Não sendo o Elfo nem o Emil, peço licença para manifestar-me. Caso o motivo da discussão seja algum ponto específico já levantado anteriormente, por favor, avisem-me.
O caso é que o assunto me chamou a atenção. Tanto pela proximidade, afinal o Instituto de Economia (IE) da Unicamp fica "do outro lado da rua" pra dizermos assim, quanto pelo pressuposto teórico de limite da atual condução do Estado de bem-estar social pelos governos liberais do Ocidente.
O IE se destaca entre os núcleos acadêmicos de Economia nacionais pela tradição marxista (ou ao menos da importância histórica nas relações econômicas), sendo inclusive um dos poucos cursos no país a oferecer uma pós-Graduação em História Econômica. Então, não é de se espantar que, como coletivo, os professores de tal instituto assim se manifestem.
O ponto levantados pelos signatários* acerca de uma falência do Estado de bem-estar social. no entanto, é polêmico. É óbvio que os argumentos utilizados - embora em certo ponto tenham tom de pastiche, apesar do drama envolvido - apontam problema sérios que a atual crise financeira escancara nos países "desenvolvidos" e conduzem o leitor a comungar dessa crença.
No entanto, parece-me que ânsia pela crítica ao (neo)liberalismo é tamanha que os propositores do manifesto se deixaram enublar por um ideal de Estado que cega a própria análise das evidências.
Ora, o Estado de bem-estar social, tal qual os teóricos ocidentais o concebem, não se restringe à porção continental da Europa, Inglaterra e Estados Unidos. Onde estão os países escandinavos? E os do Leste Europeu? Embora não duvide que problemas de um colapso econômico afetem também estas regiões, ao menos no Mar do Norte, não me parece haver indícios dessa falência**
Outro ponto é essa "ética da solidariedade" que teria se originado com a consciência do indivíduo como cidadão ativo e independente das vontades mercadológicas. A redução da jornada de trabalho e o sufrágio feminino não me parecem apenas provenientes dessa "tomada de consciência" cidadã. É importante notar que tais avanços tinham interesses de mercado por trás, pois não raro eram as empresas modernizantes favoráveis a estas propostas - como a indústria automobilística, em contraposição ao sistema mais "arcaico", visto nas indústrias têxteis. É irônico notar que a irrupção dessa ética e consciência cidadã seja consonante com o reverberar da Revolução Russa de 1917.
O fato é que talvez a opção não seja "colocar em movimento as engrenagens da civilização" - metáfora mecanicista típica do imaginário revolucionário - a fim de garantir a(s) liberdade(s). O Estado democrático de direito, idealizado por Bismarck na Prússia oitocentista, nada tinha ver com a liberdade. Aliás, minto, existe sim a preocupação com a liberdade - mas de uma elite, majoritariamente provinda da aristocracia. A tradução do
Sozialstaat alemão para o
Wellfare State inglês fez discernir o esquema de funcionamento da
Realpolitik burguesa: o Estado burguês só funciona e se sustenta a partir do momento em que há exportação de pobres. Assim se deu a colonização africana, americana e asiática. E esse é o grande problema atual: não há lugar para exportar os pobres europeus, embora a
pressão continue.
Enfim, com o ônus de me alongar um pouco mais, é preciso ainda salientar o veículo de divulgação do manifesto. A Carta Capital tem claro interesse no conteúdo exposto dada as posições ideológicas de seus editores. Obviamente que a revista não produz a pauta, o manifesto existe por si. O que me deixar curioso é a importância ideológica que isso carrega, numa hipótese rasa sobre os eventuais leitores do periódico. Uma rápida pesquisa por "manifesto"+"Unicamp' em sites jornalísticos como
Folha e
Estadão mostra como a notícia não teve relevância para estes meios.
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* Tenho minhas dúvidas quanto a concordância destes signatários, principalmente quando muitos deles, Luiz Gonzaga Belluzo inclusive, favorecem a prática neoliberal em seus negócios particulares, como o controle da FACAMP - Faculdade de Campinas, faculdade privada e da qual ele é um dos fundadores.
** Embora em fase de abonança - relativa - o Brasil não pode ser incluído no hall de "contestadores" da falência do Estado de bem-social ou democrático de direito. Nosso país é mais uma anomalia no esquema econômico mundial do que um exemplo de sucesso desses modelos.