VA: Valeu, cara. Também acho estes exemplos interessantes, por isso mesmo quis compartilhar.
Lanzi: Primeiro eu gostaria de questionar a sua afirmação de que a religião é imposição ou que a ciência é mais persuasiva que a Religião (...)
Quando disse isso, eu não estava ignorando a Teologia e todos os debates que teólogos promoveram (alguns até muito bons). Mas quando um teólogo argumenta sobre a moral, sobre a justificativa moral ou analisa sua origem, sem remeter a deus enquanto dado ou ao dogma, ele está fazendo filosofia, mesmo sendo um teólogo. Isso porque ele está utilizando argumentos seculares, que independem da crença em deus ou não, da Bíblia como verdade revelada ou não. Então, se ao invés de falar "por que devemos amar ao próximo? Por que a Bíblia mandou" e argumenta a respeito, sustenta essa postura filosoficamente e até com argumentos práticos, ele é um religioso ainda, mas utilizando argumentos seculares.
Eu chamo uma postura de dogmática e outra de persuasiva porque você precisa pressupor a autoridade (infalível ainda por cima) da Bíblia, mas não precisa pressupor a autoridade da ciência. Mesmo.
Se você acredita em algo simplesmente porque é "científico" ou "comprovado cientificamente" você é um imbecil. E não está sendo um cientista. Você deve acreditar em algo porque ele traz boas razões para isso. Em ciência, teoricamente, a autoridade tem pouco valor. Não importa se o melhor pesquisador do mundo disser que conseguiu "provar cientificamente" algo se ele não trouxer o porquê. Ele tem que mostrar o que ele fez, como ele fez, quais os resultados, pra gente avaliar aqui se isso realmente indica o que ele conclui ou não.
Claro que a exposição é racional, objetiva e empírica (e esses critérios parecem ter adquirido um valor em si)
Que pode não persuadir as pessoas, mas não há um "você deve acreditar porque estou dizendo que é verdade" ou "você deve acreditar porque fulano (ou Fulano) disse que é assim".
É possível, contudo, nos livrarmos da roupagem religiosa e esses casos continuarão sendo problemas morais.
Claro, eu mesmo disse isso mais de uma vez, como quando coloco que se fossemos o rapaz que faz a eutanásia teríamos uma chance maior de sentir remorso (ou um remorso maior) do que o da ortotanásia. Meu ponto não era ciência x religião, era apenas "a ciência pode responder questões morais?".
A dúvida que tenho, contudo, é a possibilidade muito frequente que a ciência tem em fechar os olhos para questões morais (a religião também tem esse problema, mas não estou dizendo que prefiro um ao outro, só acho que a religião, devido ao seu poder simbólico, deixa menos espaços para dúvidas e é portanto mais eficiente em fornecer respostas às questões morais) que envolvem o seu próprio método porque isso pressupõe a adoção de certos limites para o seu funcionamento.
Concordo plenamente.
Há propostas de que isso mude. O filósofo Alain de Botton, em seu livro "Religião para Ateus", diz que temos muito que aprender com as religiões. Ele é ateu, e argumenta que junto à proposta de uma sociedade secular (sem religião), cabe a incumbência de oferecer suporte às exigências humanas que, até então, só as religiões se dispuseram a atender. Não precisamos, por exemplo, ser judeus para instituir um “Dia do Perdão”; templos temáticos e seculares podem ser levantados para propiciar reflexões, relaxamento e insights; “Restaurantes Ágapes”, inspirados em certos elementos missais, proporcionariam a dissolução de tribos e preconceitos; e os museus e as universidades poderiam ser rearranjados, respectivamente, em salões e departamentos dedicados a aspectos primordiais da existência humana, como ao “autoconhecimento”, ao “amor” e ao à “morte.” Tais sugestões poderiam ser implementadas com facilidade, e seus possíveis benefícios poderiam ser avaliados na prática.
O livro é cheio de problemas, mas essa parte da proposta dele eu acho interessante.
Como você poderia resolver cientificamente este problema moral, uma vez que envolve uma petição de princípio?
Eu não estou dizendo que a ciência resolve problemas morais, pois não é prescritiva. Mas, como também argumentei, é bastante ingenuidade crer que a descrição que ela faz não está incluída no "responder questões morais", pois é isso que ela também está fazendo. E por que precisamos de alguém para nos dizer o que devemos fazer? Não será esse modo de encarar a questão todo o problema? Por que é insuficiente descrever quais as consequências e motivações de cada ação e deixar que a pessoa arbitre (e arque com as consequências de suas ações)?
Eu convivo bem com essa angústia, mas talvez - e apenas talvez - seja benéfico fazer como o Bottom propõe e começar a criar instituições seculares que também tenham caráter prescritivo.
Poderíamos dizer, portanto, que a ciência está além do sistema moral predominante? Uma vez que, através da sua sugestão, seria possível moldar a nossa moral conforme as descobertas científicas, teríamos uma moral absolutamente científica para o futuro. Isso me assusta principalmente no ponto em que qualquer explicação que não seja científica seria logo descartada segundo os critérios de correção. Isso seria um problema moral? Digo que sim porque como a ciência seria capaz de, por si só, levantar essas questões que são constantemente levantadas pela Filosofia e pela religião e, principalmente, pelo atrito que há entre eles?
É possível que o cerne do problema esteja aí: parece que você está partindo de uma concepção de ciência diferente da minha. Concepção, a sua, que considero equivocada.
Parece que você compreende a ciência como um método específico como, por exemplo, o método hipotético-dedutivo. Isso não é verdade. “Ciência” é apenas “conhecimento” e é o nome que adotamos para uma visão que envolve compreender e interrogar-se sobre o mundo de maneira cética. Ou seja, sempre norteados pela pergunta “temos motivos para acreditar nisso?” e “qual a melhor forma de investigar a respeito daquilo?”. Não poderia haver perguntas mais amplas.
O método que a ciência adota varia. Assim, se houver motivos para crer que os métodos e modelos que atualmente adotamos estão errados ou que existem formas melhores de abordar os fenômenos, descartaremos estes modelos atuais e adotaremos este melhor. Se, por exemplo, alguém conseguir demonstrar que o método hipotético-dedutivo tem sido insuficiente e que um método completamente novo, que envolve uma visão radicalmente nova de mundo e de conhecimento, consegue lidar melhor com os fenômenos, adotaremos este outro modelo. E ainda assim continuará sendo ciência. Complemento o que disse anteriormente, dizendo que ciência é apenas questionamento sistematizado: de por que deveríamos acreditar em algo e qual a melhor maneira de investigarmos a respeito de determinada coisa.
Isso torna sua crítica um pouco sem sentido. Afinal, qual seria o perigo? Questionar as coisas? Acreditar que apenas considerarei algo como verdadeiro ou correto quando houver bons motivos para isso? Por que isso é algo ruim? E, olha que coisa linda, mesmo se vc for capaz de apontar por que questionar as coisas desta forma é algo ruim e que há maneiras melhores de compreender, ainda assim será ciência! Pois esta será demonstradamente a melhor maneira de abordar os fenômenos ou a questão.
Draco: A) Isso significa que a ciência te dá informações para que você melhor realize julgamentos morais, mas não que ela te dá um julgamento moral em si mesma.
Questão já abordada acima. Se acha que abordei insuficientemente ou não peguei seu ponto, por favor me corrija e me explique melhor.
Só que espere, na situação do trem, dizer que as situações S1 e S2 são logicamente iguais é incorreto. (...) Por exemplo, alguém poderia justificar que o homem amarrado já "estava envolvido" na situação, enquanto o homem gordo não, portanto este não poderia ser jogado.
Essa é uma justificativa moral, não lógica, para a ação de arremessar ou não, puxar a alavanca ou não. Agora, se vc acredita que nossas justificativas lógicas envolvem também a moral, é um outro ponto.
De qualquer forma, embora tenha achado seu questionamento bastante pertinente, isso que você inclui na lógica (o cara da S1 estava "incluido na situação", o do S2 não) está dentro da análise que faço - e que os pesquisadores também fizeram - do fenômeno. Ou seja, por que sentem isso, por que pensam isso.
Não está correto porque está implícita aí uma valoração moral conseqüencialista. Ou seja, dizer que S1 e S2 são iguais por possuirem resultados iguais é logicamente incorreto pois elege um único critério para a igualdade: a conseqüência.
Mas é isso mesmo, e isso não é um problema. O que vc chama de critério consequencialista entra dentro da análise das respostas. Não acho que as situações sejam as mesmas, eu também me sinto diferente diante delas. Quem responde igual, poderia ter um critério moral consequencialista, o que responde que não, talvez não. É isso que estamos tentando analisar: por que a maioria das pessoas não adotam o que vc chama de critério consequencialista, mas se sentem diferentes nas situações em que a consequência é, em termos estritos, a mesma (que aqui chamei de serem logicamente as mesmas, para simplificar a questão). Sacou agora?
Você talvez tenha apontado um problema do mau uso da palavra lógica (mas eu não concordo com vc, mas não quis entrar nisso porque é desnecessário nessa questão), mas não um problema da pesquisa ou de suas conclusões.