Mudando levemente de assunto, é curioso ver que em alguns posts no Gaming Den, você tinha suspeitas que Vampiro é menos sandbox-ish que 0D&D e AD&D 1e. Eu tenho uma hipótese bastante fraca e que não sei como evidenciar, mas tem alguma coerência aparente. Aviso que eu estou sendo ultra-generalizador e "binário".
Não é um segredo que A/D&D não era um jogo que faria o silva saltitar de contentamento, mas ele tinha duas características interessantes - embora os relatos sobre o grupo do Gygax não eram dos melhores, muitos jogadores concordam que havia uma ênfase em exploração bastante comum na época, já que era um jogo novo que permitia um grau de liberdade não encontrado em outros. E como não havia muita ênfase em preparação de trechos que não fossem masmorras ou batalhas campais, além da aleatoriedade incentivada para encontros fora (e dentro de masmorras), A/D&D, não havia muitos motivos para um DM se apegar a suas criações e NPCs e os jogadores tinham alguma liberdade de guiar o jogo sem interferência forte do DM - até chegarem em masmorras. De certa forma, a História guiada pelos Jogadores florescia porque DMs não se preocupavam muito com ela.
Afinal, como nós concordamos: Não se apegar a suas criações (eventos, locais, NPCs) é uma boa atitude se quer ser mais sandbox-ish.
Vampiro e outro mudaram isso. Obviamente, não foi uma mudança tão brusca como essa explicação minha parece que é e certamente existiram intermediários nisso, mas por sua ênfase na Teatralidade (incipiente, mas explícita) e na ideia que jogos deveriam ter ótimas Histórias, diversos DMs potencializados pela Regra de Ouro podem ter assumido que a História era algo tão importante que ele devia guiá-la. Não havia muito espaço para eventos aleatórios criados por rolagens de dados e tudo deveria impactar nessa História. Assim, Vampiro pode ser um jogo curiosamente mais restritivo às escolhas do jogador do que era D&D - porque a História era tão importante.
Que acha, silvie?
Cara, esse post é tão perfeito que eu vou imprimir ele e pendurar na parede do meu quarto.
Sim, Elven, concordo plenamente com suas suspeitas. Acho que os velhos grognards de barba suja têm razão quando dizem que os O/AD&D antigões promoviam gameplay de exploração e sandbox, com muito pouco ou quase nada do railroading que acabou virando padrão do fim dos 80 pra cá. O próprio conceito de um dungeon não deixa de ser aberto por si só. Pegue o Templo do Mal Elemental por ex: eu nunca li, mas pelas resenhas que vejo, a coisa era extremamente aberta - o grupo podia entrar na masmorra de 8 formas diferentes, a masmorra em si era extremamente não-linear ( com partes que dificilmente seriam exploradas em apenas 1 jogada), e com diversas formas de se sair/concluir o calabouço (ou pôr fim ao Mal citado no título).
Além disso, os livros apresentavam ao mestre uma estrutura clara de jogo: como construir o calabouço, como distribuir monstros e tesouros, quantas entradas e saídas, o que acontece quando o jogador falha num teste (e a chance de isso significar que um monstro perambulante topou com ele), o que acontece quando o jogador descansa (e a chande de um monstro aparecer neste momento), como fazer a cidade ao lado da masmorra (e que recursos ela oferece aos jogadores, e a que custo) etc. Repare que não tem essa de "história" ou "narrativa". É exploração pura.
Até que vem a Era Vampiro (ou Dragonlance, no caso de D&D) e a coisa muda de figura, com a desvalorização de números e exploração em prol de roleplaying e contar estórias. Quem viveu essa época aqui no Brasil sabe do que estou falando. Havia uma certa prepotência nos fãs de Vampiro e afins contra D&D e os demais jogos simplistas de matar monstrinhos de outrora. O paradigma havia mudado. Parecia que o motto do cyberpunk, Style over Substance, havia tomado o mundo do RPG também. (eu diria que isso durou até mais ou menos o início dos 2000, quando dois fronts derrubaram esse paradigma: D&D3 e o movimento Indie).
TL;DR:
Eu diria que, em se tratando de railroading vs sandbox, existem 3 Eras:
A Era "Old School", que advocava predominantemente o estilo sandbox focado em exploração de um ambiente físico, através de procedimentos e estruturas de jogo tão concisas quanto um boardgame. (veja O/AD&D, Runequest, Traveller)
A Era "Vampiro/Dragonlance", que advocava ( talvez mais tacitamente do que explicitamente, concedo) um estilo railroading, através de um conjunto de "dicas soltas" que muitas vezes soavam opacas/ambiguas/contraditórias. (veja Vampiro, Shadowrun )
A Era "New School", que advoca uma multitude de estilos, mas sempre utilizando procedimentos claros / não-ambiguous de jogo (semelhante ao que a Era Old School fazia). (veja Fate, The One Ring, Marvel Heroic Roleplaying, Apocalypse World, Dogs in the Vineyard, etc)
(lembrando, claro, que há um overlap entre essas eras, com jogos contemporâneos "Tradicionais" e mesmo jogos antigos que já eram "New School" )
Faz sentido, Elfo ?