Autor Tópico: Como não criar um mundo  (Lida 25493 vezes)

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Re:Como não criar um mundo
« Resposta #60 Online: Fevereiro 24, 2015, 05:57:38 pm »
Li as 4 páginas. pretendo ficar longe das farpas trocadas.

Vou tentar contribuir.
"Como não criar um cenário" é meio dificil. você tem clichês usados demasiadamente.
Já pensou porque ninguem gosta?

Porque a idéia do cenário é fraca.

Você pode perder anos, décadas até. Criar toda a etiomologia e epistologia de todas as palavras e o cacete a quatro pra um cenário. Culturas mais ricas que qualquer outra que jamais existirá.
Desenhar bandeiras, desenhar mapas, desenhar fauna e flora.

A ordem de construção (em minha humilde opinião) está errada.

O cenário começa com uma idéia que pode ser descrita numa sentença e a idéia "vende" o cenário.

O que ocorre é quando se tem preguiça de compor o resto do cenário após desenvolver a idéia do cenário. Aí você preenche os vazios com os clássicos da fantasia medieval batidos e já era.

Se sua idéia for realmente incrível, nao tem problemas. Mas seu público pode variar.
o termo que gostam de usar é captação por imersão.

Dito isso, tem um monte de coisas que parecem legais no papel, mas a graça passa rápido.

Vou rebater algumas das odiadas por todo mundo, nao que eu descorde do ódio, ou que goste delas. Apenas para explicar, alguém precisa fazer papel do advogado do diabo, né?

Humanos como média. Extremamente necessário. Muitos precisam de uma média padrão para comparar as outras raças. A menos que se use auxílio de imagens o tempo todo, muitos preferem imaginar humanos durante o rpg. E mesmo, o que são as raças se não humanos com uma maquiagem aqui e ali? E se de fato você ter uma raça realmente alienígena, como tornar o apeal dela? ALém disso, muito mais fácil comparar com outras mídias para auxiliar na imaginação.

Elfos. Raças padrão de fantasia, na verdade. De fato muitas raças viraram stapples. Novamente, se boa parte da demografia prefere humano, a outra grande parte prefere uma raça que conhece. Muitos cenários pegam o checklist (inclusive vários games) e dão seu proprio twist. Quanto à inventar etnias , subraças, etc. Isso é consequência de expansão do cenário.

Ctrl+Tolkien. Como comentei em cima. Após terminar a idéia inicial do cenário (oceanos de lava, flying ships, espadas de eletricidade sólida, go!) o cenário nunca está pronto, isso é o fill the blanks padrão. Dito isso, muitas culturas gostam de lutar contra o Grande Mal. Há um apelo legal nisso. Uma coisa que muitos esquecem é que os cenários considerados bons, são bons de se jogar e não só de se ler.

Reinos-bioma (ou planetas-bioma). Isso é um exemplo de não entender escala.
E tentar fazer fronteiras. Você tem pontos num grid e chama de reinos.
Aí vai esticando as fronteiras pra eles se formarem um mundo. Duh.
Tormenta, qual a idéia do cenário? Nao é a tempestade destruidora vinda de outra dimensão?
Perceba o quanto é largado pró de falar dos reinos.
Planetas são um caso pior, um planeta inteiro com o mesmo tipo de terreno é quase inconseguível. Sao muitos quilometros. Mas é um compromisso.
Você quer que haja viagem espacial, exploração de planetas e whatsoever? Ninguem consegue criar planetas rapidamente, então... atalhos.

 O que nos leva aos Reinos-cultura e planetas-cultura.
A mesma coisa do anterior vale. E olhe que é mais fácil justificar (hello Empire of Mankind com seus hivewords de trilhoes de pessoas). Exemplos muito bons reais caem por terra quando você tem psiquismo, distorção de mentes, e manipulação de emoções artificialmente.

O Comum. Ok esse é pessoal. Cada segundo, cada letra. Perdida porque hihihihih confusão de tradução, fulano não entendi bertrano. É uma perda de tempo.
É legal das primeiras vezes, se torna um saco na hora seguinte.
Pense assim, toda a cultura diferente de um povo que você criou e finalmente haverá contato. Mas, não vai rolar conversa, porque não há compreensão dos mesmos idiomas
Graças a deus pelo Comum. e isso vindo de um ateu.
E não, nao tou falando de idiomas perdidos. Estou falando da tentativa de "realisticar" que culturas diferentes (obvio) tem idiomas, dialetos e whatsoever diferentes.
Ninguem resolve esse "problema" porque voce cria um muito maior.

Proselitismo e/ou megalomania. Cenários são produtos criativos. Muita gente, MUITA GENTE, MUUUUUUUUUUUUITA GENTE, não sabe lidar com críticas e usa criação como válvula de escape para as frustrações. É da condição humana. Daí o motivo de, se voce quer evitar parcialismo, a) nao use personagens seus no seu cenário, b) nao considere o cenário imutável pq jogou com seu grupinho e as sessões realmente importaram, c) aceite críticas.


Se for pra adicionar, eu acho um pecado muito fatal dos cenários é tentar explicar TUDO.
Como a religião funciona, qual o panteão, qual as guerras dos deuses ou o cacete.
Como a MAGIA funciona, as cores, os tipos.
Como os monstros se reproduzem, o tempo de gestação do gatoplebas, o grau de dureza do osso de plateomindo-atroz.

e no fim, o que é um cenário senão uma fanfic... hahaha sorry, mas preciso colar isso aqui.

Offline Barão Nemo

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Re:Como não criar um mundo
« Resposta #61 Online: Fevereiro 24, 2015, 06:36:03 pm »
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Aproveitando que o tema foi trazido a tona. Como vocês costumam tratar magia nos seus cenários ?

Ela é algo comum que todo mundo usa ou algo raro e misterioso ? ou mesmo um meio termo onde as pessoas sabem que magia existe mas nem todo mundo tem acesso ?


Eu escolho a resposta fácil: Depende.

Depende do objetivo da história ou do jogo. Em qualquer projeto onde o objetivo do sobrenatural seja causar alguma quantidade de horror, ela provavelmente deveria ser rara e desconhecida; mas em uma história onde os usos criativos dela ou dos efeitos dela na sociedade em geral, espera-se que o público tenha um certo nível de conhecimento dela.

Na prática eu não me preocupo com a distribuição exata de super-poderes-mágicos numa sociedade, eu tento apenas seguir algumas regras*:

-Magia não soluciona os problemas da sociedade.
-Em qualquer área de trabalho, ela não existe num nível onde substitui completamente perícia e trabalho duro.
-Magia não deve ser mostrada como banal a não ser que seja importante que seja banal.
-Magia muda qualquer indivíduo que tenha acesso á ela, não só no sentido de que agora ele pode soltar ácido pelas orelhas, mas também por que ele tem algum tipo de conexão com forças primordiais do universo e isto deve mudar a forma como ele vê e interage com o mundo.

*Estas regras não existem como resposta a alguma história ou jogo que fez isto.

Offline Luminus

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Re:Como não criar um mundo
« Resposta #62 Online: Fevereiro 25, 2015, 08:09:25 am »
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O cenário começa com uma idéia que pode ser descrita numa sentença e a idéia "vende" o cenário.

O que ocorre é quando se tem preguiça de compor o resto do cenário após desenvolver a idéia do cenário. Aí você preenche os vazios com os clássicos da fantasia medieval batidos e já era.

Nossa, eu vi uns 10 anos de trabalho meu descritos nessas linhas aí. Eu tenho um cenário, cuja ideia central é bacana, mas que eu não consigo realmente desenvolver... daí pulo no colo dos clássicos cenários de fantasia, de todos os reinos inspirados em Greyhawk/Cormyr/Karameikos/Barovia que se possa imaginar.

Às vezes, sinceramente, nem foi preguiça... foi minha inabilidade mesmo, meu desconhecimento, que fez com que o trem todo empacasse. No fim das contas, não posso realmente me comprometer com meu cenário de RPG, pois eu preciso trabalhar no meu trabalho, e não na minha mesa de mapas de fantasia. Ah, quem me dera ter essa coragem.

E.
Não, não.. por enquanto, não.

Re:Como não criar um mundo
« Resposta #63 Online: Fevereiro 26, 2015, 03:56:38 pm »
 Vou recomendar o "Dark Heart of the Dreamer", suplemento do Dungeon World que é curtinho e tem umas reflexões legais sobre como construir narrativas com grande variação cultural, racial e lidar com uso ou subversão de arquétipos.

 Sobre o bardo eu lembro de Ravenloft com o domínio de Kartakass que fala sobre uma hierarquia de bardos e talz mas não sei se é desenvolvido além das páginas sobre o reino e seu darklord.

  Sobre os planetas/reinos monolíticos acho que podem ser encarados como arquetípicos... Um cenário que problematiza essa parada e faz isso com bastante sentido é o Planescape e seus planos influenciados por forças metafísicas que fundamentam o físico.

 Eu tenho um senso incomum de diversão e amo o Wraith, mas confesso q odeio com todas as forças (Ignoro essa merda no cenário) o lance de "linguagem da morte" onde os espíritos conversam entre si e se entendem de forma sobrenatural. Para resolver essa treta em cenários de Fantasia pode rolar uma magia utilitária que faça com que a galera se entenda... Um fetiche tradutor ou um ritual que envolva comer a língua de alguém que seja fluente, sei lá, depende do sabor do sobrenatural no mundo.

 Os orcs no Tolkien são uma raça incapaz de mudar seu comportamento repulsivo porque possuem uma paródia da razão, não são criaturas complexas como os filhos de Ilúvatar.

 É... acho q é isso aí por hora.

Offline Luminus

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Re:Como não criar um mundo
« Resposta #64 Online: Fevereiro 26, 2015, 06:52:25 pm »
Apenas um breve exemplo da ideia central do meu cenário de rpg:

Sentados à volta de uma tímida fogueira, os três viajantes aproveitam as últimas luzes do dia, recordando a jornada até aquele ponto, e se preparando para o dia seguinte. Por mais antigo e desatualizado que fosse, o mapa que obtiveram com os anões não poderia estar muito distante da realidade, e era de se esperar que atingissem seu objetivo na noite seguinte: a Caverna Derretida, lar dos trolls conhecidos como Taiek.

Muitos perigos cercaram a expedição desde o começo, mas a firme palavra do Rei Alberius valera como o melhor salvo conduto possível por toda a extensão das terras humanas, e até mesmo nas cercanias dos domínios élficos. Agora, espremidos entre os habitantes das florestas e os campos patrulhados pelos orcs, o pequeno trio tinha apenas que se manter distante do alcance de ambos.

A calmaria de tantos e tantos dias de viagem cedeu a um dia de intensos e curiosos eventos, e agora, em volta da fogueira, eles podiam aproveitar das iguarias obtidas com o grupo de caçadores que encontraram pouco antes, em situação muito semelhante à sua. O sexteto de gnolls, muito distante de seus Planaltos Brancos, procurava reencontrar o caminho correto, uma vez que seu guia goblin tomara mais de uma decisão errada durante a viagem. O local em que estavam não se chamava Trilhas Estreitas à toa!

Trocadas as informações, os gnolls decidiram partir sem seu guia, seguindo e rastreando o caminho marcado pelos gnomos em sua jornada de vinda - o que ainda serviu bem aos gnomos, uma vez que os taslois de um acampamento próximo vinham em seu encalço, esperando apenas o melhor momento para dar o bote.

O goblin então oferecera seus serviços aos gnomos, que o rejeitaram de maneira educada. Mal sabiam os gnomos que, poucas horas após a partida do goblin-guia, um grupo de hobgoblins, armado para a guerra, se aproximaria deles, justamente a procura de alguém que lhes indicasse as cercanias da cidade de Pratracrara. Tinham por interesse recolher uma recompensa oferecida pelos kobolds de lá, após resgatarem um grande ogro mercador-de-peles. O ogro, sorridente, apenas seguia os hobgoblins, como é peculiar de seu povo. Sem obter qualquer ajuda válida, os hobgoblins decidiram partir em direção à Taverna dos Destinos Cruzados, que de onde certamente poderiam contactar Pratracrara, uma vez que seu dono era um kobold.

Todas as interações com os hobgoblins, goblins, elfos, humanos e orcs foi intercalado de muito diálogo e troca de informações: nenhum deles nunca vira um gnomo antes. E, mais importante, foi na improvável interação com um bugbear selvagem que obtiveram a informação pela qual anseavam: o outro "miúdo vindo do norte" (um halfling aliado dos gnomos que partira antes para bater a trilha e nunca mais voltou) fora visto dois dias antes, nas vizinhanças da Caverna Derretida, não muito fora do rumo traçado pelos gnomos.

Era, agora, apenas questão de continuar no dia seguinte, em busca de seu objetivo e do reencontro com seu aliado halfling e das preciosas informações a se obter com os Taiek, a fim de aprofundar suas buscas em direção às Terras do Legado.


E aí, a ideia parece boa?

E.
« Última modificação: Fevereiro 26, 2015, 06:55:51 pm por Luminus »
Não, não.. por enquanto, não.

Re:Como não criar um mundo
« Resposta #65 Online: Fevereiro 26, 2015, 08:13:34 pm »
Vou recomendar o "Dark Heart of the Dreamer", suplemento do Dungeon World que é curtinho e tem umas reflexões legais sobre como construir narrativas com grande variação cultural, racial e lidar com uso ou subversão de arquétipos.

Eu incluiria nesse balaio a maioria dos produtos Powered by the Apocalypse. Aliás, a ideia de criar o universo de jogo de maneira colaborativa entre G/DM e jogadores é o que há, na minha opinião, sobre este processo quando voltado para RPGs. Ele se concentra no que é importante pro jogo e deixa o restante para ser resolvido (se for) para um outro momento.


Quanto ao tópico em si: hoje, a única "lei" válida de não se criar um mundo para mim é: ele deve ser orgânico (no sentido mais biológico, não o gramsciano). É um corolário da repulsa à ideia de mundos-cultura ou sociedades hermeticamente fechadas. O universo é feito de relações, não importa com quem ou o que. Seu mundo é governado por trolls adoradores do deus sorvete? Que legal, cara! Como isso impacta a sociedade "tróllica"? O que implica, nesse meio, ser um troll descrente no deus-todo-gordura-trans?

(Não)Traçar estas relações, mesmo que minimamente, foi um dos motivos pelos quais eu não consegui avançar na elaboração de Tervat para o Terras Sagradas, por exemplo. Vida é feita de relações. (Mesmo que você esteja lidando com construtos ou mortos-vivos).

Offline Heitor

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Re:Como não criar um mundo
« Resposta #66 Online: Fevereiro 27, 2015, 01:29:29 am »
Sobre o lance dos reinos-cultura e planeta-cultura: os primeiros parecem mesmo se um caso de preguiça, pois ocorrem normalmente em cenários de "fantasia medieval" em mundos ainda no início de seu desenvolvimento. Então muito plebeu migrando pra escapar de lordes abusivos favorece mais o surgimento de "manchas culturais" sobre o mapa do que "bolhas culturais".

Os planetas-temáticos são um pouco mais aceitáveis, em duas possibilidades: mundos terraformados, para justificar o a geografia e ecossistema mais ou menos uniforme, e as colônias planejadas. Mesmo na variedade das pessoas espaciais, os clássicos "planetas criminosos" da sci-fi tem regras que meio que uniformizam o trato social do lugar. Tipo Sigil e sua porralouquice planar organizada.

Já o lance do idioma: em sci-fi nunca foi problema, com seus implantes/pílulas/estroboscópios tradutores, então em fantasia eu não vejo o porque de não ter um idioma comum. Línguas fictícias são legais, mas depois de um tempo enchem o saco: vide os falatórios em élfico nos filmes de SdA, que deixam as cenas em que acontecem mais enfadonhas do que já seriam sem eles. Só tem serventia mesmo pra fã hardcore de Klingon e Enya (falar chewbbaccquês ninguém quer).

A não ser que você seja o Terry Pratchett com seus mil trocadalhos, ou que a língua seja uma boa ferramenta de plot, é encher linguiça do leitor/jogador. Mas se o ranço for grande, bastar supor que os personagens que oferecem serviços são bilíngues ou trilíngues nos idiomas mais falados. Se até o cara do carrinho de cachorro quente fala inglês hoje, não tem problema o ferreiro da capital fantástica saber elfo, anão e crocodilês se o tem um monte dos três perambulando por aí.