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« Online: Fevereiro 06, 2015, 07:15:24 pm »
Então, post longo.
TL;DR: não tem, passa amanhã. Mas leiam Play Dirty do John Wick (merchan não patrocinado; e sim, o Wick tem várias posturas questionáveis, mas é um livrinho legal de se ler).
ON
Eu parei de criar desafios sob medida pros grupos que mestro. Mesmo eles sendo desequilibrados. Fazia isso na 3.X e perdia horas construindo fichas de PNJs focados exclusivamente em determinado jogador (geralmente o conjurador da vez) e que seriam (quase) inúteis após uma sessão (quase porque, hey, viva o re-skin). Fazia isso ainda na 4e, mas aí o enfoque era o grupo que a partir de determinado nível/opções, escalonava de poder absurdamente (olá frostcheese, olá meio-orc Slayer com um Gouge, olá meio-elfo com Versatile Master, olá War Master's Assault).
Depois disso, lendo outros sistemas, aprendendo coisas aqui e ali, decidi parar com isso de pensar em desafios sob medidas pro grupo. O negócio agora é (não, Frota, não) a diversão e a história simplesmente. Se algo é legal pra narrativa e é divertido pra gente, ela acontece e bem, lide-se com isso. A investigação sobre o desaparecimento misteriosos na cidade levou a descoberta de um enclave de dominadores de mente que habitam seu subterrâneo e vocês são personagens de nível 3? Hm, e aí, o que vocês fazem?
No fim, o que mudou realmente não foi o desafio em si, mas a maneira de abordá-lo e, principalmente, a maneira de resolvê-lo. Daí, as possibilidades são múltiplas e (quase) todas válidas. A ideia de superação de um conflito não é equivalente a vencê-lo num combate (ou qualquer conflito escalonável em termos de rodadas e economia de ações), mas como o grupo achar melhor -- e arcar com as consequências disso. Hm, então vocês vão deixar os dominadores de mente pra lá e fugir da cidade? Beleza. Após algum tempo, vocês ouvem um rumor de pessoas têm desaparecido em toda aquela região, e as petições são tantas que o duque já não vê alternativa a não ser mobilizar forças para resolvê-las (e isso inclui a contratação de mercenários). Ou, vocês vão enfrentar os dominadores de mente para evitar que eles estendam seu controle sobre mais vidas inocentes? Beleza, só tenham em mente que enfrentá-los aberta e diretamente é bem difícil. E por aí vai.
(A sacada aqui também é que, na minha visão, conflitos [combativos ou não] devem ser, em sua maioria injustos, com os jogadores [pelo menos até eles próprios começarem a construir suas redes de relações]. Se um conflito ocorre ou vai ocorrer, os pontos de força nele envolvidos mobilizam as linhas de recursos necessários para serem bem-sucedidos. Se isso envolve um lich, por exemplo, ele faria uso de seu conhecimento arcano e inteligência/sabedoria secular. Se um ogro, ele faria uso de sua força e poder aterrorizador. Se for um arquiduque, ele teria a sua disposição, ao menos, uma milícia/capangas e uma rede política de quem poderia cobrar favores. Basicamente, é entender que o universo do jogo é vivo e feito de relações e consequências).
Talvez por isso tenha sido simpático ultimamente a sistemas mais abertos na resolução de conflitos, como os Powererd by the Apocalypse e FATE. (Também conta minha falta de tempo).
OFF
Estou na turma dos que preferem jogos equilibrados. Ou melhor, acredito que "equilíbrio" não seja exatamente a palavra correta, pois ela carrega um sentido de forças opostas se anulando num determinado ponto e não é assim que vejo um jogo/sistema de RPG. Eu gosto de jogos "justos" (na falta de um termo melhor), isto é, que ofereça igualmente aos jogadores, independente dos elementos que tenham escolhido, a capacidade de resolução dos conflitos sugeridos pelo sistema. Um dos pontos que gostei na 4e foi esse: não importa a classe com a qual irei jogar, ela irá de uma maneira ou de outra, cumprir o que ela se propôs a fazer. Causar dano? Bárbaro, Ladino ou Feiticeiro; gerir recursos? Clérigo, Warlord (recuso a tradução do Telles), Bardo; controle de campo? Mago, Druida. Elas têm seu nicho (ou papel), mas muito mais importante do que isso, elas podem cumpri-lo sem problemas e independente da ideologia/visão dos designers/mestre/autores sobre magia, universo da história, etc.
Por que no fundo, DnD é isso: um punhado de tropos culturais filtrados pela visão dos autores do jogo. Conjuradores complexos e superiores ao mundano (que é relegado ao simples), empoderamento do Mestre, simulacionismo mambembe. Esse é o "espírito DnD". Não tem muito o que consertar aí. É mais estar disposto a se divertir com esse "espírito".
(Obviamente, a medida que um RPG cria seu nicho, ou enfoque, ele cria também seu "Zeit". Veja, ter um "espírito" pra chamar de seu não é o problema. O problema, na minha visão, é querer encaixar todas as experiências num único jogo -- ou melhor, num jogo já existente e que não foi concebido para isso)
ON/OFF
"Ah, o clérigo tentou invadir a sala dando chutes na porta. Por falhar num teste de força, ele não conseguiu. Isso demonstra como a classe é equilibrada com o guerreiro" (que implicitamente é mais "forte" que o clérigo e provavelmente teria sucesso).
Não creio que isso, ou melhor dizendo, somente a experiencia de jogo, faça dele um sistema"justo"/equilibrado ou não. É importante ter mente a diferença entre conhecimento de usuário e proposta de sistema. Ambos são compatíveis, coexistem e podem ser perfeitamente divertidos. Mas isso não quer dizer que são a mesma coisa. A subutilização de opções (ou falta da real noção de opções) não implica na solução dos problemas inerentes do sistema. Talvez o mascare, mas não resolve -- de novo, pode ser divertido e pro seu grupo funcionar tranquilamente. Mas é somente a sua experiência.
Sabe porque eu falo disso? Porque quando abrir uma mesa de DnD 5e pro meu grupo, por exemplo, eu sei que 90% deles serão conjuradores. Assim como se fossemos jogar 3.X. Ou Pathfinder. Ou outro sistema que apresente opções mecanicamente superiores a outras sem justificativa/contrapartida nenhuma além do "lulz, magia > tudo".
(E por favor, não me venham com a falácia do Roleplayer vs. Rollplayer [ou antigamente conhecida como falácia Stormwind], que basicamente refuta a ideia de que otimização e interpretação são mutuamente excludentes).