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Tópicos - Magyar

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Contos / Fundo do poço
« Online: Setembro 25, 2013, 01:34:28 am »
Lá estava eu, no fundo do buraco, com os pés molhados e exausto. Pensar que tudo começou com poucas palavras e uma ideia simplória é o que mais me assusta. Ao olhar para cima, vejo diversas pessoas ao redor da borda - algumas assustadas, algumas surpresas. Talvez ninguém imaginasse que eu chegaria tão longe.

“Não se aproximem muito! A borda pode ruir, e vocês acabariam caindo aqui!” – Tento informá-los, mas parece que a curiosidade deles apenas aumenta. Se debruçam e tiram fotos do feito. Ninguém me teme. Ninguém teme por minha situação. Sinto a sensação que alguns animais devem ter ao ficarem enjaulados no zoológico. Inúteis. Frágeis. Um espetáculo à parte.

“Tudo isso a troco de quê?” – Alguns perguntam. Não adianta explicar a teimosia espanhola. Nem informar o modo que cresci ou aprendi a viver a vida. “Dez reais” – respondo, sem saber se tentava convencer a eles ou a mim mesmo sobre os motivos de tudo aquilo.

“Posso entrar, mamãe?” – algumas crianças arriscam. A sensação de que a negativa é inevitável me passa pela cabeça. Jaulas imaginárias faz com que as pessoas evitem a aproximação. A maioria parecia esperar por algo a mais. Sempre algo amais. Talvez que eu encontrasse algum tesouro, ou que rugisse como um leão selvagem. Algo a mais precisava acontecer, pois a platéia já estava impaciente.

“Água!” – finalmente gritei. As pessoas voltaram a se aproximar daquele buraco na areia. Algumas, talvez, na esperança de que não fosse só isso. A maioria, provavelmente. O importante é ter objetivo. A decepção deles contrastava com a minha alegria. Eles não tinham objetivo, eram meros espectadores. E o meu foi cumprido. Como poderiam entender?

“Tá bom, provou o seu ponto, agora já pode sair” – disse o meu amigo, um tanto embaraçado com a situação. A escada precária havia sumido. Ergui minhas mãos e tentei alcançar as bordas do buraco que tinha pouco mais que um metro de diâmetro. Me ergui, e caminhei sobre as areias que deslizavam pela parede, enchendo o fundo aos poucos e me permitindo andar sobre ela.

As crianças ao redor se divertiram com a situação, e aos poucos pularam para  dentro do que sobrou do buraco, preenchendo-o com areia, animadas pelo feito concluído. O ambiente de cima era bem diferente do anterior. Livre, animado, sem aquela sensação claustrofóbica de isolamento.

- Caraio, meu, não creio que você cavou tudo isso só para achar água – meu amigo continuava incrédulo.

- Falei pra você não duvidar de mim, agora me paga duas águas de coco.

Chegar no fundo do poço tem as suas vantagens.

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Contos / Passos
« Online: Agosto 29, 2013, 11:14:55 pm »
Comece pelo pé. Não importa se é o direito ou o esquerdo, apenas comece. Você precisa aprender a andar por conta própria.
 
           Levante-o,
                      Adiante-o,
                                 Pise.
 
Isso. Sinta o solo no qual o deposita. É confortável, não é? Esse desequilíbrio que alterna-se com o peso... sente a adrenalina da incerteza?
 
Agora o outro, não precisa ter pressa.
 
Pé ante pé. Levante-o, adiante-o, pise. É só manter a ordem do ritmo. Olhe bem o trajeto que estás a fazer. Cuidado com as pedras; os buracos; a pressa; o peso. Tudo isso pode se tornar um empecilho. Alterar o seu equilíbrio, te fazer tropeçar – cair, parar.
 
Já sabe para onde andar?
 
           Pare,
                       Pense,
                                  Observe.
 
Agora não precisa manter a ordem, só precisa determinar os seus passos. O caos tem lá as suas vantagens.
 
            Caia,
                       Respire,
                                  Levante-se.
 
Tome o seu tempo, ele não é de ninguém para deixá-lo de lado ou adiantá-lo. Cada um tem o seu, não precisa de comparações. Seja extraordinário per se.
 
            Ouça,
                       Sinta,
                                  Reflita.
 
O fluxo das coisas ao redor. Qualquer coisa: uma pessoa; um animal; um objeto. Porque teima em esbarrar neles? Qual o seu objetivo? Te levará a algum lugar?
 
            Culpe-se,
                       Desculpe-se,
                                  Esculpa-se.

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Off-Topic / Manifesto Brasil
« Online: Junho 16, 2013, 05:53:11 pm »
Buenos Diaz a todos!

Para não ficar muito disperso, estou abrindo esse tópico sobre as manifestações.

Escrevi algo à respeito, com algumas críticas e sugestões - bem pessoal (ficou longo, então segue no Spoiler):

(click to show/hide)

PS: Fica esse tópico aberto PRINCIPALMENTE para tratar do assunto: Manifestações no Brasil.

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Contos / A dor dos pássaros
« Online: Maio 28, 2013, 08:59:34 pm »
Era mais uma festa com os amigos e fui para o canto fumar sem atrapalhar os demais convidados. Naquela hora, o mexer dos arbustos próximos me atraiu a atenção. Um pássaro estava lá, tentando pular de um galho para outro, rumo a maior das alturas que pudesse alcançar. Ao chegar pouco acima de minha cabeça, ele tentou levantar voo, mas caiu enquanto batia entre parede e galhos até voltar ao arbusto.
 
Um belo pássaro com tonalidades verdes e azuis, com penas laranjas próximas ao bico. Tinha um piado que um dia fora lindo, não tenho dúvida, mas que agora demonstrava um certo desespero enquanto tentava novamente subir o mais alto que pudesse para voltar a voar.
 
Me senti mal por aquilo. Tive vontade de ajudá-lo, mesmo não sendo um veterinário. “Não tema” - eu queria dizer. Queria que confiasse em mim, mas ao me aproximar, ele fugiu para o canto. “Não preciso de sua ajuda” - senti-o piar. Pensei em falar com alguém da festa sobre o pobre animal, mas entendia ele: não queria mais espectadores para a desgraça de sua vida.
 
Com sua asa machucada, vi ele continuar a subir os galhos, sem pensar em mais nada além de voltar a voar o quanto antes. Se livrar das ameaças felinas e humanas que o cercavam. Voltar para o céu tão querido. Viajar para onde suas asas pudessem levá-lo.
 
Não sei dizer se valeria a pena impedi-lo de tamanha determinação. Eu queria ser um pássaro também para  dizer: “Ei cara, você precisa tratar dessa asa! Não adianta forçar!”. Mas eu não passo de um outro ser, de outro mundo, tentando racionalizar à minha maneira. Possivelmente, se conseguisse falar algo com ele, ele responderia: “Mas e você? Que nem machucado está e não consegue voar? A sua gaiola é imaginária, amigo. Não tema por conta de um machucado”.
 
Pensei em pegá-lo. Pensei em chamar alguém. Pensei  até numa possível conversa com ele. Pensei em tantas coisas que, no final, a única coisa que pude fazer foi voltar à festa. À minha vida - minha gaiola. Os dias passaram e as coisas não mudaram. Mas eu continuo a pensar naquele pássaro e suas dores. Minhas dores.

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Contos / Pega Pega
« Online: Novembro 24, 2012, 08:37:42 am »
Nos últimos tempos, minha situação fez retornar memórias passadas de um treino de Rugby.

Não era nada demais, um treino qualquer na pracinha "Cruzeiro do Sul" no bairro em que morava de São José dos Campos. Ela era redonda, com um cimento áspero que ralava só de olhar. Ao redor, várias partes com gramas e árvores - algumas delas no meio da parte acimentada, inclusive. O poste no meio dela nos dava a iluminação necessária durante as noites de treino.

Eu estava na minha adolescência, por volta dos 15 anos. Treinava a 2 anos já com o pessoal do time infantil. - o que me dava um pouco daquele ar de veterano de guerra, por mais que nunca tivesse participado de um jogo ainda. Como aquecimento, ao invés das incontáveis voltas em torno da praça, o treinador resolveu fazer algo mais divertido - e que adorávamos. Pega pega. Só que não aquele comum daquela infância de outrora. Você só pegava alguém quando encostava a bola oval de rugby na pessoa, e quando alguém era pego, essa pessoa tinha que ajudar a pegar os demais. Então ia cada um para perto dos outros que faltavam e passava a bola, ordenando o rebanho enquanto todos eram dominados.

Claro, era divertido. Demais. Disputas de agilidade, corridas e passes eram motivos de chacotas e triunfos. Eu não era o que corria mais, mas estava entre os que corriam mais. Metade do grupo já havia sido pego, restavam poucos de nós. Fintas e velocidade de uns contrastavam com os passes e posicionamento dos outros.

Eis que o Túlio pegou a bola. Como sabia que corria mais que ele, resolvi provocá-lo. Deixei chegar perto. Arrisquei uma finta, e ele resolveu me pegar na corrida. Então resolvi mostrar que corria mais, e saí em disparada pelo cimento. Fiquei preocupado, pois já estava um pouco cansado e vi que ele vinha a toda velocidade. Não consegui livrar o olhar daquele incomodo que me perseguia, e quando fui olhar para a frente TUM! Dei de peito com uma das árvores que brotavam do cimento. Meus braços e pernas foram para frente com toda a intensidade. Abracei a árvore. Meu peito doía - não conseguia respirar. Os demais riam. "Parecia cena de desenho animado", comentavam. Não sabia se ria da burrada, chorava da dor ou tentava respirar. Foi algo tragicômico, fora do normal.

"Tá vivo? Consegue respirar?" perguntou o treinador enquanto balançava as minhas pernas.
"Aaafhh.. Afhhhhh Dooo...ooorr..." Tentei responder enquanto o ar não vinha. Meus olhos lacrimejavam durante as minhas dúvidas.

E agora aqui me encontro. Relatando mais uma lembrança da minha vida. Mais uma analogia barata. A bola mudou, é claro. Enquanto tentava me livrar daquela angustia de cair no monótono da vida, de fazer parte do grupo que agrega o rebanho, não reparei no que havia à minha frente. A árvore do desgosto tirou o meu fôlego. Fiquei sem reação. Tentei me livrar do que me perseguia, mas não importou as fintas de festas ou a velocidade em que bebi e saí. Era preciso visualizar os obstáculos à frente para não ser pego de surpresa. A minha sorte foi ter o apoio nesse momento de dúvidas. Ainda não sei se choro, rio ou respiro.

Mas que fique a lição. Não importa o que te persegue: nunca corra olhando para trás.

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Contos / Dança das cadeiras
« Online: Outubro 04, 2012, 08:34:09 pm »
Por muito tempo eu brinquei. A música começa a tocar e o caminhar em volta delas é lento. Passo a passo analiso as minhas opções. Repentinamente a música para e eu pulo na cadeira mais próxima junto de outros - menos duas pessoas estão presentes na roda.

A cada ritmo diferente, menos cadeiras para um número proporcionalmente maior de pessoas. As opções diminuem com o tempo. A concorrência aumenta. Quando percebemos, já estamos no nervosismo absoluto da última cadeira. "Será que é agora que eu ganho? Encontrei a minha cadeira?".

Enquanto a música toca, penso nas possibilidades. Será que o marceneiro foi cuidadoso? Será que existe chances da cadeira se partir ao me sentar? Será que durará até o final da festa? Será confortável? Dizem que as cadeiras com objetos pessoais possuem dono, porém, nada impede que outras pessoas sentem-se nelas. É preciso estar atento - os bens materiais podem se perder com o descuido.

Certa vez, meu avô construiu uma cadeira. Escolheu o material que seria utilizado. Separou bem e planejou tudo minuciosamente. Deu detalhes curvos para as beiradas. Revestiu de couro o assento. Tudo estava nos trincos.

Cada martelada foi precisa. Os detalhes ficaram magníficos. Ficava mais tempo na cadeira que construíra do que na poltrona ou na cama. Era confortável, satisfazia suas necessidades. Nada exagerada ou luxuosa - era o ideal.

Meu pai, seguindo os passos dele, tentou fazer o mesmo. Infelizmente, ele não herdou o mesmo talento. Talvez fossem as ferramentas - o mundo tinha mudado. A primeira cadeira que construiu lhe dera muito trabalho. Vivia de consertos, e ele acreditava piamente que bastava alguns remendos para que ela durasse. Não durou - o divórcio veio ainda na minha juventude. Então ele se modernizou: se manteve nessa dança maluca por um tempo, até que resolveu comprar uma cadeira ricamente fabricada. Apesar de caro, tem durado o suficiente para satisfaze-lo.

Enquanto viajava pela outrora, não percebi quando a música parou. No mundo atual, com essas festas constantes de nossas vidas, qualquer deslize pode te tirar um futuro conforto. Por maior que seja o número de cadeiras, nem todas são ideais para a nossa postura, nosso formato. Meio à festa, só, me resta ficar de pé. Roubaram a minha cadeira.

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Contos / Tobogando
« Online: Agosto 25, 2012, 03:25:28 am »
Manhã de domingo, de praxe minha mãe vinha acordar a gente às 9h da manhã para mais um dia planejado pelas vontades próprias.

- Vai, levanta! Arrumem a cama! Hoje vamos na piscina do clube!
- Não quero ir, me deixa dormir!
- Vai logo antes que eu te meta a mão - conclui ela. Viva a democracia!

Fui o segundo a levantar. Meu irmão mais novo já estava de pé enquanto ela gritava com os dois mais velhos. Eles se recusaram a sair da cama, mesmo com as ameaças de mesada cortada e tabefes de graça. Vantagens de uma adolescência.

- Pelo menos posso chamar o Gui?! - resolvi negociar.
- Tá bom filho, mas vai logo! Liga pra ele e fala que jajá estaremos passando na casa dele.
- Tá - pelo menos eu não era um fracassado em negociações.

Os pais do Gui foram compreensivos. Tinham prometido levá-lo ao clube a duas semanas atrás, e algo dizia que hoje eles não o levariam, para variar. O Gui não recusou o convite, e eles não o impediram. A competência sendo passada para terceiros.

Logo estávamos no carro, a caminho do clube. Sunga por baixo de um shorts, camiseta, chinelo e uma toalha. Estávamos prontos.

- Nossa, Bruno, você viu que inauguraram o tobogã gigante semana retrasada?! Meu irmão mais velho foi, falou que da maior medo!
- Sério, Gui?! Quão alto é?
- To tamanho de um prédio!
- Não acredito...
- Tá com medo?
- Eu? Eu não tenho medo de altura - mentiras, o que seria de nossa imagem sem elas?
- Não acredito... se você for, eu também vou!
- Tá bom... - eu sendo idiota desde sempre...

- Chegamos, garotos! - merda.

A entrada do clube era nova, assim como boa parte do clube que estava em reforma desde sempre. As catracas impediram nosso avanço, por mais vazio que estivesse a entrada. O estacionamento estava meio lotado, e minha mãe não pagara a última mensalidade. Fiquei feliz por isso evitar o combate que me aguardava. Aparentemente o Gui também gostou da possibilidade de deixar para outro dia, semana ou quem sabe ano que vem. Só o meu irmão mais novo que resolveu choramingar alguma coisa que fez a minha mãe, como qualquer ariana, resolver discutir com o responsável sobre a nossa entrada.

- Poxa, mas eu sempre paguei em dia! E quase nunca vim aqui. Hoje que eu venho vocês vão me impedir de entrar?!
- Desculpe, madame. Mas a senhora não pagou a última mensalidade. Estamos apenas seguindo o protocolo.
- Tá bom... mas hoje o banco não tá aberto, posso pagar na segunda?
- A senhorita terá que assinar um termo de compromisso então. Apenas o procedimento padrão.
- Tudo bem... aonde eu assino? - maldita burocracia que me iludira. Quando percebi, já estava com o frio na barriga de volta.

- Pronto, aqui está. Já podemos entrar, então?
- Sim, senhora. Podem entrar poraqui.

Seguimos andando pelo caminho. Passamos por quiosques, churrasqueiras, parquinho e diversas pessoas. Os minibugs me chamaram a atenção, mas minha mãe falou que tinha que pagar para usá-los e ainda não tínhamos idade suficiente para andar neles - obrigado, sociedade!

Olhando no horizonte, avistei meu desafio. Alto e imponente, derramava pessoas de intervalo em intervalo. Quanto mais próximo, maior ficava, assim como o frio que já não cabia mais na minha barriga. Logo estávamos passando pela poça d'água nojenta que "limpava" nossos pés. Eu estava quase tremendo, até que avistamos o rio lento - uma piscina com boias e cheia de jatos que te empurravam pelo percurso da piscina num formato de rio. Era divertido, e pensei que isso poderia tirar um pouco o foco do que me aguardava - como tudo nessa vida. Quem sabe o Gui não esqueceria daquele desafio bobo -ao menos seria mais fácil, é difícil fingir não ser babaca.

- Hey, você tá com medo de ir no tobogã gigante, Bruno?
- Oi? Eu? Claro que não... - corrigindo: estava morrendo de medo.
- Então, você vai lá?
- Claro, só tava esperando a fila diminuir um pouco - depois da primeira, as outras mentiras ficam na ponta da língua.
- Ah tá. Olha! parece que já tá menor!
- É, to vendo... - aonde foi que deixei a ponta da minha língua?

Procurei por desculpas pelo caminho, mas nada. Começamos a subir a rampa em espiral. Havia três níveis de tobogã, e o desafio era a mais alta. Fomos subindo lentamente, cabisbaixos, como quem atravessa o corredor da morte rumo ao destino imutável.

- Sabe, pensei que você fosse amarelar, Bruno.
- O que? Eu? Nunca! - estúpido...
- É, to vendo! Você me deu até coragem de ir junto! De verdade!

Não tardou para chegarmos na fila. Poucas crianças da nossa idade, a maioria já era adolescente. Alguns atrás de nós sacaneavam com um cara que estava com medo de ir. "Alá, mano! Até os pivete tão indo!". Foi o suficiente para ferir o ego do cara. Nada como um idiota mentiroso para criar a própria horda de idiotas.

A água saía de um tubo, e um instrutor organizava o tempo de queda de cada um. O timingnão deveria ser quebrado a fim de não causar acidentes lá em baixo. Uma pessoa descia, espirrava água na descida, e liberava para o próximo poder descer. O desespero começou a bater forte em meu peito enquanto a fila demorava uma eternidade para andar. Resolvi olhar ao redor, e me dei de frente com uma vista panorâmica do parque que tirou uma parte do peso de meu corpo.

- Hei muleque! Sua vez! Vai descer? - maldita visão, fez o tempo passar num piscar de olhos. Duas moças desistiram de descer, e já era a minha vez. A água corria por uma descida sem destino visível.
- V-vou! - tem gente que não sabe quando parar mesmo... cabeça dura!
- Então deita na água. Isso. É só cruzar os braços e deixar os pés juntos. Vou te dar impulso para você descer, e não separe os pés nem os braços para não se machucar - em minha mente eu digeria as palavras até decifrar o que tinha ouvido: "TÁ FUDIDO, MULEQUE!"

Cruzei os braços. Os calcanhares pareciam colados, assim como os olhos. A água passava pelo meu corpo, até que um empurrão me levou para frente. Antes na horizontal, agora na vertical. A queda era brusca, e o fato de não sentir o plástico, mas apenas a água que descia nas minhas costas, me deu um susto - abri os braços por um milésimo de segundo que pareceu durar uma eternidade. "Voumorrer voumorrer voumorrNÃOQUEROMORRER!" foi tudo o que se passou pela minha cabeça no momento.

Imaginei a ambulância chegando no meu corpo, e o instrutor explicando o que ocorrera, desesperado: "eu falei para ele não abrir os braços!". Comecei a ser otimista "Vai que só fico só paraplégico...". Antes de pensar na possibilidade de bater os braços para sair voando, cheguei ao meu destino.

A aterrissagem foi suave e a água se espalhou para todos os lados, molhando os desavisados lá em baixo. Estava vivo, e os batimentos em meu peito eram indício de adrenalina e alegria. Um sorriso bobo de criança que descobriu o mundo se estampava em minha cara. Me sentia mais leve do que nunca. A missão estava cumprida. Meu medo se fora e eu era imortal de novo. Saí do tobogã e aguardei o Gui.

Reto. Foi assim que vi ele descendo aquele gigante. Voou água para tudo quanto é lado. Ele confessou que quase desistira também. Só conseguiu ir depois que eu já tinha descido, sentindo-se no dever de manter a palavra - até porque eu o atormentaria para sempre, caso contrário. Acabamos indo mais quatro vezes no tobogã gigante, mas nenhuma delas foi como a primeira. Talvez o medo da pior das hipóteses ocorrer tenha ajudado a torná-la uma experiência única. Tem vezes que a gente só precisa de um empurrão.

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Contos / Refém
« Online: Julho 25, 2012, 01:06:13 am »
O carcereiro me encara com um olhar cansado. As rugas já apareciam ao redor da boca e dos olhos. Unhas roídas da ansiedade que o consumiu. Era visível que não queria estar aonde estava.


- Quem é você? O que você quer? - não sei dizer quem falou primeiro.


Magro de refeições mal comidas. Branquelo pela falta de sol. Grandes olheiras dignas de dias de insonia. Careca e cheio de caspas pelo couro cabeludo. Não sei ao certo se o reconheço de algum lugar.


- O que você faz aqui? - um uníssono se repete.


Tento me mexer, mas estou preso. Sinto-me fraco, incapaz. A quanto tempo não como? Dormi por muito tempo? Aonde estou?! Não sei dizer. Ele não tira os olhos de mim em nenhum momento, me analisando, me julgando, me torturando.


- Porque estou aqui?

As palavras saíram da boca dele. Tenho certeza disso. Observo o ambiente. Um quarto. Uma cama. Três paredes. Vejo a porta atrás dele. Ele está sentado na cama. Um lugar triste para prender alguém. A julgar pelas embalagens de bolacha e salgadinho ele vem se alimentando mal. Tem louça suja também. Um cheiro de cigarro denuncia um vício.

- O que você quer de mim?!

É ele quem faz as perguntas agora... Já não sei mais se estou preso por causa dele ou se ele está preso por minha causa.


- Qual é o seu problema?!

Ele parece ler a minha mente. Deve ser algum cara que se acha excêntrico e especial enquanto tenta adivinhar o que os outros pensam. Curioso pensar que até agora ele tem acertado. Não sei o que me leva a preocupar-me com ele. É perceptível as suas frustrações. Seu desespero.

- Porque você não sai pela porta?

Ele não vira para a porta, está muito concentrado em mim ainda. Ficou claro que ele sabe aonde a porta está. Tento mexer os braços - eles me obedecem. Os dedos dos pés... isso. O indivíduo parece zombar de mim imitando cuidadosamente cada movimento. Levanto espontaneamente e ele me copia. Resolvo tentar a sorte e passar por ele correndo.

Dou uma trombada forte com ele. Duro como a realidade tem o direito de ser, fragilmente ela se estilhaça dando um fundo oco para aquela miragem. A porta estava atrás de mim.

9
Contos / Folclore Brasileiro e Atualidades
« Online: Junho 30, 2012, 10:27:17 pm »
Por volta do século XVIII, um neguinho que fumava um pito, perneta e com um gorro vermelho ficou famoso pelas suas travessuras e peripécias no mato, com viajantes desavisados ou animais. Seus assovios estridentes eram temidos. O Saci Perere rapidamente ganhou fama e virou um mito no meio rural. Não duvido que suas histórias continuem hoje em dia, com algumas pequenas diferenças. Afrodescendente, fumante e aleijado, provavelmente deixou de ser visto como vilão e passou a ser visto como vítima pela sociedade como um todo –independente das peripércias que esteja causando. Isso, é claro, se a PM de SP não o pegou fumando um.
 
Outro personagem folclórico, rico em detalhes é uma mulher cuja origem remete a uma trepada com um padre dentro de uma igreja (dado chupinhado da wikipédia), só mais um desses pecados comuns de hoje em dia. A mulher pecou na época errada, e foi condenada a passar o resto da vida na forma de um equino sem cabeça que cospe fogo. A famosa Mula-sem-cabeça – um nome um tanto redundante para os dias de hoje – ainda vive. Não bastando o pecado que a originou, ela teima em profanar palavras de Clarice Lispector em nome de Caio Fernando de Abreu e coisas do tipo nos facebooks alheios, cuspindo fogo naqueles que questionam a veracidade dos fatos compartilhados por ela.
 
Por fim, não menos importante, temos uma figura emblemática. Um anão de cabelos vermelhos, que espanta caçadores que não respeitam o ciclo da natureza. Com seus pés invertidos, o Curupira prega peças nos infames caçadores, fazendo com que eles se percam no rastro deixado pelo pequeno protetor da fauna brasileira. Hoje em dia, ele trocou a floresta pela internet, e a divulgação confusa de fatos erroneos e aleatórias ações impulsivas acabam por, algumas vezes, prejudicar ainda mais a fauna como um todo. Em seus exemplos, encontramos a libertação de animais de cativeiro em seus habitats naturais -o que acaba causando a morte prematura de muitos deles. Ele também conta com a ajuda de aliados, como ativistas fervorosos cujo cabelo de fogo deve ter queimado alguns miolos. Deve ser foda ser curupira, querer andar em frente e acabar indo só para trás.
 
Mas não se acanhem! Todos temos nossos momentos de folclore brasileiro.

EDIT: LiNspector e cativeirA foi foda. Se alguém reparar em algum outro erro, favor me avisar. rs

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Off-Topic / Mídia - Histórias distorcidas - Tópico para falar sobre
« Online: Maio 30, 2012, 01:57:18 pm »
Não é a primeira vez que vejo circulando algo tendencioso no facebook. Uma história sobre policiais corruptos.

Segue abaixo o relato que li no facebook:
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Esse relato foi postado por volta das 5h da manhã, do dia 30 de maio de 2012.
Link no facebook: http://www.facebook.com/photo.php?fbid=10150854472257756&set=p.10150854472257756&type=1

O que me chamou a atenção foram as histórias distorcidas que surgiram na mídia.
Segue abaixo os links:
Nesses jornais, temos uma versão diferente do relato:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/05/briga-de-transito-deixa-quatro-feridos-apos-acidente-em-sp.html
30/05/2012 09h32 - Atualizado em 30/05/2012 12h39
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http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,policial-fica-ferida-em-briga-de-transito-seguida-de-acidente-na-chacara-klabin,879873,0.htm
Publicado no dia 30 de maio de 2012 | 4h 48
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E nesse, o relato bateu significativamente:
http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/discussao-de-transito-termina-em-acidente-na-zona-sul-de-sp-20120530.html
publicado em 30/05/2012 às 10h40

Fica aqui mais um testemunho de que não se pode confiar em tudo o que se vê, independente da fonte.
Achei curioso que, no Estadão, eles não foram atrás das testemunhas para apurar da melhor maneiro possível sobre o caso, enquanto no G1 eles publicaram "erroneamente" a notícia mesmo sendo o último a divulgá-la.

Gostaria de saber melhor, da opinião dos demais spellianos, qual seria a medida que deveria ser tomada num caso desses. Adianta só divulgar a informação? Teria alguma medida que poderia e deveria ser tomada, tanto no caso da mídia, das testemunhas e das vítimas?

Apesar do melodrama do relato, acabou sendo a fonte mais completa de informações disponíveis para o caso. Como mudar isso na mídia?

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Artes Visuais / Criações Magyar
« Online: Abril 14, 2012, 02:26:17 pm »
Ressucitando do fórum anterior, segue alguns desenhos novos:

Eu pequeno (Não lembro se cheguei a postar na outra Spell):
Infância na Praia. Lápis 2B. 2007.
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Lembro de ter postado, mas vale a repostagem:
A outra face (Nanquim) 2011.
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Não lembro de ter postado. Seria uma idéia de tatoo para uma amiga. Ficou desfocada por conta de ser foto, e escaniada:
Cerejeira 1  (Nanquim) 2011.
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Virou logo da camiseta da UEL desse ano, do pessoal do meu curso (Economia):
Tio patinhas - keep saving  (CorelDRAW) 2011.
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Esse saiu começo do ano, depois de quase 6 meses sem desenhar. Baseado numa foto de um churras:
Desenho de foto (Lápis 6B, lápis de cor, giz de cera) - 07.01.2012
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EDIT: A foto é essa, por sinal:
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Ficou menos parecida do que eu esperava - faltaram umas espinhas, o angulo está diferente e não ficou tão visível no desenho que se trata de dois óculos. A barba também não está a mesma - alguns fios soltos não aparecem, e acabou puxando mais do contorno da mandíbula do que deveria.

Por fim, fiz para uma amiga veterinária. Só depois fui descobrir que já tinha essa versão photoshopada na internet - quando revi que lembrei daonde que fui tirar a idéia.
Vaca mundi Cartoon (Lápis 6B, Giz de cera) 2012.
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Creio que os demais que tenho no PC eu já tenha postado, depois reposto.

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Contos / Rotina
« Online: Março 21, 2012, 11:10:35 pm »
Acorde!
Acorde!
Acorde!

O despertador anuncia o começo de mais um dia. Você precisa deixar os sonhos para trás, encarar a realidade. Já são 8h da manhã. Precisa acordar.

É só mais um dia. Trabalhar. Pagar as contas. Estudar para ganhar mais e voltar a pagar as contas. Pague os seus impostos. Seja alguém. Cumpra as suas obrigações. É só mais um dia, e você precisa acordar.

Não perca tempo. Não está mais no colegial para a sua mãe te dar uma bronca e te obrigar a se levantar. Agora você é livre - tem que cumprir as suas obrigações. A sua falta de saúde só aborrecerá o seu chefe. Tem que ir trabalhar.

Saia da cama. Isso. Um pé depois do outro. O banho não pode ser demorado - está tudo cronometrado e calculado. Seja forte. Coma algo antes de sair. Coloque um sorriso na sua cara de merda. Você precisa parecer feliz. Saudável. Comprimente a todos. Isso. Seja educado. Está indo bem. Logo o dia acaba.

Não, não comece uma discussão com o seu chefe! Ele tem razão, você precisa se empenhar mais! Precisa cumprir com as suas obrigações! Seja sorridente. Afaste essa olheira de cu! Dormiu o suficiente. Não resmungue.

Trabalhe.
Ligue.
Anote.

Seu babaca! Esqueceu de cozinhar de novo na noite anterior. Agora terá que gastar o dinheiro das contas para poder almoçar. Endivide-se! Coma bem e deixe de ser um imbecil. Seja saudável! Não se atrase - o seu tempo está acabando!

Trabalhe.
Organize-se.
Produza!


Finalmente o expediente acabou. Agora corre! Precisa pegar um ônibus para ir para a faculdade. Estudar para ganhar bem. Não olhou o horário de ônibus? Logo um deles deve passar aqui. Espere. Agora pode manter a cara de bunda - ninguém se importa.

Converse.
Estude.

Anote.

Preste atenção! O seu dia não foi cansativo para você bocejar na frente do professor. Você precisa manter o ritmo. Não pode parar. Não tomou café ainda por que? Cumpra as suas obrigações! Aguente firme, o dia já está acabando. É adulto agora - aja como um!

Não perca tempo conversando. Volte logo para casa. São só pessoas. Falta pouco para sexta feira. Logo você poderá descansar. Leia alguma coisa. Saia da rotina.

Engane-se.
Deite-se.
Durma
.

Quem sabe dessa vez você sonhe.

13
Contos / Maldições
« Online: Março 13, 2012, 12:36:19 am »
Chovia de tarde. Era o que recordava daquele dia em que descobri que as coisas não funcionam por mero acaso. Lágrimas pela benção recebida - uma maldição. Estava a vasculhar pelas atualizações do facebook quando vi que fora marcado em uma foto, da época do colegial. Fazia anos que não conversava com o colega, outrora amigo.

Quando o conheci, ele era baixo e rechonchudo - ainda na sétima série do ensino fundamental. Estávamos jogando vôlei. Ele acabara de fazer um ponto graças a uma bola que salvei, ao pular no chão como quem mergulha numa piscina. Ainda dava importância aos jogos na época.

- Bela pegada! - disse o baixinho.

- Belo ponto - repliquei, tirando a tapas abafados na sujeira da roupa.

- Você é novo aqui... né? - seus olhos me analisavam.

- Acabei de ser transferido.

- Meu nome é Ricardo.

- Fernando.

Cumprimentei-o. Um toque, um olhar, e lá estava um zunido agudo no meu ouvido a me tirar a atenção. Não vi quando Daniel sacara e o outro time rebatera a bola na nossa quadra. Tomei uma bolada na cabeça e caí no chão.

- Ei Fernando, tenta ficar de pé! - Ricardo riu, e junto dele os demais. Legal. Tudo o que eu precisava para o primeiro recreio num ambiente desconhecido. Sou um bobo.

Com Ana Paula foi semelhante. Morena, cabelos curtos, magricela e com olheiras. Conheci-a em uma confraternização do trabalho de minha mãe, numa infância eterna qualquer.

- Filho, porque tá tão quieto? Vai brincar com as outras crianças! Deixa eu conversar com a tia. - me deu uma piscadela, como se eu fosse uma criança extrovertida.

Fui para o parquinho, andando a pés pesados. Nunca fora de interagir. Ela estava parada na balança.

- Oi! - Disse com um sorriso banguela. Estava sem dois dentes de leite.

Fiquei quieto enquanto continuava andando.

- Garoto! Te dei oi! - Dessa vez ela se levantara e vinha em minha direção.

- Oi...

- Vamos brincar na balança? Meu nome é Ana Paula.

Senti pena ao vê-la na solidão de sua inocência. Enquanto alguns fogem, outros buscam.

Cumprimentei-a. Um toque, um olhar, e lá estava um zunido agudo no meu ouvido. Brincamos um pouco no balanço, tentando equilibrar o peso que uma vida infantil pode ter. Ainda era fácil atingir o equilíbrio. Conversamos. Rimos. Gostei dela.

Não mantive contato naquela época.

Alguns anos depois, voltamos a nos encontrar na escola - ela caíra na minha sala. Um belo dia minha mãe chegou abalada em casa, aos prantos. Ana Paula fora internada com leucemia. Chegamos a visitá-la no hospital.

Naquela tarde chuvosa também procurei pela Ana Paula na internet. Só fui encontrá-la no Orkut, numa página um tanto antiga, com mensagens fúnebres em seu mural. Um funeral online. Não sei se deveria me sentir surpreso por terem mensagens recentes lá.

A internet: facilitando o nosso conhecimento alheio; mostrando ao mundo como somos pessoas carinhosas e atenciosas ao gastarmos nossos 5 minutos diários com alguém distante. Até quando para substituírem a igreja pela internet?

Voltei para a página do facebook de Ricardo. Na foto, ele estava careca. "Espero que ele tenha virado Skin Head", pensei. Tem momentos que é difícil manter-se bem humorado. No mural, mensagens de melhoras. Promessas de comemorações quando tudo isso passasse. Fazia alguns anos desde que o conhecera.

O passado se arremete no presente. Hoje o céu estava limpo. Mais uma tarde de primavera. Fui para frente do espelho a fim de espremer alguns cravos. Um toque, um olhar, um zunido agudo... Mal tinha terminado a faculdade.

14
Contos / Xeque
« Online: Novembro 18, 2011, 11:22:42 pm »
Era a sua camisa. Com cabelos curtos, lisos e vermelhos. Olhos verdes penetrantes e um sorriso sugestivo indicaram uma porta no canto do aposento. A música tornara-se abafada, e seus movimentos estavam tão lentos quanto os meus, naquele ambiente que passava às pressas. Enquanto atrravessava o aposento em direção à porta, tive uma surpresa: lembranças de um jogo.

- Certeza que pretende jogar o seu cavalo aí?
- Claro, estou protegendo meu peão, e evitando que você avance com o seu bispo.

Entrei na porta, uma despensa um tanto apertada. Ao me virar, ela já fechava a porta. Seus olhos eram hipnotizantes, e a luz, mínima.

- Xeque!

- Merda, não tinha visto isso...
- Ninguém mandou mexer aí, agora já era o seu cavalo. Tem que aprender a prever meus movimentos, e não só basear-se nas suas defesas. Elas podem ser
fracas e ineficientes, e você só perceberá no pior momento.

O bafo da bebida cedeu a um beijo suave. Foi sublime a sensação que me consumiu. Imaginei se ela sentira o mesmo enquanto a minha mente voava nas possibilidades.

- Pelo menos só perdi o meu cavalo...
- Cuidado com o próximo movimento.

Bianca era o seu nome. Já conversara com ela antes, apesar de tratarem-se de lembranças ofuscadas por uma tequila. Perguntava-me o que ela vira em mim.

- haHÁ! Pensou que eu não tinha visto você de olho na minha Dama?
- Sim, mas você não percebeu que acabou de perder uma Torre, e que isso poderia ser evitado se movesse o bispo.


O dia começa com o amanhecer de uma pontada na cabeça. Tento lembrar-me de algo além daquela noite de flashs aleatórios. Olho ao redor e sinto algo estranho.

- Você tem que tentar fazer os dois ao mesmo tempo. Não adianta querer prever o meu movimento e se desfazer das defesas, nem vice-versa.
- Existe alguma fórmula para isso? Para não me arrepender de um movimento equivocado?
- Siga seus instintos, e use a cabeça para pensar antes de agir! hahaha


Ligo para Júlia, mas ela não me atende. Eu sei que era só um tempo, mas nada dissemos sobre ficar com outras pessoas. A única peça que deixara para trás era aquela camisa.

Ao entardecer, em mais uma tentativa praticamente frustrada...

- Júlia?
- O que você quer?
- ...desculpa.
- Siga seus instintos, e use a cabeça para pensar antes de agir...

Agora era eu quem tomava o xeque-mate.

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Contos / Mundo da Razão (repostagem)
« Online: Novembro 09, 2011, 05:42:55 pm »
Repostando o Conto, da outra Spell. Relativo ao tema "Educação"
Quem tiver interesse no tema: http://spellrpg.net/home/off-topic/topico-sobre-educacao/

Jéssica é professora da primeira série. Com o seu tamanho que impõe respeito em qualquer criatura com menos de um metro de altura, ela explica para as crianças como o mundo está ligado à matemática.

- Então, se você tem um ratinho e ganha outro ratinho, você terá DOIS ratinhos! Um mais um é igual a dois! Entenderam?

É então que Ana levanta a mão, como bem aprendeu nos primeiros dias de aula com Jéssica.

- Pôfessôôôaa! Meu imão dinha um radinho e ganhou oudo radinho, mas agoa ele dem um mundão assim de radinhos! - falou mexendo todos os dedos da mão.

Jéssica tentou acalmar a sala, que agora comentava de cachorrinhos, gatinhos e peixinhos. Enquanto isso ela pensava na resposta que poderia moldar melhor a lógica do pensamento.

- Silêncio... silêncio...! Então, Ana, mas o que aconteceu foi que eram ratinhos de diferentes sexos, e eles provavelmente se acasalaram e tiveram filhotinhos... se multiplicaram! Mas fiquem tranquilos, a multiplicação e a tabuada vocês só aprendem no ano que vem. Um outro exemplo de soma que vocês podem usar: você tem uma bala. Alguém te dá outra bala, quantas balas você tem agora? - fala ela olhando para a sala com olhos bem abertos e um sorriso que apontava para a mão fazendo o número dois.

- UMA! - Grita Guilherme. Todos olham para ele enquanto a professora o questiona.
- Uai fessora.. Não dá pra dar uma bala pra quem já tem bala! Se eu ti dou uma bala, é purque você já comeu a sua!
- Boa observação, Guilherme. Porém, você fez uma subtração, e só a veremos na próxima aula.

Assim, lá se vai mais uma geração em que 60% dos alunos não SUPORTAM matemática. Basicamente porque não faz lógica em seu mundo. Ana e Guilherme se deram bem com matemática, pois correram atrás de suas dúvidas. Outros oito não tiveram problemas. Mas o que fazer com os outros quinze que morriam de medo do que surgiria na próxima aula?

E isso cresce, te incomoda. Você precisa tirar uma dúvida, mas mal consegue formulá-la e pronunciá-la, pois tem medo que seja boba demais. Levantar a mão então para que todos te olhem? Nem ferrando!

Podem falar que isso é bobeira, só coisa de criança, mas a matemática nos persegue pelo resto da vida. Um trauma tão grande e profundo quanto uma filha que foi abusada pelo pai. Pessoas na faculdade continuam com suas teimosias - afinal de contas, nada como o silêncio para deixar a dúvida menos burra... pena que a variável aprendizado seja inversa à sua pessoa, nesse caso.

Pessoas vivem derivando para integrar-se. Intrigam-se quando a fórmula não funciona. "Quero ser legal que nem fulano... qual será a fórmula certa?". Então lá está você, recriando o seu guarda-roupa e soltando gírias de uma personagem de TV. Algumas pessoas - que normalmente tentam aplicar a mesma fórmula - quando veem, te acham superlegal. Querem descobrir que fórmula você usou para ser assim, e começam a aplicá-la desenfreadamente em busca de resultado. O milagre da sociedade.

Mas, nem sempre, as coisas dão o resultado esperado. Aquele vestido que a Angelina Jolie usou no filme nunca ficará tão sexy em você como ficou nela. Você não será um grande escritor por divulgar textos de Fernando Veríssimo como se fossem seus - ou tentar copiá-los com outras palavras. Fórmulas mais Fórmulas mais Fórmulas. E no final tudo dá errado. Um pesadelo de uma prova de álgebra no colegial.

Você pode ter lido até aqui e continuar pensado: tá bom, realmente, existe muitas pessoas superficiais nesse mundo. Inclusive esse texto. Mas quem disse que a matemática só vai até a integral?

As fórmulas vão muito além. Você às utiliza para determinar o comportamento das pessoas - como se as pessoas não passassem de um gado que precisa de uma chicotada vez ou outra para seguir a direção desejada e permanecer unido.

Você se diz um ser profundo, mas ainda utiliza as fórmulas de amor que encontra em filmes e livros. "Nossa, realmente o amor pode ser profundo... nunca leu Shakespeare?". Porra, os PERSONAGENS se matam! SE MATAM! E pior: por algo que você mal consegue definir! Ah L'amor... Se isso é amor de verdade, prefiro nunca amar.

Você se diz inteligente porque tirou nota alta em um teste de inteligência. Ainda assim, você liga para a sua mãe depois de ser assaltado ou tirar uma nota baixa. Ou quando acontece qualquer outro imprevisto. "Tadinha dela! Sempre tirou nota alta, e agora está sofrendo por causa do péssimo professor que tem... Foi até parar no hospital!". Nessas horas eu penso: ainda bem que sou burro. Ao menos não me martirizo pela minha burrice.

Você se diz superior por "descobrir a fórmula do sucesso", enquanto os demais seres inferiores simplesmente não tem a visão de mundo que você tem. Não copiam a sua fórmula - bando de bastardos ignóbeis sem futuro! Mas você se recusa a admitir que a sua fórmula apenas alimenta ainda mais uma sociedade em decadência. O seu limite tendendo ao infinito, e o da sociedade tendendo a zero. O mundo perfeito.

É fácil se dizer bonzinho e ajudar os outros "em nome do bem maior" - como se você se importasse tanto assim com os outros. Vamos fazer o bolo crescer, e assim dividí-lo igualmente entre todos! Aí está a nossa política, em que metade do bolo sumiu, e a outra metade é distribuída de forma desigual. Alunos que odeiam a matemática, transformando-a em algo surrealista - como uma mágica que ilude as crianças em uma festa. Estar funcionando é o que mais assusta.

Assim seguimos as nossas vidas. Buscando por fórmulas mesmo sem entender a lógica por trás delas. Maldito mundo da razão. Essa reflexão poderia se alongar por muito mais - do mesmo. Porém, prefiro terminá-la com uma questão: como criar uma regressão para ser bem sucedido, com tantas variáveis viesadas? (Em outras palavras: como ser feliz em uma sociedade que define o que deve ser a sua felicidade?)

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