Autor Tópico: Economistas da Unicamp lançam manifesto em prol do Welfare State  (Lida 2117 vezes)

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Offline Agnelo

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Economistas da Unicamp lançam manifesto em prol do Welfare State
« Online: Outubro 25, 2012, 04:48:06 pm »
Citação de: Carta Capital
Economistas da Unicamp lançam manifesto em prol do Welfare State

Um grupo de economistas formados pela Unicamp lançou nesta terça-feira 23 um manifesto em prol do Estado de Bem Estar Social (Welfare State) e contra a desregulamentação da economia mundial. Chamado de “Manifesto em defesa da civilização”, o texto critica os modelos de arrocho adotados na crise econômica mundial e se insere na tradição da cátedra da universidade, sempre mais voltada para a economia heterodoxa.

O manifesto assinala as benesses que o sistema capitalista trouxe à humanidade, mas ressalta que a desregulamentação tem trazido escassez para os mais pobres. “É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc.”

“Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho.  É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor”, diz o manifesto.

Subscrevem a mensagem, entre outros, Luiz Gonzaga Belluzzo, Gabriel Priolli e Demerval Saviani, entre outros.

Leia o manifesto inteiro:

Manifesto em defesa da civilização

Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33 anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O objetivoalegado é preservar a saúde das pessoas. Em Atenas, na movimentada PraçaSyntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos, ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede de um órgão público de Bologna.

Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A Inglaterra de Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus, teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado. Grande parte deles são jovens altamente qualificados. A massa crescente de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA. Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor remuneração da indústria de transformação foi destruída pela concorrência chinesa. Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida, a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior, pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados.

Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inexorável progresso tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos, reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica desse mercado de trabalho polarizado. Diante desse quadro, uma pergunta torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão? A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as possibilidades de conforto material para a grande maioria da população deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão, escassez de bem estar! Um bem estar que marcou os conhecidos “anos dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados, milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e tantos outros eram criados.

O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e prósperas classes médias esqueceramque seus pais e avós lutaram e morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar Social!

Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho.

É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande parte da população espanhola está indignada.
Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda, universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do século passado nas nações desenvolvidas.

Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos? Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura?As respostas para tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa. Os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover reflexões sobre os rumos da humanidade.

A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material. Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a uma alcateia de lobos ferozes. Ao longo dos últimos de 200 anos de história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à sua volta encontram-se na mesma situação.

Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. A liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.

Os signatários:

DAVI DONIZETI DA SILVA CARVALHO
EDUARDO FAGNANI
CAMILA LINHARES TEIXEIRA
CLAUDIO LEOPOLDO SALM
MILTON LAHUERTA
EDSON CORREA NUNES
MIRIAM DOMINGUES
WILMA PERES COSTA
NEIRI BRUNO CHIACHIO
NATÁLIA MINHOTO GENOVEZ
PEDRO GILBERTO ALVES DE LIMA
SAMIRA KAUCHAKJE
FABIO DOMINGUES WALTENBERG
ALICIA UGÁ
JULIANO SANDER MUSSE
AMÉLIA COHN
LIGIA BAHIA
MAGDA BARROS BIAVASCHI
FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRA
ANTONIO CARLOS ROCHA
RODRIGO PEREYRA DE SOUSA COELHO
GABRIEL QUELHAS DE ALMEIDA
MARIENE GONÇALVES TUNG
AMILTON MORETTO
ANA AURELIANO SALM
MARCIO SOTELO FELIPPE
FREDERICO MAZZUCCHELLI
CELIO HIRATUKA
EDUARDO BARROS MARIUTTI
ANGELA MOULIN SIMÓES PENALVA SANTOS
ANGELA MARIA CARVALHO BORGES
JOÃO MIRANDA SILVA FAGNANI
RODOLFO AURELIANO SALM
EVA LUCIA SALM
ÉDER LUIZ MARTINS
FERNANDA MAZZONI DE OLIVEIRA
MICHELLE MAUREN DOVIGO CARVALHO
FELIPE LARA CIOFFI
ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO
RONEY MENDES VIEIRA
NAIRO JOSÉ BORGES LOPES
MARIA FERNANDA CARDOSO DE MELO
WILSON CANO
NEREIDE SAVIANI -
FREDERICO LOPES NETO
MARIA DE FÁTIMA BARBOSA ABDALLA
BRANCA JUREMA PONCE
LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO
ALAN GUSMÃO SILVA
JOSE ANTONIO MORONI
VANESSA CRISTINA DOS SANTOS
JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI
EDSON DONIZETTI XAVIÉR DE MIRANDA
MARIA EDUARDA PAULA BRITO DE PINA
MARIA DE FATIMA FELIX ROSAR
CÁSSIA HACK
DERMEVAL SAVIANI
ROBSON SANTOS DIAS
RODRIGO TAVORA GADELHA
JORGE LUIZ ALVES NATAL
LUCIANO VIANNA MUNIZ
ALUIZIO FRANCO MOREIRA
MARISE VIANNA MUNIZ
JURACI COLPANI
ALESSANDRO CESAR ORTUSO
GENILDO SIQUEIRA
CARLOS EDUARDO DE FARIAS
CARLOS ALONSO BARBOSA DE OLIVEIRA
JOSE DAMIRO DE MORAES
FERNANDO MOREIRA MORATO
CELSO JOÃO FERRETTI
SILVIA ESCOREL DE MORAES
DANIEL ARIAS VAZQUEZ
EVERTON DAB DA SILVA
JOÃO GABRIEL BARRETO SILVA ROCHA
CELSO EUGÊNIO BRETA FONTES
SARAH ESCOREL
VINICIUS GASPAR GARCIA
DENIS MARACCI GIMENEZ
DENISE DO CARMO SILVA PEREIRA
JEFFERSON CARRIELLO DO CARMO -
VAGNER SILVA DE OLIVEIRA
GABRIEL PRIOLLI
JÉSSICA MARCON DALCOL
MARINA VENÂNCIO GRANDOLPHO
PEDRO HENRIQUE DE MELLO LULA MOTA
DANIEL SANTIAGO MOREIRA
VANESSA MORAES LUGLI
SANDRA MARIA DA SILVA LIMA
CARLOS RAFAEL LONGO DE SOUZA
MARIA SILVIA POSSAS
LUCIANA RAMIREZ DA CRUZ
CAROLINA PIGNATARI MENEGHEL
PEDRO DOS SANTOS PORTUGAL JÚNIOR
JOSÉ AUGUSTO GASPAR RUAS
WELLINGTON CASTRO DOS SANTOS
ALESSANDRO FERES DURANTE
DANIEL HERRERA PINTO
PEDRO HENRIQUE VERGES
DAVI JOSÉ NARDY ANTUNES
CARLA CRISTIANE LOPES CORTE
CARLOS ALBERTO DRUMMOND MOREIRA
DANIEL DE MATTOS HÖFLING
MARCELO WEISHUPT. PRONI
ENIO PASSIANI
JOSÉ DARI KREIN
ANSELMO LUIS DOS SANTOS
FABIO EDUARDO IADEROZZA
HIGOR FABRÍCIO DE OLIVEIRA
DANER HORNICH
HELDER DE MELO MORAES
JOSE EDUARDO DE SALLES ROSELINO JUNIOR
JULIANA PINTO DE MOURA CAJUEIRO
FERNANDO CATALANI
FERNANDA PIM NASCIMENTO SERRALHA
LEANDRO PEREIRA MORAIS
MARCELO PRADO FERRARI MANZANO
OLIVIA MARIA BULLIO MATTOS
RENATO BROLEZZI
LUCAS JANNONI SOARES
MÁRCIO SAMPAIO DE CASTRO
MARIA PINON PEREIRA DIAS
LUIZ MORAES DE NIEMEYER NETO
RODRIGO COELHO SABBATINI
LÍCIO DA COSTA RAIMUNDO
FERES LOURENÇO KHOURY

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Pro elfo e pro emil.
« Última modificação: Outubro 25, 2012, 04:54:30 pm por Agnelo »
Eu amo você. Tenho orgulho de você. Você trouxe à sua mãe e a mim mais alegria do que eu achei que houvesse. Seja bom pra ela e cuide bem dela.

Seja um dos mocinhos. Você tem que ser como John Wayne: Não aguente merda de nenhum idiota e julgue as pessoas pelo que elas são, não pela aparência.

E faça a coisa certa. Você tem que ser um dos mocinhos: Porque já existem Bandidos demais.

Re:Economistas da Unicamp lançam manifesto em prol do Welfare State
« Resposta #1 Online: Outubro 26, 2012, 12:49:36 am »
Não sendo o Elfo nem o Emil, peço licença para manifestar-me. Caso o motivo da discussão seja algum ponto específico já levantado anteriormente, por favor, avisem-me.

O caso é que o assunto me chamou a atenção. Tanto pela proximidade, afinal o Instituto de Economia (IE) da Unicamp fica "do outro lado da rua" pra dizermos assim, quanto pelo pressuposto teórico de limite da atual condução do Estado de bem-estar social pelos governos liberais do Ocidente.

O IE se destaca entre os núcleos acadêmicos de Economia nacionais pela tradição marxista (ou ao menos da importância histórica nas relações econômicas), sendo inclusive um dos poucos cursos no país a oferecer uma pós-Graduação em História Econômica. Então, não é de se espantar que, como coletivo, os professores de tal instituto assim se manifestem.

O ponto levantados pelos signatários* acerca de uma falência do Estado de bem-estar social. no entanto, é polêmico. É óbvio que os argumentos utilizados - embora em certo ponto  tenham tom de pastiche, apesar do drama envolvido -  apontam problema sérios que a atual crise financeira escancara nos países "desenvolvidos" e conduzem o leitor a comungar dessa crença.

No entanto, parece-me que ânsia pela crítica ao (neo)liberalismo é tamanha que os propositores do manifesto se deixaram enublar por um ideal de Estado que cega a própria análise das evidências.

Ora, o Estado de bem-estar social, tal qual os teóricos ocidentais o concebem, não se restringe à porção continental da Europa, Inglaterra e Estados Unidos. Onde estão os países escandinavos? E os do Leste Europeu? Embora não duvide que problemas de um colapso econômico afetem também estas regiões, ao menos no Mar do Norte, não me parece haver indícios dessa falência**

Outro ponto é essa "ética da solidariedade" que teria se originado com a consciência do indivíduo como cidadão ativo e independente das vontades mercadológicas. A redução da jornada de trabalho e o sufrágio feminino não me parecem apenas provenientes dessa "tomada de consciência" cidadã. É importante notar que tais avanços tinham interesses de mercado por trás, pois não raro eram as empresas modernizantes favoráveis a estas propostas - como a indústria automobilística, em contraposição ao sistema mais "arcaico", visto nas indústrias têxteis. É irônico notar que a irrupção dessa ética e consciência cidadã seja consonante com o reverberar da Revolução Russa de 1917.

O fato é que talvez a opção não seja "colocar em movimento as engrenagens da civilização" - metáfora mecanicista típica do imaginário revolucionário - a fim de garantir a(s) liberdade(s). O Estado democrático de direito, idealizado por Bismarck na Prússia oitocentista, nada tinha ver com a liberdade. Aliás, minto, existe sim a preocupação com a liberdade - mas de uma elite, majoritariamente provinda da aristocracia. A tradução do Sozialstaat alemão para o Wellfare State inglês fez discernir o esquema de funcionamento da Realpolitik burguesa: o Estado burguês só funciona e se sustenta a partir do momento em que há exportação de pobres. Assim se deu a colonização africana, americana e asiática. E esse é o grande problema atual: não há lugar para exportar os pobres europeus, embora a pressão continue.

Enfim, com o ônus de me alongar um pouco mais, é preciso ainda salientar o veículo de divulgação do manifesto. A Carta Capital tem claro interesse no conteúdo exposto dada as posições ideológicas de seus editores. Obviamente que a revista não produz a pauta, o manifesto existe por si. O que me deixar curioso é a importância ideológica que isso carrega, numa hipótese rasa sobre os eventuais leitores do periódico. Uma rápida pesquisa por "manifesto"+"Unicamp' em sites jornalísticos como Folha e Estadão mostra como a notícia não teve relevância para estes meios.

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* Tenho minhas dúvidas quanto a concordância destes signatários, principalmente quando muitos deles, Luiz Gonzaga Belluzo inclusive, favorecem a prática neoliberal em seus negócios particulares, como o controle da FACAMP - Faculdade de Campinas, faculdade privada e da qual ele é um dos fundadores.


** Embora em fase de abonança - relativa - o Brasil não pode ser incluído no hall de "contestadores" da falência do Estado de bem-social ou democrático de direito. Nosso país é mais uma anomalia no esquema econômico mundial do que um exemplo de sucesso desses modelos.

Offline Bodine

  • Loffon/Ace/Beefheart
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Re:Economistas da Unicamp lançam manifesto em prol do Welfare State
« Resposta #2 Online: Outubro 26, 2012, 11:16:20 am »
Não sou formado em Economia nem tenho pós-graduação em História Econômica, mas a carta me parece uma... besteira. Só o recurso a um termo tão antigo (talvez obsoleto?) como Welfare State já indica a falta de imaginação e de contexto dos tais revolucionários.

Depois, como o Bispo apontou, parece um discurso meio esquizo. Estamos em um país bastante "periférico" em relação ao eixo-Norte, em situação consideravelmente distinta dos países europeus, de modo que o apelo parece mais um manifesto estético do que político-econômico. Basta ver a "repercussão" que teve fora dos círculos vermelhinhos.

Por fim, é mais que evidente a adoção de um ponto de vista extremamente positivista, herdeiro de um ufanismo iluminista que apresenta toda a sorte de incompatibilidades com o momento atual. Atualmente o compromisso deveria ser para com "as civilizações", não A Civilização.
« Última modificação: Outubro 26, 2012, 11:18:09 am por Bodine »

Offline crudebuster

  • nham
  • Not so alone anymore
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Re:Economistas da Unicamp lançam manifesto em prol do Welfare State
« Resposta #3 Online: Outubro 27, 2012, 12:29:35 pm »
Também acho uma idiotice, até que argumentem e me convençam do contrário.
deve ser muito estranho ser normal