Lá estava eu, no fundo do buraco, com os pés molhados e exausto. Pensar que tudo começou com poucas palavras e uma ideia simplória é o que mais me assusta. Ao olhar para cima, vejo diversas pessoas ao redor da borda - algumas assustadas, algumas surpresas. Talvez ninguém imaginasse que eu chegaria tão longe.
“Não se aproximem muito! A borda pode ruir, e vocês acabariam caindo aqui!” – Tento informá-los, mas parece que a curiosidade deles apenas aumenta. Se debruçam e tiram fotos do feito. Ninguém me teme. Ninguém teme por minha situação. Sinto a sensação que alguns animais devem ter ao ficarem enjaulados no zoológico. Inúteis. Frágeis. Um espetáculo à parte.
“Tudo isso a troco de quê?” – Alguns perguntam. Não adianta explicar a teimosia espanhola. Nem informar o modo que cresci ou aprendi a viver a vida. “Dez reais” – respondo, sem saber se tentava convencer a eles ou a mim mesmo sobre os motivos de tudo aquilo.
“Posso entrar, mamãe?” – algumas crianças arriscam. A sensação de que a negativa é inevitável me passa pela cabeça. Jaulas imaginárias faz com que as pessoas evitem a aproximação. A maioria parecia esperar por algo a mais. Sempre algo amais. Talvez que eu encontrasse algum tesouro, ou que rugisse como um leão selvagem. Algo a mais precisava acontecer, pois a platéia já estava impaciente.
“Água!” – finalmente gritei. As pessoas voltaram a se aproximar daquele buraco na areia. Algumas, talvez, na esperança de que não fosse só isso. A maioria, provavelmente. O importante é ter objetivo. A decepção deles contrastava com a minha alegria. Eles não tinham objetivo, eram meros espectadores. E o meu foi cumprido. Como poderiam entender?
“Tá bom, provou o seu ponto, agora já pode sair” – disse o meu amigo, um tanto embaraçado com a situação. A escada precária havia sumido. Ergui minhas mãos e tentei alcançar as bordas do buraco que tinha pouco mais que um metro de diâmetro. Me ergui, e caminhei sobre as areias que deslizavam pela parede, enchendo o fundo aos poucos e me permitindo andar sobre ela.
As crianças ao redor se divertiram com a situação, e aos poucos pularam para dentro do que sobrou do buraco, preenchendo-o com areia, animadas pelo feito concluído. O ambiente de cima era bem diferente do anterior. Livre, animado, sem aquela sensação claustrofóbica de isolamento.
- Caraio, meu, não creio que você cavou tudo isso só para achar água – meu amigo continuava incrédulo.
- Falei pra você não duvidar de mim, agora me paga duas águas de coco.
Chegar no fundo do poço tem as suas vantagens.