Autor Tópico: Dança das cadeiras  (Lida 1112 vezes)

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Offline Magyar

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Dança das cadeiras
« Online: Outubro 04, 2012, 08:34:09 pm »
Por muito tempo eu brinquei. A música começa a tocar e o caminhar em volta delas é lento. Passo a passo analiso as minhas opções. Repentinamente a música para e eu pulo na cadeira mais próxima junto de outros - menos duas pessoas estão presentes na roda.

A cada ritmo diferente, menos cadeiras para um número proporcionalmente maior de pessoas. As opções diminuem com o tempo. A concorrência aumenta. Quando percebemos, já estamos no nervosismo absoluto da última cadeira. "Será que é agora que eu ganho? Encontrei a minha cadeira?".

Enquanto a música toca, penso nas possibilidades. Será que o marceneiro foi cuidadoso? Será que existe chances da cadeira se partir ao me sentar? Será que durará até o final da festa? Será confortável? Dizem que as cadeiras com objetos pessoais possuem dono, porém, nada impede que outras pessoas sentem-se nelas. É preciso estar atento - os bens materiais podem se perder com o descuido.

Certa vez, meu avô construiu uma cadeira. Escolheu o material que seria utilizado. Separou bem e planejou tudo minuciosamente. Deu detalhes curvos para as beiradas. Revestiu de couro o assento. Tudo estava nos trincos.

Cada martelada foi precisa. Os detalhes ficaram magníficos. Ficava mais tempo na cadeira que construíra do que na poltrona ou na cama. Era confortável, satisfazia suas necessidades. Nada exagerada ou luxuosa - era o ideal.

Meu pai, seguindo os passos dele, tentou fazer o mesmo. Infelizmente, ele não herdou o mesmo talento. Talvez fossem as ferramentas - o mundo tinha mudado. A primeira cadeira que construiu lhe dera muito trabalho. Vivia de consertos, e ele acreditava piamente que bastava alguns remendos para que ela durasse. Não durou - o divórcio veio ainda na minha juventude. Então ele se modernizou: se manteve nessa dança maluca por um tempo, até que resolveu comprar uma cadeira ricamente fabricada. Apesar de caro, tem durado o suficiente para satisfaze-lo.

Enquanto viajava pela outrora, não percebi quando a música parou. No mundo atual, com essas festas constantes de nossas vidas, qualquer deslize pode te tirar um futuro conforto. Por maior que seja o número de cadeiras, nem todas são ideais para a nossa postura, nosso formato. Meio à festa, só, me resta ficar de pé. Roubaram a minha cadeira.
"Babuínos balbuciam balbúrdias banais, bêbados, em bando."