Estou no trampo agora, e como as coisas aqui são de certa forma corridas, optarei por uma primeira e sucinta opinião quanto ao apresentado nas últimas postagens. Optei por não quotar de forma padrão o que achei de mais relevante por conta da correria, mas minimamente referenciarei em negrito.
"Quem deu o direito a um terceiro de falar o que cada pessoa deve, ou não, de deixar de fazer. Que moral corrupta é essa que dita que uma pessoa deve se tratar se ela não está causando danos a terceiros e ela não deseja melhorar?"
O desejo de cura dentro do campo das psicopatologias, Skar, não é algo facilmente alcançável. O que estamos chamando de liberdade individual não pode ser posto para esse sujeito de forma direta, como se nosso conjunto das mais básicas condutas fosse o mesmo deste. Nesses casos, a "interferência de terceiros" deve ocorrer, seja através do Estado (CAP's, SUS, Instituições de apoio), seja da sociedade civil.
É absurdo condenar gays numa instituição, mas não seria absurdo internar pessoas depressivas e esquizofrênicos e forçar um tratamento independentes do desejo das mesmas?
Não entendi bem sua comparação, por considerar as condições apresentadas como bastante diferentes em natureza e construção, mas posso dizer que quanto a segunda sentença, é uma questão relativa. Pegando sua fala ao pé da letra, depressão e esquizofrenia situam-se em diferentes ordens, mas como sei que exemplificou de forma genérica para contrapor à outra situação, minha opinião é a de que é preciso observar cada caso. Como mencionei acima, há transtornos onde as noções de realidade e de código de conduta social são difusas, "desconfiguradas" (ou melhor, possuem sua própria configuração), se fazendo necessária uma intervenção que nem sempre vai estar em consonância com um sentimento de necessidade de ajuda explícita por parte desse sujeito. Agora, as formas de intervenção sim, podem e devem ser amplamente discutidas.
"Ele deveria ser amparado pelo Estado para não chegar a condição de miséria de um mendigo. A opção dele é buscar ajuda e é um dever dos sistema de saúde ajudar essa pessoa. Agora eles não podem ditar como ela deve viver."
Sua fala se referia ao exemplo das pessoas em situação de rua e a questão da liberdade das mesmas ser respeitada, mesmo que esta se traduzisse numa postura de não sair desta condição. Bem, faço parte de uma proposta de abordagem clínica chamada "Consultório de Rua", onde atendo exatamente pessoas nesta situação. Grande, mas grande parte desses moradores são usuários de psicoativos, e parte destes, toxicômanos. Concordo em parte quando você menciona a necessidade dessas pessoas serem amparadas pelo Estado para não chegar à condição de miséria que possuem hoje, mas a "opção de buscar ajuda" nem sempre se apresenta de forma clara para as mesmas. Às vezes, nem mesmo há opção, frente às inúmeras barreiras existentes (barreiras essas subjetivas, estruturais, legais e etc). MUITA gente deseja sair da condição em que se encontra.
Mas o Estado não pode forçar você a receber um tratamento. Um bom exemplo disso é o caso das internações compulsórias que estão ocorrendo com usuários de crack. Muita gente da OAB tem se levantado contrário a essa medida, por ser um desrespeito ao direito individual.
Por ser um desrespeito a um direito individual, mas sobretudo por ser um desrespeito a qualquer tipo de proposta de intervenção psicossocial humanizada, pois é justamente o caráter higienista dessa política, que não parte de laudos e relatórios que indiquem real necessidade de uma internação (sim, há casos onde de fato a internação compulsória é a última e/ou única alternativa - casos esses onde há um ápice da crise com ameaça à si e a outros), e que classifica qualquer usuário de psicoativos que estejam em situação de rua como um potencial "internável".
Em suma, uma de minhas maiores preocupações acerca dessas temáticas e de nossa busca pelas liberdades individuais, é a de cairmos no equívoco de reduzir os problemas sociais a unicamente problemas do ser.