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Limites de um reino

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Magyar:
Era um dia ensolarado, enquanto eu ajudava Miguel na construção de uma fortaleza.

- A areia tá seca... pega mais água, Rafa - disse ele, enquanto deixava parte da areia molhada deslizar no dedo, em gotas, dando um tom pitoresco para uma das torres frontais.

Corri com o meu baldinho e enchi de água, caindo para trás com a força da onda que me atingiu. A água era forte.

- Seu burro... era pra trazer a água no balde, não no calção! hahaha - fez questão de tirar sarro de mim. Estúpido.

Um buraco no centro da fortaleza indicava tudo que fora tirado do miolo para a construção ao redor. Logo logo a maré faria as ondas testarem os muros do castelo, enquanto aguardávamos ansiosos.

Enquanto isso, papai e Vitor brincavam de jogar bola e mamãe cuidava da Elisabeth. Miguel resolveu que deveríamos cavar um fosso ao redor do castelo, e colocar alguns peixes enquanto a água não atingia a construção.

A tática de captura era simples. A onda subia pela areia, e quando voltava, deixava os peixes visíveis. Então deslizávamos com as mãos em concha para rebatê-los para a areia. Em pouco tempo, contávamos com 5 peixinhos: três na parte de fora da muralha - nossos soldados -, e dois no poço central - os prisioneiros.

Não vimos a primeira leva chegar, forte e aterrorizante como qualquer ataque inesperado. Uma das três torres não suportou a investida, e o desespero tomou conta no reparo dos estragos, que tinham apenas alguns segundos para serem realizados até a segunda leva. Os soldados deixaram seus postos.

Com o segundo ataque, apenas os reparos precários se foram, dando ânimo pelo resto suportar com tamanha eficácia. Os reparos não paravam, e o poço encontrava-se meio cheio - possibilitando uma possível fuga dos prisioneiros.

Foi então que o imprevisto aconteceu. O apocalipse, eternizado pelos segundos de nossa atenção àquele evento surreal. O inimigo utilizara uma de suas armas mais poderosas - a catapulta! Quando nos demos conta, era tarde demais. A bola derrubara a torre principal, deixando um rombo em nossas defesas. Não bastando isso, Vitor enfraquecera a base da outra torre, ao pisar na parte de trás dela, afundando metade que a sustentava no poço.

Era isso, o nosso fim. Não tardou para Miguel pegar as armas e partir sozinho para um ataque suicida. Quando o vi, ele arremessara um bocado de areia molhada no Vitor. Porém, a maior parte foi parar nos óculos de papai. Agora, mais do que tudo, nosso fim era certo. A ira de meu Pai cairia sobre nós.

Em questão de segundos, estávamos sendo atacados por ambos os flancos. De um lado, a natureza nos castigava. Do outro, éramos julgados pelos nossos pecados. Papai pegara Miguel, e enchera seu bumbum de areia. Ví que não demoraria para a minha vez chegar, e peguei nas armas para ajudá-lo.

Por incrível que pareça, meu grito de guerra pareceu ter estimulado Vitor a unir-se conosco em busca de um bem maior: a libertação. Logo ele, que estava com as duas mãos cheias de areia, encarando-me furiosamente, virou-se contra nosso Pai e esfregou-lhe as mãos na cabeça, cegando-o.

Quando me dei conta, conseguimos afastar o brutamontes, e corríamos para abatê-lo antes que pudesse se recompor e contra-atacar. Ele corria em direção às águas profundas da mãe natureza, em busca de sua purificação. Vitor foi na frente, com uma coragem impetuosa. Logo atrás, estava Miguel e toda sua sede de vingança. Eu os acompanhava, a pelo menos 5 metros de distância.

Quanto mais avançávamos, mais implacáveis eram as águas que nos castigavam. Só percebi a profundidade em que a guerra nos levara quando uma onda passou por mim, revelando estar na altura de meu peito. Era tarde demais para voltar ao perceber a próxima vindo em minha direção.

Minhas armas foram derretidas como ferro em lava, escorrendo pelas minhas mãos. Fui atingido na cabeça e tudo girou. Então é isso? - continuo dando voltas. É assim que as coisas terminam? - piruetas e mais piruetas me desnorteiam. Numa perseguição contra o inimigo mais odiado? Tudo estava correndo tão bem, em círculos. Sinto os prisioneiros passarem por mim, e logo estou cedendo à pressão ao meu redor.

Por milagre, ou sorte, algo me agarrou pelos braços. Fui puxado para fora daquele ambiente macabro, ao qual estava começando a me encaixar - já não sentia mais enjoo com os rodopios.
A mãe chegara a tempo de me tirar do sossego final. Uma segunda chance me foi dada, e a paz reinava novamente.

Na ambição de criar um reino implacável, não vi que estava me afastando de minha família. Por pouco não morri afogado.

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