Autor Tópico: Conan 3 - Vingança  (Lida 6219 vezes)

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Conan 3 - Vingança
« Online: Janeiro 16, 2015, 05:07:12 pm »
O perfume de Jenna ainda se desprende do corpo de Conan. A lembrança da mulher, deixada em companhia de Dietra na cabana nos arredores de Athros, por um instante atenua os pensamentos sombrios do cimério. Durante a cavalgada até a cidade, situada na porção leste da Coríntia, Conan cogita de que forma chegará perto o suficiente de Athicus para enfiar-lhe a espada no coração e consumar sua vingança. O conselheiro de Zhenkri, que o havia traído e envenenado, certamente já sabia que ele sobrevivera à sentença e que o triunfo chegara junto da aprovação do Rei. Estaria preparado, portanto.
Em Athros, o cimério é distraído pelo clima de festa que toma conta das ruas naquela manhã. A notícia do triunfo na batalha contra Polopponi já chegara, e o regozijo dos habitantes é palpável. Tomando ruas menos movimentadas, Conan dirige-se até a Taverna de Valiatti. Em frente ao estabelecimento, o proprietário oferece cerveja a alguns guardas que, com mal disfarçado orgulho, colhem de uma população satisfeita os louros que seriam mais justamente dirigidos àqueles que lutaram nas cercanias de Polopponi. Conan entre eles.
Conan aproxima-se o bastante para que Valiatti perceba a sua presença, mas sem deixar que os ébrios soldados façam o mesmo. Em seguida, dirige-se aos fundos da taverna. Ali, depois que o taverneiro dispensa um soldado interessado em manter cheio o seu caneco, uma conversa se dá.
- Por Mitra, cimério. Tem coragem para voltar aqui. Se os soldados o virem, não hesitarão em matá-lo.
– Pouco me importa o que agrada aos soldados de Zhenkri. É com um membro da corte que tenho contas a acertar.
– De quem está falando?
– Athicus, aquele traidor maldito.
– O conselheiro de Zhenkri? Esqueça o que disse sobre coragem. Agora, acho que perdeu o juízo.
– Onde ele vive? Sei que não é no palácio.
– Existe uma área da cidade onde habitam os nobres. Estive lá recentemente…
– Então você pode me ajudar!
– Talvez mais do que imagina. Há três noites servi um vinho raro, de Kyros, na casa de um nobre chamado Murilo. Na ocasião, tive a oportunidade de ouvir uma conversa ou outra. Não que eu desejasse isso, mas sabe como o vinho contribui para a grandiloquência dos argumentos… Pois bem, nessa noite percebi que Athicus não é admirado por seus pares. Diria, inclusive, que é temido e odiado.
– Não tenho nada a ver com as intrigas da corte e seus jogos de serpentes.
– Você não está me ouvindo Conan. A cidade está repleta de soldados desde o ataque contra Polopponi. E no distrito dos nobres isso é ainda mais verdadeiro. Mesmo que conseguisse entrar lá, não passaria despercebido, e, certamente, seria morto.
– E o que sugere você?
– Esse nobre, Murilo, parecia especialmente revoltado com as atitudes recentes de Athicus. Como você disse, é um jogo de serpentes. Quem sabe, ele possa ajudá-lo a arrastar-se até a grama de Athicus.
– Vou encontrá-lo, então.
– Deixe por minha conta. Interessa-me especialmente cair nas graças de um nobre como Murilo.
****
Apesar do auxílio oferecido por Valiatti, que sempre mostrou-se confiável, e a possibilidade de contar com a disposição do tal nobre de nome Murilo, Conan já cansou-se de acumular cicatrizes causadas por mãos civilizadas que lhe foram estendidas. Por conta própria, dirige-se até o pequeno porto de Athros. Ali, o porte do cimério e sua mão pesada são mais do que o suficiente para intimidar os homens de índole duvidosa que acompanham com olhar preguiçoso o trabalho duro dos estivadores.
Descobre que não foi a poucos que ocorreu a idéia de aproveitar-se do clima festivo para surrupiar bens de nobres. Entretanto, a fagulha de coragem teria sido rapidamente extinta pela presença de um grande contingente de soldados nas ruas, especialmente na sua região mais rica. E entre aqueles que têm algo de valor da proteger, ou segredos escusos a esconder, Athicus é o mais destacado…
****
No segundo andar da Taverna de Valiatti, Conan amola a espada que recebeu de Ornish enquanto aguarda, impaciente. Já é início da madrugada quando Murilo chega, vestindo uma capa com capuz. Os cabelos perfumados do nobre despertam suspeitas em Conan, que porta-se agressivamente durante toda a conversa.
- Valiatti mencionou que tem contas a acertar com Athicus. Isso é verdade, Conan?
– Eu não menti para ele. E ele não mentiu para você. Espero que também não existam mentiras em sua oferta de ajuda.
– Minha oferta é sincera.
– Então me diga como posso entrar na casa daquele cão traiçoeiro sem alertar os guardas.
– Através de uma galeria subterrânea. Por ali atravessa um braço do rio que banha a cidade e carrega os dejetos das residências.
– Imagino que logo os peixes não suportarão o contato com aquilo que vocês, nobres, tem a esconder em seus subterrâneos.
– Não me confunda com Athicus, Conan. Aquele é um homem ainda mais perigoso do que fez parecer o breve contato que tiveram. Ele planeja tomar o poder de Zhenkri enquanto o rei encontra-se com a atenção voltada ao campo de batalha, em Polopponi.
– E o que você teria contra isso? Zhenkri não é visto com bons olhos pelos homens que ele humilhou subindo ao trono pelo fio da própria espada.
– Ainda que Zhenkri desrespeite nossas tradições e ostensivamente repudie o modo de pensar da Coríntia, ele é um governante melhor do que Athicus jamais será. Estamos falando de um homem capaz de atos impensáveis de magia para adquirir poder.
– Traição e feitiçaria. Duas coisas abundantes entre as pessoas perfumadas ao sul da Ciméria. E o que você ganha com tudo isso?
– A paz de saber que não é Athicus o primeiro na linha sucessória caso algo ocorra com Zhenkri, em Polopponi.
– E os guardas dentro da casa?
– Não estão lá desde que Athicus realizou uma reunião com seus aliados, há algumas noites. Isso não quer dizer que a mansão esteja desguarnecida.
– Ainda não encontrei nada que resistisse à minha espada e, por Crom, isso não mudará hoje.
****
Com uma túnica gasta cobrindo seu físico poderoso, Conan se esgueira pelas ruas do distrito mais nobre de Athros. A alegria do restante da cidade não encontra eco aqui. Soldados percorrem as ruas em turnos regulares, conversando em voz baixa, como se a par de um iminente perigo oculto.
As suspeitas tomam forma no aço do bárbaro, que eviscera um dos vigias. A morte chega antes mesmo que um gemido lhe escape da garganta. Com velocidade estonteante, Conan ataca o segundo adversário, visando suas pernas. Mais por sorte do que habilidade, o homem coloca a espada no caminho do golpe, evitando o aleijão permanente. Ciente de que não pode vencer a força daquele estranho de cabelos negros, o homem assume postura defensiva e grita um alerta. A boca ainda está aberta quando o corte rápido desfigura seu rosto, jogando a mandíbula aos ratos que habitam uma viela escura.
Certo de que em breve outros guardas responderão aos ruídos de batalha, Conan move a pesada tampa de pedra no chão e leva consigo, para os subterrâneos, o corpo do segundo soldado. Ali, em meio à escuridão e ouvindo o rumor da conversa nas ruas, acima de sua cabeça, ele veste a armadura do cadáver.
Sem tochas, o cimério avança tateando as paredes de barro e pedra que formam a galeria. Apenas seus instintos apurados são capazes de guiá-lo na escuridão, evitando uma armadilha rudimentar que provoca o desmoronamento de grandes rochas. Mais tarde, Conan se arrependeria por ter disparado o artefato, que certamente serviu de alerta a Athicus.
Seguindo as indicações oferecidas por Murilo poucas horas antes, Conan emerge no pátio interno da mansão, aos fundos. A grande pedra que barra o caminho aos subterrâneos é deixada encostada, caso uma fuga rápida se faça necessária.
****
Conan não faz mais barulho do que uma sombra quando se desloca pelo pátio. Não há sinais de guardas, ainda que ele possa ouvir conversas vindas além dos muros. Alguns metros adiante, uma porta entreaberta revela o que parece ser um alojamento recentemente desocupado. Pedras de amolar e uma adaga quebrada confirmam a informação de Murilo: Athicus dispensou recentemente todos os guardas de sua residência.
Encontrando uma tranca frágil, Conan invade a mansão através de um pequeno depósito contíguo à cozinha. Uma grande mancha enegrecida, sinal de fogo recente, marca uma das paredes. Utensílios domésticos sobre uma mesa de madeira revelam o recente preparo de uma grande refeição.
Por meio de uma fresta o bárbaro pode ver o salão principal da mansão. Ali, sentado em uma das confortáveis cadeiras que cercam a suntuosa mesa de jantar, um homem repousa. Conan aproxima-se em silêncio, tomando o cuidado de não esbarrar em restos de comida e talheres que emporcalham o chão. O homem não move um músculo até que o bárbaro o agarre pelas costas, com os dedos de aço selando seus lábios enquanto a outra mão leva a espada até a garganta. Está morto, percebe Conan. Sua pele ressecada e solta sobre a carne parece com a dos homens banhados com óleo fervente no cerco a Venarium.
Vislumbrando a tênue luz que escapa sob a porta de outro aposento, Conan abandona o cadáver.
****
Sem o menor ruído, Conan adentra uma ampla biblioteca. Estantes com centenas, milhares, de livros ocupam as paredes laterais. Ao fundo, vestindo um manto semelhante àquele usado na noite em que selou e subverteu um acordo com Conan, está Athicus. Ele não dá atenção à aproximação do bárbaro que, agachado, procura aproximar-se.
- Conan, que desejável visita.
Sem responder, o cimério ergue-se e arremessa a pequena espada tomada de um dos guardas que matou. Com um silvo, a lâmina atravessa o aposento a atinge a parede, encravando-se na fissura entre as pedras. Conan amaldiçoa-se pelo erro e avança contra Athicus. Ao contrário do que esperava, o nobre não recua ou implora. Athicus sorri, e ao aproximar-se para golpeá-lo, Conan percebe a carne exangue e os olhos fundos do adversário. A lâmina corta o ar. O golpe que estriparia o mais saudável guerreiro mal faz piscar o esquelético erudito.
- Feitiçaria!
– Bárbaro ignorante. Mais uma vez sua mente estreita lhe trai. A surpresa que acaba de ter não é a única que reservei para você nesta noite.
Tocando o bárbaro, Athicus produz um efeito semelhante ao do mergulhar o braço em água gélida, roubando as forças de Conan.
- Hahahaha… Você me servirá bem, Conan. Sua vitalidade compensará com sobras o que aquele verme na sala não pôde oferecer.
Mesmo aturdido, os sentidos de Conan estão completamente alertas. E sãoeles que o salvam de um abraço mortal. Voltando-se para encarar quem tentava emboscá-lo, o cimério depara-se com uma criatura de traços grosseiros, escura pelagem negra e postura curvada. O rosto, uma paródia do humano, tem um focinho achatado e lábios grossos que mal escondem longas presas amarelas. E os olhos, os olhos brilham cheios de crueldade primitiva.
Enquanto recua diante dos terríveis adversários, Conan vislumbra sobre a mesa o amuleto de Asketh. Tomando a peça depois de esquivar-se das investidas selvagens do gorila, Conan a esmaga contra a parede.
- Sua iniciativa incipiente não pode reverter o que essa jóia me permitiu fazer, Conan. O seu poder agora é meu. Mate-o Gulah, mate-o!
Afastando o brutal primata com golpes até então pouco efetivos ao mesmo tempo em que evita o toque enregelante de Athicus, Conan evade-se até o salão principal. Ali, toma uma tocha e arremessa-a contra os livros na biblioteca. As chamas consomem os livros sobre a mesa de estudos, distraindo o feiticeiro temporariamente.
Apenas o incansável desejo de lutar e matar concede uma pequena vantagem a Conan diante da força primitiva de Gulah. Suas mãos poderosas e ataques selvagens chegam perto de esmigalhar as costelas do bárbaro, que dirige todos os seus golpes às pernas do adversário. À beira da exaustão, Conan finalmente desfere um ataque definitivo, decapitando Gulah. O arremedo de manto que a criatura vestia agora tem um tom mais vivo de vermelho.
- Não. Não!
Com o traje chamuscado pelas chamas que agora lambem as paredes da biblioteca, Athicus grita de horror e ódio diante da morte de seu servo. Seu aspecto doentio é completamente visível, revelando uma condição abaixo da vida natural.
Esgotado, Conan mantém-se distante das mãos do feiticeiro, sempre a ponto de roubar-lhe os últimos gramas de força. Explorando a autoconfiança desmedida de Athicus, Conan lança golpes fracos, que mal ferem o cadavérico inimigo. Quando este finalmente baixa a guarda, a espada do bárbaro é impulsionada com toda a tensão que seus poderosos braços ainda são capazes de gerar. A lâmina corta através da pele, músculos e entranhas, parando apenas ao encontrar a coluna de Athicus. Ainda vivo, ele solta um grito que garganta humana alguma seria capaz de emitir.
Conan planta a pesada bota no peito de Athicus, jogando-o contra as labaredas. Em meio às cinzas do conhecimento proibido acumulado ao longo de toda uma vida marcada pela perfídia, o feiticeiro finalmente encontra sua tumba.
Diante dos gritos dos guardas, que forçam a porta principal da mansão, só resta a Conan refugiar-se nos subterrâneos, onde seus instintos farão com que a fuga seja uma certeza após a vingança ter sido finalmente consumada, com aço e fogo.