Meu processo de criação parte do argumento. A temática ou assunto que quero desenvolver é que pedem as personagens, e eu as crio para ilustrar a tese proposta na narrativa
Os homens são sempre tipos planos. Caso em uma história eu desejo mostrar a massificação e a desumanização urbana, vou criar personagens cuja psicossomática (mente e corpo) reflita isso: que sejam frios, distantes, apáticos e cinzentos como formigas
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Como gosto de personagens femininas, estas é que são mais trabalhadas, complexas, contraditórias, parecendo mulheres reais e verdadeiras nos mínimos detalhes, gestos, olhares, modo de vestir e falar (gírias e expressões) e até o corte de cabelo condizente com a personalidade (intelectuais: cabelos curtos; sedutoras: cabelos longos e cacheados)
É importante que as decisões das personagens femininas tenham motivação, o que vem do passado pessoal de cada uma: se nasceu pobre ou rica, se estudou até a faculdade, as músicas que ouvem, os livros que leem, os filmes a que assistem, passatempos preferidos etc.
Quanto mais detalhes realistas tenho, mais elas vivem em meu inconsciente, como se fossem mulheres de verdade que conheci (e que costumam inspirar minhas criações), como seus medos e traumas, paixões e taras, ódios e vergonhas - isso tudo é incorporado automaticamente às suas falas e atos no decorrer das histórias
Sei que uma personagem está, madura, quando ela toma o controle e "fala" algo que eu não previa, desviando a narrativa, saindo do meu pretexto inicial para impor o próprio subtexto, a própria visão, a própria mensagem e não a minha
Nesse momento, sinto que o lado feminino meu (Anima) está se manifestando na personagem. É aí que vou aprender mais sobre mim mesmo e o leitor/leitora vai identificar e projetar a si mesmo nesses conteúdos inconscientes-subliminares.
Texto do Flávio Calazans na Dragon Magazine 14 publicada pela Abril.