Autor Tópico: Maldições  (Lida 1302 vezes)

0 Membros e 1 Visitante estão vendo este tópico.

Offline Magyar

  • Te dou as minhas costas...
  • Bundalelê!
    • Ver perfil
    • Blog do Magyar
Maldições
« Online: Março 13, 2012, 12:36:19 am »
Chovia de tarde. Era o que recordava daquele dia em que descobri que as coisas não funcionam por mero acaso. Lágrimas pela benção recebida - uma maldição. Estava a vasculhar pelas atualizações do facebook quando vi que fora marcado em uma foto, da época do colegial. Fazia anos que não conversava com o colega, outrora amigo.

Quando o conheci, ele era baixo e rechonchudo - ainda na sétima série do ensino fundamental. Estávamos jogando vôlei. Ele acabara de fazer um ponto graças a uma bola que salvei, ao pular no chão como quem mergulha numa piscina. Ainda dava importância aos jogos na época.

- Bela pegada! - disse o baixinho.

- Belo ponto - repliquei, tirando a tapas abafados na sujeira da roupa.

- Você é novo aqui... né? - seus olhos me analisavam.

- Acabei de ser transferido.

- Meu nome é Ricardo.

- Fernando.

Cumprimentei-o. Um toque, um olhar, e lá estava um zunido agudo no meu ouvido a me tirar a atenção. Não vi quando Daniel sacara e o outro time rebatera a bola na nossa quadra. Tomei uma bolada na cabeça e caí no chão.

- Ei Fernando, tenta ficar de pé! - Ricardo riu, e junto dele os demais. Legal. Tudo o que eu precisava para o primeiro recreio num ambiente desconhecido. Sou um bobo.

Com Ana Paula foi semelhante. Morena, cabelos curtos, magricela e com olheiras. Conheci-a em uma confraternização do trabalho de minha mãe, numa infância eterna qualquer.

- Filho, porque tá tão quieto? Vai brincar com as outras crianças! Deixa eu conversar com a tia. - me deu uma piscadela, como se eu fosse uma criança extrovertida.

Fui para o parquinho, andando a pés pesados. Nunca fora de interagir. Ela estava parada na balança.

- Oi! - Disse com um sorriso banguela. Estava sem dois dentes de leite.

Fiquei quieto enquanto continuava andando.

- Garoto! Te dei oi! - Dessa vez ela se levantara e vinha em minha direção.

- Oi...

- Vamos brincar na balança? Meu nome é Ana Paula.

Senti pena ao vê-la na solidão de sua inocência. Enquanto alguns fogem, outros buscam.

Cumprimentei-a. Um toque, um olhar, e lá estava um zunido agudo no meu ouvido. Brincamos um pouco no balanço, tentando equilibrar o peso que uma vida infantil pode ter. Ainda era fácil atingir o equilíbrio. Conversamos. Rimos. Gostei dela.

Não mantive contato naquela época.

Alguns anos depois, voltamos a nos encontrar na escola - ela caíra na minha sala. Um belo dia minha mãe chegou abalada em casa, aos prantos. Ana Paula fora internada com leucemia. Chegamos a visitá-la no hospital.

Naquela tarde chuvosa também procurei pela Ana Paula na internet. Só fui encontrá-la no Orkut, numa página um tanto antiga, com mensagens fúnebres em seu mural. Um funeral online. Não sei se deveria me sentir surpreso por terem mensagens recentes lá.

A internet: facilitando o nosso conhecimento alheio; mostrando ao mundo como somos pessoas carinhosas e atenciosas ao gastarmos nossos 5 minutos diários com alguém distante. Até quando para substituírem a igreja pela internet?

Voltei para a página do facebook de Ricardo. Na foto, ele estava careca. "Espero que ele tenha virado Skin Head", pensei. Tem momentos que é difícil manter-se bem humorado. No mural, mensagens de melhoras. Promessas de comemorações quando tudo isso passasse. Fazia alguns anos desde que o conhecera.

O passado se arremete no presente. Hoje o céu estava limpo. Mais uma tarde de primavera. Fui para frente do espelho a fim de espremer alguns cravos. Um toque, um olhar, um zunido agudo... Mal tinha terminado a faculdade.
"Babuínos balbuciam balbúrdias banais, bêbados, em bando."

Offline Draconnasti

  • A Chocólatra
  • Nham
    • Ver perfil
    • Draconnasti's DeviantART
Re:Maldições
« Resposta #1 Online: Abril 12, 2012, 11:28:53 am »
Vai morrer! XD *sem comentários produtivos no momento*
Alinhamento do mês: Neutra