Autor Tópico: Tarde de Nerds enamorados  (Lida 963 vezes)

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Offline crudebuster

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Tarde de Nerds enamorados
« Online: Agosto 24, 2013, 02:27:38 pm »
A realidade de 2050 era algo sinistro. Quase tudo era possível pela mão dos homens, e a ética e a moral eram algo já enferrujado e caricatural na Aldeia Global. A mente humana não via limites, enquanto o corpo ainda seguia seu rumo sereno e suado...
Duas pessoas. Nerds, pessoas supostamente esclarecidas e sábias. Aproveitando o restante do dia.

Olha a jaula. Vê o bicho, lerdo e acuado. Dormindo, talvez, ou esperando a morte.

- Sabe, eu sempre quis ser um lagarto.

- O quê?

- Um lagarto. Lento, pensativo, só acumulando energia pro ataque.

- Mas você sabe que os lagartos não evoluem mais, estão escondidos
por aí esperando a chance de novo. Como as baratas.

- Ah, eu queria ter escamas, ao invés de pele. Ter o sangue frio. Ser verde.

- Isso você já tem. É porco, não gosta de tomar banho e ainda por cima joga RPG.

- Ah, eu tento ser sensível um pouco, e você me dá uma pedrada dessas? Aposto que você nunca quis ser um bicho.Ou ter alguma característica animal, um traço de evolução bonito desses.

- Pra quê, já sou humana. Me basta ter de carregar a continuação da espécie no meu colo, enquanto você com sua testosterona e pêlos e mau-cheiro defendem a raça.

- Imagine se você fosse uma leoa, então. Elas defendem os filhotes dos pais ciumentos,
mesmo eles sabendo que a espécie precisa continuar.

- Ou uma ursa polar. Gorda, com filhotes pra alimentar e correndo do par "apaixonado" que a persegue meses pra tentar matar os filhotes e mostrar sua macheza...

- Eu não disse que a natureza era de todo linda. É a sobrevivência do mais apto. A viúva negra, por exemplo, mata o macho.

- Disso eu até gosto. Sorte sua que eu gosto de você, e só faço croché nas horas vagas, senão...
NHACT! - avançou com os pesados caninos à mostra no pescoço do atônito e arregalado Antônio, terminando com um leve cheiro no cangote e um bafo quente, de seus 1,78m de altura, no baixo e nada atlético Antônio.

- Viu, até você reconhece que seria bom ter alguma coisa de animal selvagem.

- Eu queria mesmo era poder mudar de sexo. A hora que eu quisesse. Tomar uma pílula e mudar, esquecer um pouco
das menstruações, TPM, sensibilidade exagerada e frescura exacerbada... e no dia seguinte de uma noitada e de muitas
garotinhas satifeitas, acordar como se tivesse sido um sonho e ir tomar minha pílula...

- Nossa, você quer isso mesmo?

- Claro, seria ótimo. e eu sei dos sites que você anda vendo. Furries hermafroditas...

Surpresa. Dúvida, franqueza.

- Ah, você sabe que eu não sou macho assim o tempo todo, principalmente quando estou pensando em você.
Não sabia dessa sua insatisfação. Mesmo com todo o Kama Sutra que já usamos, você quer mesmo é ter mais opções...

- É, ter uma noite de macho, pra variar. Não ser a isca, ou a loba atrás de toras ou de rachas onde me enfiar. Totalmente
masculina, peluda, fedorenta, hahahaha!!

Tremeu um pouco, mas acabou falando de um jeito bem pouco macho.Se envergonhava, ainda, de se expor assim à sua namorada tão modernosa e avantajada.

- Eu... até que gostaria de ser uma... uma mulher também, poder ter essa coisa de orgasmos múltiplos, e senso maternal, e até a TPM mesmo, talvez, só pra você poder saber como é aguentar você naqueles dias...

Daniela riu-se.

- Somos feitos do mesmo material, Toninho. Somos seres dotados de potencial masculino e feminino pra dar e vender. Mas ainda somos limitados a nossos corpos. Eu posso ter até mais neurônios, mais hormônios, mas ainda assim só posso "tomar" por trás e pela frente, ou ainda virar uma lésbica, e viver de lambidas, dedadas e beijos molhados de satisfação e deboche da sociedade por não depender de macho pra gozar... Você, se quiser dar umas bimbadas, tem energia suficiente e cara-de-pau pra jurar mentiras de amor à cada cinco minutos... Mas isso tudo é só o furor de procriar. Tanto meu como teu. E isso é o que temos de domar, antes de sermos o que quisermos, animais sociais irracionais entre quatro paredes.

Surpreso, mas não tão atônito, Antônio respira profundamente e deixa seu inconsciente falar.

- Você é tão perfeita que nem sei se te mereço só pra mim.

- Não sou tua. Minh'alma não te pertence. Assim como tu não me pertences.

- Mas como assim?

- Eu te tomo a cada pensamento, e me dou a cada suspiro incandescente de meu ardor em te querer mais e mais.

- E se te tomo, na verdade é como se a cada segundo sorvesses meus sentidos, me matando e me nutrindo...

- Que graça. Por isso que te amo, Tonho. Você se faz de bobo só pra me agradar.

Sorriso. Beijo. Trovão. Chuva. Vento. Frio. Calor.

- Vamos embora?

- Vamos aproveitar a chuva um pouco mais. Hoje eu quero ser mulher. E te deixo ser meu macho.

- Sua nerda...

- Meu nerd...

- Por que você não me deixa ter nosso filho?

- Esse prazer é meu. Pro segundo, eu deixo você ter.

- E pode ser um lagartinho?

- Só se eu escolher o sexo.

- Tá.

E correram, indo pro ponto de ônibus, sair do Zoológico da Quinta da Boa Vista. Que já viu dias mais conservadores...
Quem diria que a pílula que Daniela inconscientemente quis seria comercializada em questão de meses, já que o parto masculino já se provara eficiente entre homossexuais e então entre os "unissexuais"...
A natureza estava então, à mercê dos macacos pelados e depravados? Ainda é só o começo...
deve ser muito estranho ser normal