Eu sou técnico em reparo e manutenção de equipamentos de informática, só completei o ensino médio.
Agora depois de velho estou ficando aborrecido com tanto equipamento descartável ou sem condições de reparo, pretendo estudar pra ser engenheiro ou coisa parecida, mas consertar coisas ainda paga minhas contas como sempre pagou.
Sou muito ruim com relacionamentos e lógicas sociais, logo a àrea de humanas me parece impossível.
Desde novo eu sempre fiquei num dilema, perseguir remuneração ou me dedicar de corpo e alma ao serviço?
Quando eu tinha uns 17 anos, vi um supervisor trabalhar até praticamente morrer na bancada, num dia ele estava lá, ralhando com seus subordinados usando uma tala no braço por conta da burcite, e no outro não estava mais e puseram outro em seu lugar sem muita cerimônia, a firma não pode parar nunca.
Era um cara obstinado pela empresa, aliás cooperativa que faliu recentemente. Botava nego pra ralar final de semana e pagava com sanduíche de mortadela, tudo isso pra não perder o contrato na época com a IBM, consertando PDVs como as que ainda existem no McDonalds.
O meu mestre era um cara mais relaxado, ajudou a fundar a cooperativa mas acabou sendo deixado de lado, nem por isso está morto e enterrado, criou dois filhos e ainda aprendeu mais coisas, mesmo depois de velho.
Os gerentes, que eram bem mais novos na empresa, sempre ficaram com os lucros, de forma que quando o barco começou a afundar deixaram de pagar horas extras e fizeram acordos absurdos pra não dar o braço a torcer até o fim inevitável da coisa.
Faz algum tempo eu tentei abrir uma empresa com outros dois amigos, mas a minha cabeça não estava boa e acabei deixando a peteca cair, eles seguraram a pemba e mantiveram a coisa andando.
Hoje em dia eu não sei realmente quem estava certo naquele quadro do meu primeiro emprego formal, mas nunca me senti motivado o bastante pra perseguir dinheiro porque via ambição como uma coisa ruim, uma corrupção que faz as pessoas pisarem nas outras pra chegar aos seus objetivos materiais e esquecer de que desta vida não se leva nada.
Sempre vivi com pouco e nunca quis muito compromisso porque entendo perfeitamente que ninguém é insubstituível, e sempre há quem precise de algo consertado.
Ademais, não sei se estou velho demais pra ter essas epifania e me encontrar numa carreira qualquer ganhando um dinheirão, porque não vejo realização maior que permanecer íntegro enquanto outros vendem seus ideais por quantias variadas, para comprar coisas que não precisam e viver vidas cheias de luxo sem valor.
Ao menos eu desejo permanecer útil e honesto, até que isso me mate. Não que isso valha alguma coisa, mas não sei viver de outro jeito.
Nos tempos de hoje acho que isso parece bem idiota, mas não me importo mais. O tempo de minha revolta já se esgotou, agora é me conformar e levar adiante o que me resta da maneira que me faça mais feliz possível.
Desculpe se o desabafo está fora de lugar, está chovendo e tem um cavalo no meu portão. Não tinha coisa melhor pra eu fazer.