Ocorreu algo curioso comigo hoje.
Minha mulher havia comprado, há uns 20 dias, um cupom que nos daria direito a um almoço na APOE (Associação de Proteção e Orientação aos Excepcionais) aqui em minha cidade. Eu achei o cupom caro, R$ 25,00, mas havia a questão de ser uma questão filantrópica, então fiquei indiferente quanto a isso.
Hoje foi o dia. Hosana se arrumou e arrumou Nícolas. Eu, como costumo ser muito simplório em minhas vestimentas, estava apenas de chinelo, calça de moletom e uma camisa simples. Fomos a APOE pegar nosso quinhão da refeição. Havia a possibilidade de almoçar por lá, mas achamos melhor pegar a comida e convidar uns amigos lá pra casa.
Chegando lá já achei o ar do ambiente meio diferente do que se espera para um "almoço de caridade". Pessoas chegando extremamente arrumadas. Uma fila de carros para entrada no local. O silêncio morno de conversas contidas, tipo, sem aquela felicidade que deveria haver num ambiente onde você tem como justificativa estar lá para o bem de outros.
Mesmo assim segui para o local. Conforme eu subia a rampa de acesso, mais eu sentia o "peso social" ao qual eu e minha família estávamos sendo expostos. Avistei a entrada do local e dei uma checada lá dentro. Dezenas de mesas com tampas de vidro, forradas com bordados, e talheres impecáveis, e pratos de fina porcelana. Pessoas sentadas conversavam enfadonhamente sobre a política da região e o elefante branco afogado que é o Porto do Açu. No meio da sala, uma pequena família estava sentada em silêncio. Eram simples, mas estavam mais arrumados que eu. Ainda sim estavam tensos, como se deslocados naquele ambiente de soberba.
Me dirigi a pessoa que recebe o cupom. Senti nela um simpatia forçada enquanto eu pedia instruções sobre como se daria o almoço... não foi uma surpresa quando ela me disse que seria um cupom para cada pessoa. Tipo, vc pagava R$25,00 e tinha direito a um prato de comida... ponto. Me contive... falei com ela que gostaria apenas de pegar a comida e levar. A resposta foi... "você deverá aguardar todos serem servidos". Fiz que sim e me afastei, com meu peito ardendo de raiva como se fosse o mármore do inferno, mas novamente me contive.
Esperei dois minutos enquanto conversava com minha mulher. Ela me disse que teve o mesmo sentimento naquele ambiente. Decidimos, por fim, virar as costas e ir embora. Que os 25,00 fizessem jus a seu fim. Na saída, eu vi um senhor, tão simplório quanto eu, chegando com três potes marmitex. Fiquei imaginando se ele ia experimentar a mesma sensação que eu.
Depois disso fiquei pensando...
Será que eu comprei um cupom de caridade ou um ingresso para um evento social?
Como poderia haver tanta soberba num mesmo ambiente? Eles não perceberam que poderiam economizar fazendo algo mais simples e conseguir ainda mais recursos com os benditos 25,00?
É possível fazer filantropia com soberba? Digo, parece ser, já que foi feito, mas não é contraditório?
Fiquei lembrando, numa reunião do Rotary Club de minha cidade, a história que me contaram de um "rotariano" querendo debater a fome nos países africanos e como eles poderiam ajudar a melhorar esse cenário. A contradição estava *apenas* na farta mesa de jantar posta para os mais de cinquenta convidados, contendo iguarias "sem igual".
Estarei eu sendo soberbo por achar estúpida essa soberba dos outros?
Por fim, cheguei em casa, pus a mão na massa e fiz uma muqueca de frango para todos e tivemos uma tarde extremamente agradável. Só agora, no silêncio aqui da sala, que voltei a ficar com raiva desse episódio (e curioso para saber como aquela família estava se sentindo no meio de um turbilhão de "socialites campistas").
Grato por lerem esse desabafo. Eu estava precisando.