivas, o mesmo esforço empreendido para expandir e avançar numa poderia trazer frutos interessantes. Isso é mera especulação, claro. Uma coisa não necessariamente anularia a outra, se tivéssemos coesão em definir uma postura 'oficial' isso poderia formar uma base mais sólida(em cada campo) e não eliminaria necessariamente o debate e desenvolvimento de alternativas; Mas sem um acordo numa vertente 'oficial' ou padrão as coisas não ficam mais confusas?
Acho mais adequado colocar assim: coexistência. Talvez tenha sido uma má escolha dizer 'visão unificada', falo mais de coexistência e aceitar diferentes perspectivas ao invés de diferentes escolas de pensamento excluírem essa ou aquela(perspectiva), dividindo em versões da verdade exclusivas. Tenha em mente que isso parte da minha visão que não há verdade definitiva tanto quanto a concepção que criamos dela; Daí minha impressão de que beneficiaríamos mais em abraçar a incerteza subjetiva dela e toda sua elasticidade, dando mais atenção a avançar e menos em tentar invalidar outras.

Eu não dou muita atenção nem sou grande entendido do assunto, que fique claro. Por isso posso ter uma visão errada; Mas a impressão que ficou(para mim) é que se preocupam demais em tentar validar uma acima da outra ou invalidar essa ou aquela visão. Tempo e esforço que poderia ao invés ser melhor usado verificando a aplicação de cada uma, desenvolvendo a partir delas, sei lá. Sei que posso estar errado e prefiro estar, talvez não seja um 'problema' ou na dimensão que imagino ser.

E eu realmente errei no post anterior entre apreensão e compreensão. Mas até que ponto podemos separar? Automaticamente tentamos compreender o que percebemos, invariavelmente tudo deve passar por esse mesmo prisma da compreensão onde a linguagem(e por associação a forma como raciocinamos) é indissociável. Não podemos dizer que uma está amarrada à outra? Essa é minha posição frente ao que disse 'até que ponto isso pode ser estabelecido como um limite para a apreensão da realidade como um todo?'; Eu vejo como inteiramente interligados, o limite intransponível(até que a neurologia prove o contrário).
Nossa mente só trabalha através do que pode quantificar e colocar sob uma tarja; Tudo aquilo além da compreensão nós reduzimos a um elemento mais compreensível, uma abstração mais fácil de lidar. Por exemplo, infinito; Nossa mente é fisicamente incapaz de imaginar quantias além de tanto(agora esqueci o número) e para lidar com a idéia ela se satisfaz com 'muitos'. Criamos até mesmo formas de facilitar isso, como 3 vezes muitos e assim por diante.
Não há nada que a mente possa processar que não possa ser associado de similar forma, e a humanidade fez um ótimo trabalho dando um nome para cada um desses conceitos(e continuamos criando novos significantes, sempre expandindo). É um processo automático, se falta uma definição precisa usamos várias na tentativa. É seguro afirmar que tudo em nosso processo mental só ocorre nesses blocos lógicos, onde a linguagem é mera estruturação formal para que expressemos esses 'blocos' a terceiros. E isso inclui tudo que nossos sentidos captam. Não creio que possamos falar de uma coisa sem a outra.

Acredito que esteja falando mais sobre como colocamos essa percepção da realidade, como sintetizamos o todo apreendido e se nisso a linguagem limitaria ou não. Definitivamente sim. Faltam palavras para descrever tudo que podemos raciocinar com exatidão, elas são uma aproximação; Reduzimos o efeito criando novas ou usando muitas e muitas mais(vide quantos livros temos). Como é uma via de dois caminhos, pelo uso contínuo desses sistemas formais(a língua) também pensamos primeiro usando os significantes já definidos. Acredito que isso atrapalhe sim, um preço a pagar, e um caro por ser inevitável.

Offline Malena Mordekai

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Re:Epistemologia
« Resposta #18 Online: Dezembro 05, 2011, 12:37:19 pm »
Tomei um susto com as paredes de texto recentes nesse tópico.

Duas coisas, falando pitacos bem rápidos:

Essa frustração que Vincer cita é praticamente biológica, está no nosso cérebro e é a causa mais provável das religiões.

Interessante também isso da linguagem como empecilho. Parece até mesmo uma reflexão taoísta, já que era dito que a realidade total é indizível, indescritível. Mas deixando essa filosofia-religião oriental de lado, existem uma série de estudos que consideram que a linguagem vem ANTES do pensamento...

... note que linguagem no sentido mais amplo, além de língua-idioma, e incluindo até mesmo dança de abelhas.
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Offline Vincer

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Re:Epistemologia
« Resposta #19 Online: Dezembro 05, 2011, 01:35:12 pm »
Aí eu já suponho ser uma questão de definição, no caso de 'pensamento'. O raciocínio humano, sua habilidade em julgar, especular e tudo o mais é uma evolução que só foi possível graças a esse potencial cognitivo, nossa comunicação avançada. É isso que nos permite ensinar, passando adiante conhecimento entre gerações, e quando aprendemos as conexões neurais se enriquecem. Primeiras linguagens, ferramentas, pinturas rupestres, tudo isso contribui ao desenvolvimento racional(mesmo em nossos ancestrais, pelo menos os homo erectus).

Mas se considerarmos pensamento aquilo que passa pela mente(não apenas raciocínio), a linguagem não veio antes. Animais pensam, de forma muuuuuito mais limitada que nós(e até sonham), e eles pensam para se comunicar. Eles também aprendem e assim aprendem suas formas de comunicação.

E sim, é totalmente biológica(a frustração). Talvez alguns consigam ignorar melhor ou pior esse efeito, eu me sentia muito mais frustrado quando mais jovem e por mais que racionalmente aceite ainda não consigo ignorar completamente.

Offline Malena Mordekai

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Re:Epistemologia
« Resposta #20 Online: Dezembro 05, 2011, 05:47:19 pm »
Engraçado, aí é que divergimos.
Quanto mais envelheço, mais sinto essa frustração.
Talvez esse fato particular meu esteja ligado ao detalhe que não consigo lidar muito bem com o conceito de tempo.

A falta de controle que temos, em última análise, do progredir das coisas, da vida e dos eventos, me deixa bastante intrigado e frustrado.

E se você pensar um pouco, desejo de conhecimento é desejo de poder.
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Re:Epistemologia
« Resposta #21 Online: Dezembro 07, 2011, 07:31:09 pm »
Tá vendo como fica mais legal quando tem uma questão norteando a discussão?

Vincer, fiquei preocupado com essas sugestões práticas. A epistemologia, assim como qualquer teoria, não existe para ser aplicada. Ela existe para levantar questionamentos e hipóteses sobre como é possível o conhecimento humano, sobre a sua aplicabilidade. É claro que com uma visão unificada, que corte as "arestas" entre uma teoria e outra, traria muito mais velocidade ao andamento do pensamento científico, mas em direção ao que? A coexistência de diversas teorias é uma evidência necessária da distância que se interpõe entre a nossa interpretação e a realidade em si(verdade). Necessária porque, de outra forma, não seria possível uma filosofia transcedental, que criticasse a si mesmo e os seus próprios alcances. De certa forma algo extremamente perigoso para o homem.

Agora estou relendo a sua postagem. E você fala da coexistência. Não é justamente isso o que acontece?