Como o tópico de discussão sobre a 4e está BOMBANDO, resolvi dividir um dos assuntos de lá em um novo tópico, até porque não se restringe a D&D.
OK, o primeiro passo é garantir que estamos usando a mesma definição de "interpretação" aqui.
Quando digo "Interpretação" eu me refiro ao espectro que varia nessas 3 frases:- "Vou rolar Diplomacia pra livrar minha cara com o Rei." (Rola diplomacia)
- "Eu sei que não devia ter beijado a princesa, Majestade... mas eu pensei que fosse apenas outra ilusão daquele mago safado!" (Rola diplomacia)
- "Vossa Majestade, estás cometendo um terrível engano. Não podemos confiar no que nossos olhos viram, esse biltre é notório por suas magias que deturpam os sentidos! Eu precisava ter certeza que estávamos salvando a verdadeira princesa, e não apenas outra de suas ilusões arcanas." (Rola diplomacia)
Outro trio de exemplos, pegando emprestado o poder que o Nibe mencionou:- (Rola o d20) "Eu ataco com Maré de Ferro. "
- (Rola o d20) "Eu tomo impulso e miro de propósito no escudo do Gnoll, acertando com tanta força que o impacto joga ele pra trás."
- (Rola o d20) "Lembrando das pessoas que encontramos mortas na caravana, eu levanto a espada e olho para o Gnoll. Ele deve ter percebido a minha fúria, e é isso que eu quero: ele tenta se proteger com o escudo, como planejado. Meu golpe o atinge com tanta força que ele recua, quase perdendo o equilíbrio."
Quando você fala em "interpretação", eu acho que você está falando apenas de "descrever o que o personagem vai fazer". E, com certeza, isso é automático e impossível de não existir em qualquer sistema de RPG.
Mas "Descrição" e "Interpretação" são coisas diferentes.
Por "Interpretação" eu me refiro à atividade de interpretar o personagem como se você fosse um ator. É possível você descrever uma ação com um nível de interpretação que varia entre
nada, pouco,
médio, muito,
demais... Obviamente, o que é "pouco" ou "demais" é algo totalmente subjetivo, vai ter gente achando que o que é demais pra mim é apenas mediano pra eles, e vice versa.
Mas eu acho que você deve concordar que, nos exemplos acima, uns tem mais interpretação e outros têm menos, certo?Agora a parte que é sempre importante frisar:
Não é obrigatório interpretar teatralmente pra jogar RPG, e "mais interpretação" não é sinônimo de "jogar melhor". Cada grupo sabe qual é a quantidade de interpretação que prefere.
Eu, particularmente, prefiro o nível "
mediano" nos exemplos acima, e é óbvio que por ter esse viés eu coloquei ele como o meio termo entre os dois extremos.
(Embora ache que o "demais" ali é o ideal em um PbF, por exemplo, só não em um jogo de mesa). Mas se 100 pessoas lerem esse tópico teremos 100 ideais diferentes do que é o seu nível preferido de interpretação dos personagens. E isso é bacana.
Dito isso, agora que está definido o que quero dizer por "interpretação", volto ao ponto principal do tópico, que é argumentar que
os livros de um sistema influenciam, sim, com menos ou mais incentivo para que os jogadores interpretem menos ou mais os seus personagens durante o jogo.Aí eu trago uma citação recente do Cebolituz, que mostra que não dormiu nas aulas de Análise de Discurso na faculdade:
Nunca parou para se pensar porque Storyteller sempre teve a fama de "interpretativo" e D&D sempre teve a fama de "combate, matar, pilhar, destruir"? Não são apenas por suas regras ou por convenção dos jogadores de que esse sistema é mais interpretativo e esse sistema é somente pilhagem, como muita gente adora dizer. E sim, a forma como o discurso do sistema é apresentado.
Ou seja, a maneira como as suas regras são escritas, como os seus livros são estruturados, imagens e estilo de jogo são fatores que influenciam sim a postura de um jogador e de um mestre com relação aquilo que ele vai jogar. Óbvio que essa influência diminui cada vez mais que os jogadores envolvidos com aquele sistema sejam mais experientes ou veteranos.
Além do óbvio, como já citado pelo Eltor, o fato do sistema não te dar suporte a algo mais fora do combate. Assim, o PHB 4E toda vez que se começa a leitura dele te grita "COMBATE COM FANTASIA HERÓICA" no teu ouvido, sem dar suporte algum para um novato que deseja um pouco mais de fluff ou um veterano que deseja suporte fora de combate. Logo, o discurso ficou nisso.
Antes que alguém venha dar o seu exemplo pessoal contrário de "meu grupo jogou diferente, logo seu argumento é inválido", me referi apenas a abordagem discursiva de ambos os sistemas e suporte fora do combate. Nada impede de criar toda uma história digna de literatura com D&D e criar uma nova versão de Blade com Storyteller.
Ele toca os pontos mais importantes:
- A forma como o texto é escrito, o espaço e destaque que dá a certas informações, e os exemplos de jogo que usa influenciam a forma como ele é apresentado aos jogadores novos, e moldam a percepção deles sobre quanta interpretação é "esperada" como o normal do jogo;
- Jogadores que tenham começado a jogar com outro(s) sistema(s) percebem isso bem menos, e da mesma forma são muito menos afetados. Eles já têm suas concepções definidas pelos sistemas que jogaram antes, e pelo grupo do qual participam. Para eles, a forma como a mecânica do sistema é apresentada é a parte mais relevante do livro;
(Minha opinião pessoal é que isso não apenas é natural como deveria ser incentivado, ao ter um livro básico do sistema para quem não o conhece ainda, e um Rules Compendium lançado bem cedo para quem já jogava edição anterior e só quer conhecer o que há de novo...)
- O sistema pode incentivar mais ou incentivar menos a interpretação, mas a palavra chave é incentivar. O sistema não obriga ninguém a interpretar. O sistema não impede ninguém de interpretar. Isso significa que argumentos como "desde o AD&D eu sempre jogo só dizendo o que tô fazendo e rolando o dado" ou "eu jogo 4e há 3 anos e já ganhamos 3 prêmios Emmy pela interpretação dramática dos conflitos e paixões de nossos personagens" não significam automaticamente que o sistema incentive, ou não, a interpretação. Significa apenas que você está jogando num grupo bom!
OK, por enquanto é isso. Discordem, concordem, xinguem minha mãe...