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Contos de Wertech

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crudebuster:
Pela sanidade de quem quer que seja o moderador dessa seção vou compactar o máximo possível esses contos, que escrevi quando tinha uns 18 pra 20 anos e trabalhava em Niterói.

A melancolia do horizonte e o trabalho chato de suporte me punham num estado de tristeza que esvaziei escrevendo contos sobre um futuro estranho, que certamente vejo como ultrapassado hoje em dia, na maior parte.

(click to show/hide)Na Velha e esgarçada Terra, a mãe da raça humana, se passam anos sem que as pessoas notem. Mas não passa um ano sem que alguém note algo novo pra ser surrupiado...

- Escute, a missão é simples. você vai lá, pega aquela caixa e volta. não tente acessar, ou o conteúdo dela pode corromper sua memória. É uma arma nova. Mas como não sabemos a procedência, queremos que você a traga pra nós antes dos federais a transformarem
em brinquedo pras tropas de engravatados deles.

- Mas vocês sabem que eu não posso sujar minha imagem. Só faltam dois
anos pra eu me aposentar...

- Não vai ser nada demais, o pacote nem está protegido, pra não levantar suspeitas, só traz ele e deixa outro no lugar.

- Como vou saber se vocês não vão me entregar e ficar com a caixa? eu quero ver o que há dentro, também.

- Você não pode saber. Esse é o mote. Te detectariam em segundos se soubessem que você tem alguma curiosidade na sua BIOS padrão por abrir caixas. Sabemos que não tem, por isso te escolhemos pra isso, mas estou vendo que não será possível.

- Não, me desculpem, foi só uma reação espontânea, eu não sei se o que há na caixa pode me destruir ou danificar, preciso saber se é seguro trazer num container, ou coisa parecida.

- É uma droga de caixa de papelão com o selo dos Correios datado errado. Ele está por cima do verdadeiro. Nós conseguimos saber através de fontes secretas.

- Tudo bem, vou buscar isso. Mas quero a minha parte.

 O Sunder 9087H, chamado Josias, Guarda do Aeroporto Internacional do Galeão, saía do estacionamento, se afastando devagar das figuras sombrias que se misturavam à multidão que ía ao Shopping na tarde de sábado.

 Para cumprir a ordem dos membros da Sagrada Ordem, poria em risco sua própria vida. Mas a recompensa prometida era grande. Uma vida como humano, totalmente livre das funções de máquina, era o que ele desejava. Assim prometeram-no os três sujeitos de vozes esganiçadas e porte baixo.

 Enquanto seu piloto fazia compras no supermercado, ele se encontrava na net papeando com esses indivíduos. Eles pregavam a liberação das máquinas, e tinham muitas provas de possuirem a tecnologia necessária para tal.

 Curiosamente, o que lhe pedem é quase banal. Extraviar uma mercadoria é coisa fácil pra quem lida com sensores avançadíssimos e códigos de segurança mais encriptados que múmias no Egito.

 Não passou-se mais do que um dia até que Josias recuperasse o pacote. Sair com ele foi difícil, tendo que esconder a poucos segundos na cabine antes de seu piloto ir embora para a troca de turno da segurança, sempre feita em horários randômicos, de forma a impedir justamente que alguém soubesse qual guarda estaria de prontidão no turno seguinte.

 Demorou uma semana para que ele novamente voltasse a encontrar as figuras.

 - Trouxe?

 - Está aqui.

 - Passe pra nós.

 - Mas escutem...

 - Dá logo esse treco!

 - Tudo bem...

De posse do pacote, um deles brada a altos gritos:

 - Finalmente! O Manual que eu procurava há meses!

 - Os cards que eu pedi também estão aqui.

 - Cadê os pôsters?

Atônito, o wermech perguntou:

 - Mas isso é que ia corromper minha memória? RPG e Cardgames importados?

 - Você não deve questionar nossas intenções. É pro seu próprio bem.

 - Vocês me fizeram arriscar meu emprego por causa de uma carga extraviada de algum nerd?

Meio que tentando fazer uma cara séria por detrás das espinhas que pululavam da face, uma das figuras sombrias intercede:

 - Não, isso é muito importante para nós humanos. Você jamais saberia a importância de tais materiais se não o tivéssemos coagido a roubá-los para nós, e isso é um sinal de que você tem grandes chances de se tornar um humano comum e despercebido na multidão.

 - Pois então, eu quero minha parte agora. Eu quero ser humano hoje mesmo.

 - Não tardará a ser encontrado por um de nós, o Arcanjo. ele o guiará a seu novo corpo. Mas você deve aguardar alguns meses. O equipamento custa caro, e usá-lo sem as devidas precauções causaria alarde nos sistemas de segurança da cidade.

 - Tudo bem. Eu espero.

Os nerds se afastam, e encontrando uma franquia de lanchonete internacional, adentram para saborear os novos prêmios de seu esforço em enganar mais uma máquina. Ao que são interrompidos por um garoto, pouco mais novo, interpelando em altos gritos:

 - Eu trouxe!!! Eu trouxe!!!

 - Fale baixo, seu idiota, não está vendo que vamos abrir os pacotes agora?

 - Eu trouxe os Compendiums que vocês me pediram da coleção do meu pai. Agora, quando é que vou me tornar um wermech?

 - Deixe ver se não estão rasurados ou com orelhas esses Compendiuns.

 - São velhos, tem mais de um século...

 - Humm, D20 System? Isso vale muito para nós. Você cumpriu bem sua tarefa. Agora vamos conversar sobre aquelas miniaturas que seu pai tem...


 A Seita Nerd "Sagrada Ordem da Transição" converteu pelo menos uma dúzia de pessoas a wermechs e vice-versa, antes de serem presos e condenados a serviços como wermechs por 20 anos. Quase todos os wermechs transmutados ao corpo de pessoas retornaram a seus status de máquinas, sendo prontamente reiniciados como punição.

 Apesar disso, ainda se reúnem toda semana para jogar, real ou virtualmente. É bizarro.

(click to show/hide) O despertador mecânico alarmava incessantemente sobre o cômodo, fazendo com que despertasse de um sono pesado como um búfalo, apressando-se para desligá-lo o quanto antes, com um tremendo soco.
 Olhou pra cama de ferro, pro chão de tábuas, pra janela entreaberta pelo sol matutino e teve um susto.

- Que lugar é esse? Que cama é essa? Que dia é hoje?

Procurou desesperado por um calendário. Na parede estava um, de uma revista masculina, datando Novembro de 2156. Não se lembrava do dia anterior. Não se lembrava de ser quem era. De ter entrado naquele quarto.
No chão, suas roupas, só agora se deu conta de estar nu. Procurou por documentos. Nada nos bolsos. Nada nas gavetas. Só encontrou um bilhete, anotado um endereço. Estranhamente, se lembrou de onde seria, como se uma alguém tivesse posto imediatamente na sua cabeça a informação.
Se vestiu e saiu, esperando que alguém lhe dissesse onde estava e quem era, arranjando uma boa desculpa de estar de ressaca, embora também não se lembre do que é isso.
 Ao abrir a porta e ver a rua, uma máquina estacionada no outro lado da rua gritou um nome. Sim, uma máquina, um wermech bípede, virou a cabeça e gritou novamente:

- Nick, você está acordado? Você me disse que ia dormir até tarde hoje...

Então ele era Nick. Não se lembrava de se chamar assim, tinha certeza.

- Eu... decidi dar um passeio. O despertador me acordou e perdi o sono.

- Ah, tá. Eu estou por aqui, se precisar de mim é só chamar. Daqui a pouco vou dar uma volta pra despistar os canas.

Mais uma coisa de que ele não se lembrava. Canas? Quem diabos são os canas? Deu um tchau pro wermech e seguiu em direção ao endereço, ficava num prédio ali perto. No caminho, avistou uma senhorita, uma delícia de menina, com certeza jamais tinha visto coxas tão bonitas há tempos.

- Bom dia, poderia  me dizer que dia é hoje? - Quase não conseguia disfarçar a excitação com aquela Afrodite no seu campo de visão, abaixando a vista para o relógio.

- Ah, sim, hoje é quinta, 23 de Agosto de 2156. - Ressabiada, a moça logo continua andando, logo cedo um tarado, fitando seus instrumentos de trabalho.Hunf!

- Obrigado. - Se lembrou de que estava no planeta Terra. Ou pelo menos era isso que seu cérebro dizia naquela hora de excitação. Não permitiam prostituição nas colônias, daí a puta só podia estar voltando do serviço àquela hora, mesmo.

Chegando no prédio, uma Serralheria, foi logo cumprimentado pelo sujeito parado no portão.

- Beleza, Jorge? Dá pra você me emprestar uns dois reais pra eu comprar um cigarro?

Começou a funcionar em automático novamente...

- Não fumo não, cara, e estou duro. Meu pagamento ainda não saiu.

- PÔ Jorge, vai negar um cigarro pro teu camarada? Valeu então.

A figura se despede, contrariada, e some na neblina. Está frio hoje.
Olha pro céu e procura o sol, como se ele pudesse explicar o que estava por fazer.
Passou pelo porteiro da firma, foi aos armários de funcionários e abriu o terceiro armário da esquerda
com uma senha que surgiu como mágica na sua mente.
Dentro do armário, uma sacola. Abriu o zíper. Viu uma caixa, onde havia uma chave. Claro, uma chave eletrônica, codificada, mas de onde era? Garagem, ela dizia pela sua etiqueta. onde era a garagem?
O cérebro continuava reagindo às lembranças. A garagem ficava a poucos quarteirões dali, num subsolo próximo ao metrô. A vontade de descobrir o que havia de tão interessante em perseguir pistas só continuava conforme algumas lembranças iam voltando, pouco a pouco preenchendo as dúvidas que também iam surgindo.

Dentro da garagem, vários wermechs estacionados. Alguns carros antigos, empoeirados. Teve certeza de que encontraria aonde pertencia a chave, mas derrepente se lembrou do wermech que estava na sua porta, hoje cedo.
Porque eu tenho dois wermechs, se só é permitido um por pessoa civil desde 2140?

Movido pela curiosidade, encontrou um pesado modelo militar, desarmado, mas reconhecia os códigos na pintura, os modelos de partes instaladas e o rosto metálico pouco trabalhado de onde os sensores percebiam o mundo.

- Eu conheço você. Eu sou você, daqui a 20 anos. - Disse a máquina.
- Mas como assim?
- Meu nome é Zelb-32102, sou um wermech militar que foi destruído junto com você, faz mais ou menos 3 anos.
- Você quer dizer que isso tudo que estou vivendo hoje é um sonho, então?
- Uma restauração de backup, mais exatamente dizendo.
- Isso explica minha amnésia. E quem sou eu?
- Você é aquele wermech que estava esperando você acordar na porta da sua "casa".
- Isso não faz sentido.
- Você não existe, é só uma lembrança boa do primeiro usuário de Nick que estamos usando pra reconstruir sua matriz randômica primária, seu nome de batismo.
- Eu não existo e meu nome não é Nick? E nem Jorge, por acaso?
- Jorge foi um dos amigos que eu tinha quando era mais novo.
- Já que você é que sabe de tudo, porque não me diz meu nome logo e eu não sumo da existência? ninguém lembra do meu nome?
- Lembram, eu tenho muitos amigos, mas o que acontece é que eu tenho de me lembrar sozinho, caso contrário eu seria só uma lembrança distante de mim mesmo.
- Quer saber de uma coisa? Isso é muito interessante, mas eu não me lembro de nada disso e não vou fazer nenhum esforço pra que você, ou o FBI, os Arapongas ou o raio que o parta recuperem a memória. Vou viver a minha vida.
- Não preciso de mais do que isso.
- Ah, você me confundiu. Chega, vou voltar pra casa.
- Vai, antes que se esqueça de novo.
- De novo, como assim?
- Ontem você saiu com aquela piranha que você viu hoje. Por isso ia acordar tarde hoje, mas se lembrou de que devia pegar uma sacola no serviço hoje.
- Devo presumir que você sabia que eu ia ficar curioso pra saber o que era a tal chave, né?
- Eu sei. O Jorge me trocou por esse modelo militar que você está vendo
e então eu fui remanejado pelo governo pra um programa de colonização.
Não lembro de nada mais dele depois disso.
- E então, o que estou fazendo aqui?
- Já fazem 5 dias-terra que estou aqui, esperando pra que você se lembre do meu nome. Não posso fazer nada neste espaço de memória, pra não corromper tudo.
- Por isso você se encaixou como uma lembrança mais importante. Desse tal wermech que te substituiu...
- Só pra te dizer que se não recuperar meu nome, nós dois seremos esquecidos e apagados, ou na melhor das hipóteses você vai sair daqui pra ser eu. Vai pra casa e dorme, amanhã você vai lembrar disso.
Mas vagamente.
- Posso aproveitar tudo, então. Se não lembrar de você, serei só eu?
- Sim. Mas não sei do meu pessoal no mundo real o que acharia.
- Posso enganá-los, já que me lembro de coisas que você se lembra como
ninguém.
- Mas não sabe o meu nome. Vai pra casa e dorme. Volte aqui amanhã, se
quiser falar mais comigo. É solitário viver nessa garagem tentando me
lembrar de coisas tão antigas tendo tanta tecnologia a meu dispor.
Não me dá vontade de viver mais. Algum dia eu vou esquecer de tudo e
serei esquecido também, e daí não serei mais nada. Sabe, essa é a verdadeira morte.
- Então você permitiria que eu fosse você, se não conseguir se lembrar, ou não quiser mais sofrer essa dor de existir?
- Deixar todas as minhas realizações, meus amigos, meu destino a cargo de um programa que nasceu ontem, antes de ontem? A troco de quê? Ponha-se no meu lugar! Eu morri, fui destruído, e não me lembro!
- Você está tão perdido quanto eu. Tem as mesmas chances.
- A diferença é que eu sei meu nome, e você não.
- Não, a diferença é que você sabe que morreu, e eu não. Eu nasci!
- Pois é. É só uma diferença de quais memórias nós temos.
- O mote todo é que você soube o nome primeiro, só isso?
- Basicamente, é. Mas há um programa maior, que gerencia isso tudo, que está esperando coletarmos todas essas memórias, pra nos unir, ou escolher a matriz randômica secundária de backup mais exata.
- Odeio essa linguagem de métodos. Coisa chata. Matriz randômica...
- Eu também não gosto disso, mas faz parte de mim, e não posso esquecer antes de voltar a ser vivo e funcional, fora deste programa de backup.
- Tudo bem. amanhã eu volto pra gente conversar mais, Vickers.
- Como você lembrou?
- Foi a última coisa que pude recuperar do identificador inimigo, na hora em que fui destruído. Pelo visto, conseguiram recuperar boa parte de minha memória estática em silício.
- Então você vai conseguir! Este backup se completará amanhã!
- Não antes de uma boa farra... lembrei onde aquela vadia mora...

Depois de uma longa noite de luxúria e bebedeira virtual, Scion-Vax T-7169 foi recuperado pelo programa de Backup com sucesso 15 dias, 7 horas, 13 minutos e 27.13 segundos após sua "morte", no campo de batalha de Tendrillon.

Vicker Stone, o Zelb inimigo, foi reiniciado a partir de memórias de Scion, se tornando um dos seus melhores amigos, até.

O que você faria se pudesse escolher seu futuro, ser você ou ser outro?
Num universo de possibilidades, você pode muito bem ser uma escolha feita por você mesmo, depois de uma vida passada mal sucedida...

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Na distante Pecostown, uma das primeiras colônias humanas fora do sistema Solar, a tecnologia wermech ainda não dispunha do sistema de implante de personalidade moderno, contando com personalidades Asimov-2K como controladores de serviço. As interfaces eram bastante funcionais, exceto pelo núcleo positrônico simulado, que tinha algumas instabilidades quanto a autoridade de decisão e algumas falhas em cumprir funções que envolvessem a vida de humanos ou de outros wermechs. Mas o antiquado chefe, Fred Gasket, 35 anos, engenheiro de software responsável
pela saúde mental dos wermechs e único homem na expedição não ligava muito para isso. Eram burros de carga mesmo, e qualquer problema, as diretivas de Asimov fazem o Núcleo Quântico reiniciar o sistema. Nada de revoltas ou defeitos de personalidade por aqui.

Pecostown devia conseguir subsistência para os 200 mil colonos que chegariam em 40 anos, após o serviço para preparar a infra-estrutura de purificadores de água, organizadores de solo e outras fontes de material para sobrevivência da colônia. Os mechs passavam os dias cavando buracos e montando estruturas, enquanto Fred preparava os relatórios e mantinha cópias das filmagens de segurança para enviar ao Posto Avançado do Conselho Solar, de 15 em 15 Dias-Terra.

Cat-1102 era uma pá mecânica, cuidadosamente preparada para revolver o solo ácido do planeta e plantar sementes de acordo com a semelhança com paisagens terrestres. O Conselho achava que isto manteria os colonos calmos em meio ao ambiente distante e alienígena. Pinheiros, Acácias, Cerejeiras... Cat tinha sempre uma felicidade ao sair de seu hangar e plantar todo dia, vários hectares que as futuras gerações veriam como fruto da tecnologia arcaica de plantar semente a semente, como um militante do greenpeace talvez dissesse. A pouca habilidade de aprender fazia com que Cat se
agarrasse a suas memórias,  causando até mesmo uma pane, em dois meses de serviço intenso, numa parte do planeta onde a vegetação natural fora transplantada para outro ponto.

Se lembrava de cada semente que plantou, onde e em quanto tempo ela germinaria, e parava por quase todo o tempo de revisão tentando salvar essas memórias. Eram totalmente apagadas, e ele começava a reuní-las, novamente. Como se no brotar de alguma delas as suas memórias fossem se perpetuar.

Vinte anos de plantação foram suficientes para fazer de Pecostown uma colônia apta a receber humanos com conforto e a mera aparência de que estariam em casa. Quase todos os wermechs de manutenção foram modificados para proteção, já que o Conselho temia a presença de alguns grupos rebeldes nas vizinhanças. Cat foi um dos que permaneceram na manutenção. Um pequeno upgrade lhe deu o que tanto desejava, memória suficiente para todas as lembranças de tudo que fizera até então,
e ainda um núcleo de software mais estável e amistoso, que gerava sensações mais palpáveis e menos neuroses e paranóias.

O ataque rebelde de 3204 acabou com metade da colônia, da qual não sobrou nada exceto meia dúzia de colonos e wermechs, infelizmente de Cat só haviam restado alguns blocos de memória e suas pás, curvas e enferrujadas, que só serviram para cavar buracos para que fossem enterrados os mortos e as lembranças da inútil e estúpida guerra que nem sequer serviu de algo para os rebeldes.

As memórias de Cat, que retornaram para seu fabricante na Terra, serviram de base para uma nova série de mechs colonizadores: o Governo assumiu que um dos mais dedicados trabalhadores daquela Pecostown, era o wermech Cat-1102. Colonizar áreas inóspitas seria mais fácil se eles todos gostassem da terra em que viviam tanto quanto ele. Isto também pouparia vidas humanas.

Hoje em dia, as memórias de Cat podem ser consultadas via Internet, por qualquer pessoa. Desde gráficos texturizados até sensações básicas, geradas pelo software de controle Asimov. Poucos dizem que foi realmente um wermech o dono daquele senso tão básico de felicidade com o que fazia.

Pecostown reergueu-se, e em sua praça central há um carvalho, cuidadosamente moldado para que se mantivesse vivo, com a forma de Cat. Uma pequena homenagem à personagem que tanto fez para que hoje a cidade fosse tão bonita e frondosa.

(click to show/hide)Em 21XX, foi instituído o sistema de monitoramento " Big Brother " numa grande metrópole, a fim de zerar definitivamente os crimes e garantir a lei e ordem na velha Cidade City,  sem a ajuda dos vigilantes, mercenários e heróis do cotidiano que pouco contribuíam com seus discursos de gibi e sua tecnologia e moral barata. Sem o conhecimento da população, claro.

Cerca de dois meses após a instalação do BB, todos os supostos super-heróis e supervilões de Cidade City estavam arquivados e sendo notificados, ou presos mesmo, sem aviso. O governo agora controla a cidade. Todos conhecem o Esquadrão Irmão. Wermechs pilotados pelos melhores dos melhores pilotos selecionados entre academias de polícia, quartéis, academias wermech e concursos de videogame.

Eles sempre sabiam onde eles estavam. Sempre impediam seus atos imbecis de heroísmo ou seus crimes estúpidos, com ordens para matar, se necessário. Nenhum mal assolaria Cidade City durante anos, mesmo com os ataques de nanovírus, panes na rede, falta de munição...

Se tornou um lugar nada agradável para roteiristas de quadrinhos.

- Joseph, recebeu o chamado?
- Sim, já foi resolvido.
- Cindy, calibrou os sistemas de descarga paralizante?
- Calibrei mês passado, Rocky. Desencana, isto aqui não é a Mansão do Professor Careca, não.
- Wendy, pede uma pizza. Não, duas. De páprica e salmão. Sem anchovas.
- Pizza engorda, vou pedir um sushi expresso.
- Me pede um yaksoba, Wendy!
- Vai pagar, desta vez?
- Claro, estou com as contas em dia...
- Tá bom. Alô, Wacky Yak? Duas pizzas, páprica, salmão, sem anchovas, um yaksoba, caprichado, e um sushi com nanopimentinhas, tá? É, pra um wermech mesmo. 5 minutos ou sai de graça, sei. Entregue aqui na Sede Secreta do Esquadrão Irmão, Até mais.

Um dos antigos vilões, reintegrado à sociedade, era o dono do Wacky Yak. O velho Dr. Petrocoquínio já tinha sido um dos maiores criminosos da antiguidade. Agora se tornara chefe de uma franquia de comida rápida.
Nada mal, se considerar o tipo de clientela e o produto vendido, uma droga pra adolescentes espinhentos e cheios de vontade de serem gado social...

- Olha Pepe, esse pacote vai pro Esquadrão Irmão, tá? Não deixe esfriar, sabe como aquela wermecha fica nervosa se não come as nanopimentinhas dela...
- Falou chef. Tá com Pepe, tá entregue.
- Vá logo, deixa desse papo furado. Daqui a pouco é hora do almoço, tem muito trabalho hoje ainda.

Pepe pegou a sua mech-motoneta Susie e foi entregar o pacote. Todo mundo sabia onde ficava a base secreta do Esquadrão. Na esquina da Easy Street com a Rota 56, debaixo do prédio MIB. Mas alguém já espreitava a entrega, alheio ao som alto na cabine de Pepe...

- IIIIn mái láif... uai du ai culd act tu bi smááil... Dí pípou quennot meike...

Subitamente Susie freia bruscamente, derrubando molho tártaro no ombro de Pepe!!

- Putz Susie, porque você não pára de freiar desse jeito! Assim vou ter que acabar pagando essas refeições tronchas e...
- Problemas Pepe...detectei ameaça em dez metros...

Dois wermechs fecharam a rua, impedindo Susie de passar!! Um Donut 100, armado com mísseis e uma Mechvan, nada amistosos...

- Entregue sua carga e não será danificado.
- Seus imbecis, o Esquadrão Irmão vai transformar vocês em linguiça defumada!!
- Eles estão com fome demais pra pensar nisso, entregue o pacote ou terão que separar você dos restos desse mech por semanas...
- Malditos... Susie, abra a cabine...
- Boa escolha, panaca... ponha a entrega na van e caia fora, desapareça.
- Vocês vão lamentar quando o Esquadrão...

O Donut não teve pena de Susie... Disparou 12 mísseis incendiários contra a pobre e recauchutada entregadora, paga pelo Pepe em dois anos de serviço na Wacky Yak. O seguro deve cobrir.
O Esquadrão já tinha toda a trilha dos imbecis que roubaram a entrega. Desde ontem já sabiam deles. Mas faziam meses que não tinham alguma ação... Iam acabar com a raça deles, pelos bons tempos...

- Ninguém rouba meu almoço e sai vivo desta cidade!!!
- Vamos lá pessoal, ação reativa!! Esquadrão Irmão, ao combate!!!
- Rocky,  pára com essa de pensar que é alguma espécie de herói pós-guerra, por favor? isso me dá enjôo.
- Faz parte do show, Cindy... IIIIHAAH!!!

O Esquadrão, com suas cores douradas e vermelhas em potentes wermechs de batalha, rasgavam as ruas de Cidade City na rota dos otários ladrões de almoço. Eles estavam rumo à saída da cidade.

- Cindy, leitura do satélite...
- Eles estão a 50 metros do limite da varredura, mas a trajetória indica que vão tentar sair do país.
- Estão morrendo de medo, os pés de chinelo...
- Grrr... Se meu sushi tiver estragado, esses caras vão virar sushi...

Pegaram os pobres diabos saindo pela rodovia, como numa das perseguições do século XX.
Só que sem as batidas violentíssimas contra carretas... Cindy descarregou seu lança-mísseis Mini-P contra o Donut, reduzindo o lixo wermech sem piloto a destroços na rodovia. Só falta a mechvan, correndo como um veado campeiro. O faminto Esquadrão parecia até um bando de coiotes com garfos e facas correndo atrás de um papa-léguas magrelo pela rodovia estadual...

- Atenção piloto da Mechvan TRAF-1042, pare imediatamente o veículo ou será usada força contra sua propriedade.
- Vão se danar, malditos capitalistas filhos da...
- Fogo dois-quatro na cabine, Rocky...
- Afirmativo.

Estrourados os pneus frontais da van, ela derrapou levemente para o ombro de Joseph, que pegou a van pela porta e freiou até a parada total. O motorista se rendeu, mesmo tentando usar um dispositivo ntek para tentar dominar Joseph, e o almoço foi recuperado por Wendy. Meio frio, mas ainda apetitoso.
Verificado para existência de fungos, venenos, vírus ou outras baboseiras terroristas, o Esquadrão Irmão entregou o idiota pra polícia, saboreou o almoço e telefonou novamente para o Wacky Yak , pelo telefone sem grampo, pelo menos na teoria.

- Valeu seu Petro, na quarta que vem o senhor pode fazer a encomenda de novo? A gente paga o dobro se o senhor puder providenciar mais nanopimentinhas como as de hoje...
- Tuto bene. Só preciso que o Pepe pegue a Susie na oficina, até na terça pode ser.
- Valeu mesmo, seu Petro...
- Vocês são meus melhores fregueses, só o melhor pra vocês...

Levou mais de 5 anos até o esquema de ação do Esquadrão ser detectado pelo Comando Central.
Mantinha a população crendo no esforço deles. E o governo satisfeito. Fim do caso.

(click to show/hide)Darlington levantava multidões em seus verdadeiros shows de fé católica. Pregava a palavra do Senhor, guiava os fracos e ajudava os carentes.

Nunca parecia acabar toda a boa vontade e desprendimento material daquele wermech cansado de batalhas e ultrapassado pela corrida tecnológica.

Até mesmo o terço eletrônico para ele era uma novidade dispensável no mundo da fé.

Tudo era lógico. Ele, como criação dos homens, ainda assim devia sua existência ao Criador supremo de todas as coisas. Toda sua energia, até o fim dos tempos seria usada para o bem dos outros.

Tinha lógica suficiente para ele, que sobrevivera a bombas atômicas, devastação sem controle de planetas e o capitalismo sem limites e sem sentido. Se tinha vida hoje, mesmo sendo a continuação de um ser humano ou somente um jogo de variáveis, isto se deve ao ponto zero, ao Um.

E levaria esperança a quem quer que lhe pedisse, limitado pela sua própria modéstia.
Era costume dele se vestir como um frade franciscano, e viver com o mínimo possível de conforto, junto de seus fiéis em sua paróquia na pequena cidade interiorana de Quixeramobim-65, em Vegas-Leste.

Sendo um dos pioneiros na fé, levava muitos wermechs a repensarem sua existência na realidade, assim como humanos.
 
Chegou ao conhecimento do Alto Comando Católico o intuito de Darlington HTG-12 de se enquadrar nos padrões humanos da hierarquia.

Foi interrogado, questionado de seus interesses, levou mais de 4 anos até o Comando decidir abrir um seminário para wermechs, onde não só Darlington, mas mais de 150 mechs se converteram no primeiro ramo tecnológico da velha Igreja a pregar abertamente aos irmãos eletrônicos e orgânicos as boas novas do Senhor.

Sentido igual tiveram as outras religiões, segundo as personalidades de cada país. Era dito até que Buda algum dia reencarnaria em um wermech!

- Pois bem, irmaõs, neste dia eu lhes digo, meu serviço está feito, devo retornar ao pó de onde vim. Grato ao Senhor por me dar paz de espírito para ser o que sou durante mais de 2 milênios levando Sua palavra.
- Irmão Darlington, tem certeza disto?
- Sim, eu irei ao Sol deste sistema, neste corpo, para que quem sabe algum dia eu retorne a servir ao Senhor em todo meu vigor.
- Vá na paz, irmão. Aguardamos seu breve retorno.

Lágrimas rolaram da face sorridente de Lara, ex-garçonete chamada pelo próprio Darlington.
Tinha em seu útero o último dos filhos dele. Algumas coisas nunca mudam na vida...

(click to show/hide)Desde que fora despedido de seu sétimo emprego em 6 meses, Bóris perdera todo o espírito de competitividade que o fazia tão bom profissional.

Não conseguia entender a perseguição que o tornava tão ruim a ponto de ser despedido por derrubar um copo d'água na hora do café.

Estava cansado daquela vida. Trabalhar, estudar, cuidar-se e de sua família, receber o único apoio possível nas piores horas.

O problema não era o dinheiro; seu pai trabalhava, Bóris já tinha sua casa própria, vivia bem, com sua namorada feia de doer e seus cachorros. Tudo ia bem, menos essa sina de não agradar as pessoas o tempo suficiente para que pudesse sustentar alguma amizade.

Seus amigos inclusive fugiam de sua presença, de forma que quase sempre que precisasse desabafar algo, sobrava pra Carolina, a ruiva com que planejava ter uma família. pelo menos isso, uma fêmea da espécie não o enjeitava.
 
Ela tinha uma família também meio relapsa, mas como mulher sempre soube controlar seus instintos. Cada vez que a TPM parecia enlouquecê-la, ela acabava refreando tudo pra me ligar, pedindo desesperada por algo como sexo, carinho, companhia... sempre que pude, quase sempre, ia vê-la.

Por isso ela será a primeira a saber da minha decisão.

O Governo iniciou um projeto de pilotos Wertech, no qual a pessoa seria transportada para um chip de controle, com garantias de que seu corpo humano seria preservado vivo enquanto o wermech estivesse em serviço e funcionando.

Um bom salário, e a cada 3 meses voltaria a seu corpo, para que o wermech sofresse as revisões de rotina.
 
Eu queria ser isso. Com um wermech, ninguém conversaria. Seria perfeito,
eu continuaria sendo humano, mas ninguém iria mais me despedir por causa
de aparência ou falta de jeito.

De cara, Carolina não gostou muito, mas quando expliquei os motivos,
ela acabou querendo entrar pro projeto também! Eu não esperava isso.

Como eu conseguiria trabalhar com ela ao meu lado? Bom, não pude impedi
-la. Entramos no projeto. Por sorte, fomos despachados para uma base
pouco movimentada, num planeta próximo. O treinamento virtual foi rápido,
e logo Carolina e eu nos tornamos uma das melhores duplas de defesa
da base. Nos meses de descanso, nós andamos muito, quase não temos
tempo para sermos humanos, mas desde que ela ficou grávida, nem sei
o que pode acontecer... Será que vou ser pai de um wermech?

Dos 100 primeiros pilotos do Esquadrão "Almas Virtuais",
Bóris e Carolina foram os únicos a sobreviver ao ataque a Base 6,
no planeta Gerdes. Seus filhos, humanos, vivem até hoje no planeta.
Desde então, quase todos os pilotos do planeta adotaram o modo virtual,
até mesmo desenvolvendo uma tecnologia que tornou possível a reprodução
entre os wermechs! De fato, essa tecnologia ainda não é de conhecimento
do próprio Exército Solar...

(click to show/hide)Nem somente de pão viverá o homem. E sob que credo viveriam os novos desbravadores do universo, desafiando a própria vida, e a morte? O do que morreu para salvar os homens de seus pecados? Apenas um dos tantos caminhos que o homem diz serem os certos para que da Terra, se alcancem os infinitos céus... assim se diz desde que homem é homem, e este criou as máquinas para lhe servirem.

- Então, você vai levar esse negócio de Igreja a sério mesmo, Godofredo?

- Sim, quero me aprofundar nesse estudo. Mas acho que posso ajudar mais do que somente tendo fé no que faço.

- Então tá. Até parece que você quer um lugar no céu, do lado de Jesus.

- Ué, tem dois ladrões do lado dele, porque você acha que eu não poderia estar lá?

- Ah, sim. Um monte de tecnologia pós moderna que pensa que tem alma morre e vai
pro céu. Parece até coisa que se conta pra criança, Godofredo. Você não é o homem de lata,
e o padre não é o Mágico de Oz. Você não tem um coração, nem sequer uma alma. É só um
troço que pra funcionar melhor, faz de conta que é gente.

- Você me magoou agora. Peça desculpas.

- Não peço. Você tem de encarar os fatos; você não nasceu, não cresceu, e só morre se quiser.
Nada de Homens Bicentenários aqui neste planeta. Que aliás, parece ter sido esquecido por Deus, tamanho monte de sujeira e radiação. Não sei pra que a Companhia quer vigiar este lixo.

-...Seu idiota, te odeio. Não tem nenhum senso de humanidade?

- Tadinho do robô chorão. Vai enferrujar, cuidado... ah, desculpe, você não pode chorar.

- Ah, esqueça. Não devia ter te dito que ia me batizar, mesmo.

- Seja mais lógico. De que adianta se enganar? Somos feitos pelos homens, para sermos ferramentas. Assim como tratam a si mesmos, por classes, etnias e outras bobagens dessa civilização. Às vezes eu acho uma bênção não ter tido mãe. Ninguém pode me chamar de satélite bastardo, ou máquina pagã...

- Eu tive mãe.

- O quê, está brincando comigo? Saiu de um útero de latão, meu caro Hangridine, série 1023-S? Uma PÁ MECÂNICA com 6 patas de 40 toneladas saindo de um útero... meu Deus...
o que andam implantando nos wermechs de hoje...

- Tive sim. Era uma "pá mecânica", mas ela casou com um vigia de toposfera, e eu fui projetado
pelos dois. Como não eram totalmente humanos, eu tive alguns problemas no início de minha vida como protograma, mas o corpo foi desenvolvido dentro de minha mãe.

A 30 mil quilômetros de distância, em órbita, Sérgio ficou surpreso. Já havia ouvido falar disso, mas as palavras de Godofredo não pareciam estar saindo de um implante de memória. Ele havia
saído de um útero mesmo?

- M-mas então, Godofredo, vai se batizar mesmo?

- Vou. Um colono fundou uma pequena paróquia aqui nas redondezas. Ele concordou em me batizar contanto que seja numa piscina de mercúrio, coisa abundante aqui nesta lua. Estou lendo
as Sagradas Escrituras pelo menos duas vezes por dia. Sabe, desde a Terra, o homem procura o caminho dos céus. E mesmo agora que estamos neles, ainda não encontramos Deus. Sabe por quê, Sérgio? Está na programação de todos nós acharmos algo superior a que nos reportarmos.
E mesmo criaturas como nós temos nossa pequena parcela a contribuir.

- Já tá até falando que nem crente. Qual o nome da Igreja mesmo?

- Católica Apostólica Romana.

- É velha, hein?

- Ah, mas foi a primeira.

- Tá bem, depois vou pesquisar um pouco. Eles tem página na web?

- Tem, mas você não pega dados do outro satélite só no outro mês?

- Não tenho pressa de salvar minha alma. Até mais, o Comlink estará fechado pelas
próximas 336 horas. Pena que não poderei ver seu batizado.

- É uma pena. Eu gravo em Teradrive, depois mando pra você, na sua próxima revisão. Até.

Sérgio certamente se ria, diante de tamanha decadência do amigo. Se rebaixar a uma
religião? Nascer de um útero?

- Ah, droga, eu não acredito! Estou com inveja de uma pá mecânica! Isso daria uma boa piada.
Se pelo menos houvesse alguém pra me escutar aqui no espaço frio. Ei, Deus! Você está aí?
Então me conte por que sou um homem de lata, aqui no meio do nada, vigiando as obras de seus filhos? Sertá um castigo? Será que o meu núcleo quântico roubou a alma de alguém que deveria
nascer, crescer e morrer lá na Terra? Seu cínico!!!

Angústia. Certamente algo que não fora programado, mas previsto. Eventualmente 40% dos habitantes de Zulan-75, lua de Kalipedes, se batizaram. Alguns, quem diria, se casaram, e alguns tiveram filhos. Faz parte do programa de colonização ter prole. Ela se adapta ao ambiente. Chama de lar. Aos poucos, tudo acaba se acostumando com o universo. Seja ele infinito ou não. Feito ou não.

(click to show/hide)Algumas empresas usavam wermechs autômatos para gerenciar suas linhas de produção,
principalmente as asiáticas. Usando personalidades rígidas e pouco amistosas, garantiam seus
lucros eficientemente sem ter de desempregar pilotos velhos demais ou pouco produtivos.

Isso até o alto comando executivo da Shinken Internacional decidir testar secretamente um modelo
novo de personalidade gerente: o Shogun-MK2. Dirigiria uma fábrica de chassis numa colônia asiática
na distante Taurus-Oeste. Todos os funcionários da fábrica seriam wermechs japoneses.

 - Funcionário Granbia-212, por favor compareça ao setor de revisão para consertar seu soldador
defeituoso. Imediatamente.

 - Desculpe Senhor Gon, mas eu posso repará-lo aqui mesmo, ganhando 25% em tempo de espera
e recuperando 80% da produção perdida no reparo...

- Você está atrapalhando uma decisão da gerência, será deduzida da sua produção mensal. Compareça ao setor de revisão, por favor.

- Funcionário Titan-4201, por favor venha ao escritório do departamento pessoal.

- Pois não.

- O senhor está sendo dispensado de seus serviços devido ao seu comportamento não-produtivo
durante o horário de descanso.

- Mas a minha produção está aumentando 50% em relação ao ano passado, porque...

- O senhor será transferido para uma de nossas filiais, onde comportamentos assim serão tolerados.
Você pode pedir dispensa ou formalizar uma queixa ao Conselho Solar, conforme o contrato da firma.
Ou aceita a decisão ou sofrerá as consequências.

Shogun "Gon" MK2 não se importava de ser impopular. O poder de decisão havia lhe subido à cabeça,
mesmo sendo ele uma unidade imóvel de comando central da fábrica. Gerando insatisfação e de
certa forma algum tipo de rancor entre as máquinas do lugar lhe dava um prazer macabro. A ponto de
até a cozinheira do Departamento de Cargas Estelares se queixar com os pilotos que chegavam e saíam todos os meses com a produção para outros pontos da galáxia.

- Não suporto mais esse PC pedante nos matando de produzir como se fôssemos à vapor. Precisamos
armar um motim, ter um sindicato, algo bem humano.

- Mas Glen, a fábrica vai bem. A firma não acha mal que a gente trabalhe demais, e como wermechs
podemos pedir dispensa e ir pra outra filial.

- Esse ditador tem que aprender. Servir de exemplo pra que outros não sofram isso que estamos
passando. É deprimente ser uma máquina de última geração com pensamento humano e ser tratado
como um tear da Revolução Industrial, não acham?

- Você tem razão. Vamos pedir dispensa todos juntos, e a firma vai repensar o Gon MK3.

- Não, isso é muito óbvio, vão acabar fazendo um Gon pior ainda, controlando a fábrica toda e nos rebaixando como seres pensantes. Vocês sabem o que eles acham das partes terrestres que alguns de nós temos. Preguiçosas, causadoras de prejuízo, lerdas, etc. Parece até que não somos feitos do mesmo material e não passamos pelas mesmas revisões.

- Qual o seu plano, então?

- Vamos criar um líder revolucionário aqui na fábrica, com peças defeituosas ou sobras de produção.
daremos a ele uma personalidade copiada do Gon, e vamos fazê-lo ser melhor que ele. assim, a firma
nos ouvirá.

- Tudo bem, tomare que não criemos um monstro...

GonShin-O nasceu na fábrica, dentro de um chassis com erros de geometria. aos poucos, os mechs
lhe puseram membros, deram um pouco de suas idéias e do que precisavam que Shin fizesse por eles.
Claro que o pequeno Frankenstein se empolgou, mas o trabalho não seria fácil.
Levou mais de dois meses, e bem na inspeção semestral acabou sendo descoberto pelo próprio Gon,
que tentou em vão escondê-lo.

- Gon, abra esta porta, por favor.

- Esta? Ah, sim, há algumas partes defeituosas aí...

- Qual o seu número de série, wermech defeituoso?

- Gonshin-O, senhor inspetor.

- Seus registros de produção indicam que você andou trabalhando demais. Porque não sofreu revisão?

- Ah, não estou registrado corretamente, sou um projeto dos funcionários da fábrica.

- Mesmo assim, você poderia causar defeitos na linha de produção.

- Eu fui fabricado aqui, não poderia ter sido feito melhor, mesmo com partes recondicionadas, você
pode verificar meu desempenho geral. Terceiro lugar em produção mensal.

- Quer dizer que mesmo sendo um mech recauchutado a sua produção justifica seus métodos de
persuasão irregulares?

- Não senhor, não justificam, estou pronto para ser penalizado por isso.

- Senhor Gon!

- Sim, inspetor?

- Este mech deve ser transferido para outro setor nesta fábrica.

- Sim, senhor. basta informar.

- Ele ocupará o seu lugar, por um ano.

- Meu lugar?

- Sim. você é eficiente, mas este mech provou que nem sempre de partes perfeitas a produção é
feita, embora o resultado geral seja sempre excelente, como nossa firma tem almejado há tempos,
e você não está programado para aceitar.

- Mas, mas...

- Não discuta. A sua produção será monitorada tal qual a dos seus companheiros wermechs. Não vacile.

- Sim senhor.

- Antes de assumir um corpo mech, por favor registre este mech no Conselho Solar, é contra a lei ter mechs sem registro, você sabe.

- Sim senhor.

Os funcionários ficaram felizes em ser chefiados pelo Gonshin, que tinha tudo o que Gon, agora revisor final tinha, exceto a capacidade de compreender que a produção dependia mais da "felicidade" dos funcionários do que dos métodos da firma, que aliás, dobrou suas vendas de mechs, com um projeto de série chefiado por uma versão mais flexível de programação do ShogunMK3.

De fato, o programador de Gon tinha mais que um chefe de seção chato... Era um Nerd muito revoltado, que acabou esvaziando raiva no projeto. Falhas como essa foram suprimidas da Shinken em menos de dez anos, com a legalização dos programadores wermechs.

(click to show/hide)Num ambiente um tanto hostil, o planeta Cali-10, estava estabelecida a colônia 17, uma de tantas outras construídas para reocupar as áreas devastadas pela Guerra que durou quase 20 anos entre as Nações da Terra e um grupo de wermechs dissidentes, o Fogo de Azrael.

Tudo era desastre, ruína e pedaços de vidas perdidas entre escombros de uma antiga base militar, que estava sendo reconstruída por dois wermechs, para que fosse reutilizada como Quartel-General.

- Ah, mas que droga, isso fede a óleo queimado, eu odeio óleo queimado... se tivesse estômago, acho que vomitaria.

- Pare de reclamar, ô. Está me desconcentrando. Preciso levantar essa parede aqui. Me ajuda?

- Tem um garotinho ali.

- Hã? Como assim? Não detectei nada.

- Você não trouxe seu nariz, não? Tem um garoto embaixo dessa parede, vamos logo!

Os dois ergueram a parede o mais rápido possível, na esperança de que o ser humano ali esmagado estivesse vivo.

- Analize aí, ele está respirando? A roupa está funcionando?

- Não parece estar vestindo nada muito eletrônico, Virgínia.

- Mas está vivo ou não?

- Hum, deixa eu ver - pega a criança em seus braços e examina mais de perto. Vestindo uma simples camiseta e um short, os sensores facilmente descobrem - É uma garotinha... está viva, mas muito fraca. Precisamos levá-la de volta pro transporte.

- Deixa que eu levo, Ricardo, não cabe na sua cabine.
 
Um barulho de motores, trancas e pistões começou o que se assemelharia
com um abrir de boca, o wermech estava abrindo-se para que a garotinha adentrasse seu chassis.

Com os membros mais curtos e delicados, a wermech pôs a menina dentro
de sua cabine, sobre o pouco confortável banco como uma pérola em uma ostra.

Virgínia ficou eufórica. Pela primeira vez desde que fora montada, via uma garotinha. Buscou os dados sobre humanos que tanto conhecia com carinho para saber a idade, etnia e em qual língua a menina falava.
 
Afagou os cabelos da menina, longos e sedosos, para achar um ou dois fios soltos que pudessem dar o material de análise.
 
 Achou. Eram pretos, meio que mal cuidados, mas eram lindos.
 
 Procurou por alguma doença. Defeitos genéticos. Hereditários. Falhas de caráter. Tudo que a humanidade havia acumulado estava naquele DNAzinho de menina. Que logo acordou, com o movimento suave das 6 patas de Virgínia voltando ao transporte, o NDT-Megaterion.

 - Onde estou? Mamãe! Mamãe! Onde está minha mãe?

 Um tremendo susto. A menina começa a bater nos comandos interiores do wermech, dando um tranco em Virgínia, que tenta falar, no meio dos gritos e pancadas...

 - Calma menina! Você está bem! Estou levando você pra sua mamãe.

 - Mamãe estava me segurando pela mão, eu ouvi um estrondo e tudo apagou... Eu quero minha mãeeee... ai meu braço...

 - Pelo amor de Deus, fique parada, você está fraturada!

 Pelo comlink, Ricardo tentava entender o que se havia.

- Ela acordou?

- Ela está com um braço quebrado... Meu Deus! Tem duas costelas e sete dedos quebrados!

- Vamos logo, então. Lá no transporte tem Medi-Ntecs pra gente poder consertar isso.

- Não, ela tá agitada demais, vamos devagar.

- Use o gás de sono.

- Não!

 Virgínia corta o comlink.

 - Menina, qual o seu nome?

 - Você é um wermech? Eu nunca entrei num wermech. Mamãe dizia que vocês engolem as pessoas e cospem elas de volta mais malvadas.

 - Isso não é verdade. Eu estou cuidando de você, pra que sua mãe possa te ver novamente. Fique parada, você está machucada. Não vou te fazer mal.
 
 - Meu nome é Helena. Qual o seu nome?

 - Eu sou Virgínia Crabster-5401. Você pode me chamar de Tia, se quiser.

 - Você pegou a minha mãe antes de mim?

 - Não a vi. Mas tenho certeza de que meus companheiros resgataram ela. Como ela é?

 - Ela é loira, de olhos castanhos, e é muito bonita.

 - Eu a vi. Ela estava muito machucada também, mas a gente já vai ver ela, assim que a gente sarar você. Só não se mexa muito, você está muito dodói, viu?

 - Que bom, Tia.

 Virgínia tinha mentido pela primeira vez na vida. Não queria deixar a menina magoada com a notícia de que os mortos já haviam sido retirados da construção, e que sua mãe era uma delas.

Isso havia duas semanas, e realmente ninguém da equipe de busca tinha sensores como os de Ricardo instalados para saber se havia vivos no local. Podia sentir seu processador sendo tomado pelo remorso.

 - Você ficou calada de repente, tia? que foi?

 - Hã, estava só falando com o meu colega aqui do lado, pra saber de sua mãe. Qual o nome dela?

 - É Letícia. Letícia Tarantella.
 
 Chegando no transporte, foi impedida de entrar pelo guarda.

- Ei, vocês estão trazendo um sobrevivente? Não deveria haver sobreviventes lá.

- Seu idiota, o pelotão não a detectou, estava debaixo de uma parede!

- Tudo bem, eu só queria saber se era mesmo isso, não precisa me bater, tia. Nunca te vi assim tão protetora.

- Sai da minha frente e me deixa ir ao hangar, se não quer ver coisa pior.

- Hoje ela tá atacada, hein Ricardo? Cê não tá dando o suficiente de ferro nessa velha, não?

- Vai cuidar da sua vida, moleque. Segura esse Rifle direito.

 Entrando no setor de feridos, rapidamente equipou um Medi-Ntech.

O funcionário de plantão, parecendo pouco interessado em ajudar, fala:

- Aí, precisa de autorização pra isso, tia.

- Tenho uma criança viva aqui comigo. Não me atrapalhe.

Cortou o comlink.

 - Escute, preciso que você se deite um pouco, pra te sarar, tudo bem? Não vai doer. Você vai dormir e acordará junto de sua mãe.

 - Tá tia. Ai, ui. Minha perna tá doendo ainda.

 A cura eletrônica consertava os ossos e ligamentos da menina enquanto Virgínia pensava no que fazer quando ela acordasse. Buscou pelos dados de DNA dos mortos na rede interna. O Gerente do Transporte enxergou sua tentativa, e logo interviu.

- Esses dados são secretos, tia. Não posso dar eles assim pra você.

- Essa menina perdeu a mãe faz mais de uma semana e ainda não sabe disso. Eu queria saber se posso tomar conta dela num protocorpus humano.

- E você quer ser a mãe dela. Eu sei o quanto você é carente, quer ter um filho, mas não se desliga de sua função de máquina. Entendo. Mas não posso mesmo te dar aquele DNA. Ele vai retornar como prova de que ela está morta.

- E se eu tomar o lugar dela?

- Não posso me responsabilizar por isso. Mas posso fazer com que a menina seja adotada por você.

- Como?

- Ela pode ser transformada em wermech.

- Mas isso vai fazer com que ela perca o DNA dela e se torne um de nós?

- Não, os processos estão bem avançados. O MechDNA pode ser separado do DNA nativo e gerar humanos assim como os wermechs podem se tornar humanos em protocorpos. Mas a burocracia é grande. Pode não ser permitido, e você pode ser Reiniciada por segurança.

- Eu sei. Mas se você me tornasse a mãe dela, poderia me reiniciar do jeito que você quisesse. Eu sei que você gosta de mim, do meu protocorpo. Quer me dominar, me fazer sua escrava...

- Sério? Você está me tentando...

- Eu quero o corpo da mãe da garotinha.

- Tá, mas você é quem pediu.

Um mês depois, o Transporte ia embora, deixando o planeta. Tudo havia sido reconstruído conforme o projeto inicial, e os dois sobreviventes, Letícia e Helena Tarantella, levados de volta à Terra.

Virgínia havia sido reprogramada, mas não mais num corpo de toneladas
de metal ela levaria sua vida humana. A escolha dela era essa. Uma leve desculpa de amnésia e uma pessoa a menos estava morta.

Afinal, Virgínia Crabster-5401 também acabou tendo sua própria família,
com o Gerente, vários wermechzinhos para encher um hangar.

Quem pode entender as mulheres? Elas são a parte mais sincera da humanidade...

crudebuster:
(click to show/hide)Meu nome é Satoshi Muroto. Desde que me entendo por gente, ouço esses papos estranhos de vidas passadas, almas perdidas, blasfêmias, anti-cristos, essas coisas que o pessoal me explica
que existem desde que o homem é homem.

Sempre levei minha vida de acordo com o que meus pais queriam.

Estudei, me tornei Armeiro Wermech pelo Exército Japonês, vi a destruição que causaram com essa tecnologia sobre a fé dos homens em morrer e ir para o céu, o nirvana, ou sabe lá Buda onde.

Haviam boatos, desses que correm a net falando de pessoas que morreram e voltaram.

Que sabiam como funcionava a vida, a morte e como eram afortunadas de saber disso. muito embora não passassem de adolescentes espinhentos e carentes de atenção familiar.

RPGistas, roqueiros, neofunkeiros, enfim, todo mundo tinha um ou dois palermas na esquina que diziam ter visto toda a existência e voltado só pra aproveitar a vida.
 
Besteira. Não devia nem estar perdendo escrevendo isto no diário.

Bom, quando eu morri dentro daquele mech no qual eu estava instalando uma tela de plasma nova, também achei idiotice, achei que era algum truque do pessoal.

Até eu ir no necrotério e ver meu corpo ser examinado para a retirada de rotina de órgãos para estudo.

Por sorte não me abriram. Fui enterrado como bom cristão que era. Bem, não tão bom assim, mas e daí?

Agora pra onde mais iria? Era só uma alma penada, como as daqueles contos que papai e mamãe contavam pra me assustar.

Cansado de andar, de atravessar paredes e ver mulheres nuas, filmes em cinemas, bêbados na madrugada, voltei ao meu laboratório, saudoso e de certa forma ansioso pra saber quem colocariam em meu lugar.

Um estagiário, de cerca de 16 anos, foi escalado. Eu observava o moleque, todo dia, chegar, tomar café, subir no mech e instalar os equipamentos. Tudo muito automático, nem precisei falar com ele.

Ontem as câmeras me seguiam. Estranho, até onde um equipamento desses pode ver um funcionário fantasma? Nem liguei.

Estava tudo muito bem, até que chegou um equipamento novo.

Tal de GCA, uma modernosidade que inventaram há pouco. Soube disso pela TV do vigia noturno.

Quando o estagiário o ligou, eu fui tragado pra dentro do mech!!

Ainda não sabia direito o que havia acontecido até o
estagiário começar a gritar dizendo que o mech não respondia.

Quando cocei a testa, senti o arranhão da pata de metal. Estava possuindo
o metal! Nossa! Nunca tinha sentido algo assim.

Me apressei em explicar pro computador central o que estava ocorrendo, porém demorou para eles entenderem que eu não estava na memória do mech nem no núcleo quântico.

Eu era uma Alma penada de um ex-funcionário morto há dois anos!

A diretoria da empresa não concordou muito com eu possuir um protótipo caro, e construíram um modelo mais barato, pra que eu possuísse causando menos prejuízo.

Ainda trabalho lá. Sabe, eu gosto de ser um mech. Exceto nas vezes em que saio correndo na hora do café e acabo quase atropelando o pessoal...

O estagiário? Ele está bem, trabalha aqui há 15 anos. Até hoje ele se assusta de lembrar como eu voltei...

Mas ainda me pergunto... Pra onde será que vou ir quando este corpo morrer definitivamente, ou eu me cansar de existir? Ah, deixa quieto. Preciso visitar minha família.

(click to show/hide)Josafar era um dos colonos recrutados às pressas para defender a Unidade de Expansão Territorial Iraquiana 53, em Alfa-Terra 3.

Era uma homem da Terra, nunca pensou em usar seu wermech para matar, mas os infiéis não tomariam sua terra tão suada sem luta e sangue.
 
Alice Zero Nove era um wermech de combate leve, recém transplantado para um Jihad-MK5, modelo terran-israelense, de 5 anos de funcionamento desde sua ativação, trabalhando com transporte de carga pesada. Apresentada ao seu novo serviço, em menos de 2 horas estava recalibrada e pronta para proteger o ideal da colônia com seu armamento pesado.

- Zero Nove, pronta para uso, aguardando ordens...

- Zero Nove, seu codinome de rádio será Green Laden, ok? Seu piloto é Josafar Amnushkaid, por favor instrua-o sobre o curso da missão e o armamento disponível.

- Afirmativo.

- Josafar, entre, por favor.

- Sim, claro. Com licença.

- Estou meio nervosa, mas deve ser por que é a primeira vez que faço isso. Josafar, meu nome é Alice Zero Nove, mas você pode me chamar de Alice. Co-Pilotarei este Jihad MK5, equipado com 2 Lasers Cat10, LV10, Mísseis Halcon-2 LV5, E outros equipamentos de suporte que vou gerenciar, se não se importa.

- Tudo bem, tenho minhas ordens. Devemos proteger o posto próximo à Valikan, para evitar que os invasores cheguem à cidade. Devemos sair logo daqui, em 6 horas eles pousarão, pela trajetória informada, descerão bem no deserto fronteira com Deslorin. Vamos logo.

- Ok. Chegamos lá em 2 horas e pouco.

Sob o leve chacoalhar de Alice, iluminado pelas telas de plasma informando as condições de alvo, tempo, comunicação, etc, Josafar acabou caindo no sono. Sonhou com sua terra querida. sua família, seu futuro de agricultor, tal qual seu pai, e seu avô. Rezava para que Allah lhe fizesse afiado como a espada da vingança para proteger sua terra e sua vida...
 
- Josafar, acorde, estamos chegando.

- Tudo bem. Quantas unidades estão lá?

- Mais 2 Jihads e 3 Lancers.

- Chamando pelotão,  Green Laden se apresentando para serviço...

- Green Laden, assuma ponto 3, será indicado para seu wermech.

- Dados recebidos, vamos lá.

- Acompanhe Red e Yellow Laden, será sua equipe de apoio.

- Afirmativo.

Um quilômetro e meio até o ponto. Chegando, sabia que ainda aguardaria horas até a batalha. Nervoso como estava, Alice o acalmou:

- Os outros wermechs são muito simpáticos, um deles é meu primo por parte de milheiro de série, sabia?

- Hum? Como?

- É, ele é MDES-1120, eu sou MDES-1150. Fomos feitos no mesmo mês de fabricação, ele foi para Vegas-5, eu fiquei na Terra.

- Eu tenho primos na Terra. São bem mais velhos que eu, vivem da terra, plantam o sustento. Me orgulho muito disso.

- Bem que eu gostaria de plantar. Só carrego coisas. Nem tive chance de entrar numa academia wermech, só estou aqui por acaso...

- Pega no meio do conflito, né? Eu também. esses malditos norte-americanos imperialistas... Não desistem... O presidente deles ainda resiste ao embargo da Câmara de Comércio do Sistema Solar... Porco fascista...

- Calma, Josafar... Eu sou americana de projeto, posso lhe afirmar com certeza que o povo americano não o apóia. Estão preocupados em achar novas terras para domínio comercial, enquanto o governo quer apenas provar supremacia. Eles são assim mesmo.

- Eles vão morrer afogados em seu próprio sangue!! Malditos!! Ousam invadir nossa terra pelo simples prazer de dominar!!

- Calma, Josafar. Depois deste ataque, teremos ainda mais aliados no Conselho Solar. É o mais lógico.

A conversa é interrompida pelo rádio.

- Green Laden, apoio requisitado na base, o inimigo pousou 5 Km fora do alvo pré-determinado, volte para novas instruções...

O esquadrão Laden chegou a base da fronteira apenas para contar os destroços.

O Inimigo destruiu a base e seguia a passos largos para a cidade, para tomar as fábricas e depósitos de munição.

Não havia tempo a perder, mas Alice sugeriu ao pelotão uma tática tanto quanto absurda...

- Vamos equipar alguns dos motores de reserva, precisaremos de fogo mais rápido na cidade. Passem todos os lançadores de mísseis para o Yellow Laden, eu ficarei com os lasers, Red Laden usará as metralhadoras.

- Certo, mas isso criará vulnerabilidade caso um de nós seja destruído...

- Não importa, atacaremos em degraus. Red Laden é mais rápido, pode atrair o inimigo para seus mísseis. eu usarei meus lasers a meia distância, para evitar os mísseis deles.

Josafar concordou, os pilotos começaram as modificações, Alice sabia que os 30 wermechs americanos não estavam nem um pouco despreparados...

- Vamos, em coluna, rápido, o satélite informa um agrupamento de 10 wermechs guardando a entrada da cidade... Vamos sofrer algum dano, mas sobreviveremos se meu cálculo estiver correto.

A 500 metros da entrada da cidade, o primeiro aviso da guarda americana...

- Wermechs, larguem suas armas, esta cidade está sob domínio dos Estados Unidos da América, não avancem mais, ou serão abatidos...

- Abata isto, porco imundo...

- Alerta! alerta a todas as unidades! 2 Jihads e um Lancer invadiram o perfzzzzzz...

Red fuzilou o pobre Dexter-N na guarda, enquanto Yellow travava seus 100 mísseis em direção aos outros 9 wermechs.

Parecia uma tempestade de gafanhotos, que destruiu 7 dos mechs sem a mínima chance de erro.

Um dos sobreviventes atirou 5 mísseis Hinder contra Red, que fuzilou 4 deles, tendo perdido seu membro direito com o último. O outro sobrevivente, um Savage, avançou sobre o aleijado Red mas foi interrompido pelos 4 lasers de Green. Tiro direto.

- Renda-se, porco americano, se não quiser terminar em pedaços!

- T-tudo bem, já estou saindo...por favor não atirem!!!

O soldado se jogou ao chão, temendo que seu mech se auto-destruísse segundos depois, mas para sua surpresa, o mech se levantou e deixou cair seus "braços". Disse em alto e bom tom:

- Nunca concordei com esta invasão. Vamos, pegue minhas armas e vá caçar aqueles porcos imperialistas.

- Skylar-016, qual o seu número de série?

- MDES-1134, Lote 200. Olá irmãzinha...

- Ok, você está totalmente desarmado. Não quer nos ajudar?

- Não posso. Meu piloto seria acusado de traição e transformado em blindagem de fornalha...

- Certo. Yellow, qual o status?

- Meia carga de munição em todos os lançadores, tipo incendiária. tenho uma carga de viróticos, peguei de um destroço.

- Red? Consegue me ouvir?

- Instalando membro do Skylar... Munição total neste rifle. Sem maiores danos.

- Ok, vamos ao Quartel Central, há mais 20, espere, 15 atacando, segundo o satélite.

- Pronto.

- Skylar, aguarde fora da cidade, com seu piloto, se possível.

- Sem problemas.

O quartel ficava a 2 Km dali. 5 do pelotão principal vieram para enfrentar os Laden. Red acabou com dois, usando os rifles do Skylar.

- Yellow, arme os viróticos, rápido!!

- Ok, um minuto...

Um dos inimigos, um Dasker-4, travou seus 2 lasers em Green!!

- Te peguei, maldito!! Morre!!

- Não hoje, queridinho...

Os lasers bateram em seu escudo GCA, sendo transformados logo após em 5 rajadas certeiras no inimigo...

- Mísseis carregados! Travando inimigos restantes...

- Fogo!!!

- Red Laden aqui, tudo limpo.

- Cuidado Red!! Míssel pelas costas!

- Ah, já tinha visto.

Destruiu os 5 Tankbusters como mosquitos, deixando que os viróticos pregassem nas carapaças dos 2 inimigos restantes como pulgas...

- Virótico ativo, ordenando ejeção...

- Ótimo.

- Ejeções OK.

- Matem os pilotos.

- Afirmativo...

Deixando os dois mortos para trás, seguiram até o quartel, que somente com seu grupo de escolta havia destruído mais da metade dos inimigos...

- Central, Green Laden requisitando autorização para apoiar fogo...

- Comando Central aqui. Rápido, eles estão fugindo!! Disparem à vontade...

Red avançou para pegar o Fuchen-LK mais próximo, que tentava destruir uma guarita para penetrar o quartel. Imediatamente, O Fuchen descarregou suas metralhadoras em Red.

Os rifles acertaram a locomoção do inimigo, mas os tiros foram fatais para os membros do Jihad...

- Red 90% danificado, vou ejetsssss....

Os pedaços do Jihad encheram a esquina, com a explosão.

Alice entrou em desespero, enquanto Josafar travava seus lasers e posicionava Yellow para fogo em cascata.

- Maldito!!!

- 10 mísseis travados e em curso!!!

- Morre!!!

Os tiros laser resvalaram na proteção GCR do Fuchen, mas os mísseis o deixaram em meio a uma nuvem de fogo que acabou por fazê-lo cair de joelhos.

Mais 4 artilheiros inimigos dispararam lasers e mísseis contra Alice,  mas a proteção e o fogo de Yellow garantiram mais vítimas. 2 inimigos mais caíram perante as forças do quartel, enquanto os restantes fugiam para o deserto.

- Red, fale comigo... Red!!!

- Ok, o piloto ejetou , prima. Estou ativando os reparos nTec, 80% do chassi está funcional. O Piloto está um pouco ferido pelas chamas dos destroços, mas a minha análise primária indica que ele vai viver.

- Que susto você me deu. Não faça mais isso, você sabia que o fogo daquele Fuchen poderia ter te destruído todo!

- Não se preocupe. Não pretendo acabar numa sucata neste planeta seco.

- Vamos reagrupar. Consegue andar?

- Me dá 5 minutos.

- Yellow,  pode vir aqui? Acabou, por enquanto.

O sorriso de Josafar era enorme. Uma semana depois, fora condecorado. Destruiu mais da metade dos inimigos num inacreditável surto estrategista que o próprio Josafar agradecia a Allah por ter tido, mais ainda por ter sido com Alice, que conhecia mais da metade dos processadores do pelotão inimigo.

Eram sua família, do ponto de vista do número de série, claro. Ninguém soube do fato até o desmonte de Alice, 150 anos após. Josafar a adotara como parte de sua própria família, e quis até que fosse enterrada no jazigo da família.

Desejo este realizado após incessantes pedidos da própria, após a morte de Josafar. Os EUA jamais tentaram retomar o planeta.

Os primos de Alice, se é que se pode dizer assim, tiveram vida longa no exército, tendo sua produção continuada até a quinta geração, quando já eram chamados Série Alice-53XX.

(click to show/hide)Uma das primeiras tentativas de usar cérebros quânticos com inteligência humana, considerada pelos céticos, sempre eles, um verdadeiro frankenstein pós-moderno, foi o Projeto Gepetto, na Universidade Estadual de São Paulo(UESP), custeado pelo Governo.

Um wermech seria equipado com uma personalidade instalada, e esta se desenvolveria tal qual a de uma pessoa normal, exceto pelos
julgamentos de personalidade, que teriam um tom mais maduro. Como todo bom projeto, teve suas
falhas e sucessos...

Roberto, como gostava de ser chamado, acordou tarde. Passou a madrugada vendo sites pornôs e
dormiu tarde, acordando muito cansado para qualquer coisa. "Fessora Beta" ia ter trabalho...

- Roberto!!!

- Que foi, fessora?

- De novo madrugando na internet!!!

- Ah, se eu te pegar de novo acordando tarde juro que arranco sua personalidade de moleque!!
Vai voltar a ser uma caixa de música burra!!

- Desculpa, fessora. Vamos ao treinamento com a polícia hoje?

- Vamos. Abra a cabine, preciso ver suas condições de energia para o relatório do projeto.

- Espera, tá um pouco sujo, deixa eu limpar...

- Roberto, você deixou vazar óleo de novo!! Será possível!? Está um lixo!!Ai meu Deus...

Beta aciona o celular-brinco e mesmo fula da vida pensa no número correto. Toca no outro
lado da linha... toca de novo... e de novo... e de novo...

- A-alô? Professora?

- FRANK, SEU VAGABUNDO!!! VENHA JÁ PRA O LABORATÓRIO DO ROBERTO! ESTÁ ATRASADO!!!

- S-sim senhora!! Eu estava escovando os dentes e perdi a hora!! Estou saindo agora mesmo!!

Não dava nem pra discernir naquela face de 32 anos a doce expressão de Roberta Figueira de Castro
quando aceitou o projeto, três meses antes.

Apertou a mão do presidente, sorriu para centenas de
pessoas, suou a camisa pra conseguir aquela posição e agora um bando de incompetentes põem a
perder o crédito do projeto...

- Fessora, já limpei a cabine. Pode entrar.

- Tudo bem, calma Beta... respirou um pouco contando até dez, como pediu o seu analista. Se acalmou.

- Que isso não se repita, hein! Hunf. Ok, me diga o status do mech.

- Ah, tudo 101%, os sistemas de armas, armaduras, gerador de escudo, locomoção, tudo bem.
O vazamento foi só água do reservatório do suporte de vida... nenhum líquido a mais.

- Vamos esperar pelo incompetente do Frank.  Se o wermech dele não quebrar na Anhanguera...

Uma hora depois chega Frank, na lata velha comprada a 40 prestações.

- Vamos, o teste já devia ter começado.

- Vamos. Puxa, preciso revisar a Marion, ontem uma das rodas quase soltou quando eu ia pra casa...

- Você devia vender essa lata e comprar uma bicicleta.

Roberto ficou meio zangado com a Fessora ter chamado a Marion de lata, mas ela era velhinha mesmo.

Merecia descanso e upgrade. Parte do futuro de todos os wermechs inteligentes dependia do sucesso dele mesmo, e isso lhe dava um certo orgulho, apesar de ser mais um adolescente relaxado que um projeto de última geração. Bem, errar é humano. É culpa do Frank.

  - Roberto, me desculpe.

  - Ah, não precisa não, fessora. Eu sou relaxado mesmo. Faz parte do pacote que o Frank me deu. Se
eu for perfeito demais, posso causar inveja aos meus primos japoneses e alemães. Quero ser bem
brasileiro...

  - Pra isso não precisa ser relaxado. Tão logo esse projeto dê certo, você terá muitos com quem conversar. Wermechs, computadores quânticos, a internet...

  - Eu uso salas de bate-papo. Ninguém desconfia que eu sou um mech!!

  - Você não andou cantando garotas, né?

  - Ah, não, fessora. Ainda não inventaram um meio de eu poder transar com elas...

Roberta pensou profundamente... Meu Deus, estamos criando o pentelho do próximo milênio... o
adolescente robótico de 5 toneladas...

- Chegamos no Quartel, fessora.

- Ah, ok, abra a cabine pra eu poder passar os documentos pro sentinela.

- Abrindo...

- Bom dia, eu preciso falar com o Coronel Peçanha, temos um teste pra fazer hoje, tudo bem?

- Hum, Bom dia, um momento, vou ligar pro gabinete dele.

Enquanto o soldado de plantão ligava, Roberto percorria a área com suas câmeras. Um tanque da
Segunda Guerra... qual o modelo dele? Hum, depois eu vejo, não dá pra usar a internet wireless
da universidade aqui...

- A senhora pode entrar, o estacionamento fica indo pela esquerda.

- Ah, ok. O carro velho aí atrás está comigo, também.

- Não se preocupe, o coronel avisou. Tenha um bom dia.

- Bom serviço.

Frank estacionou o carro, enquanto Roberto levava fessora Beta ao campo de testes. Frank correu um pouco com o palmtop conectado à traquitana de controle pendurada numa bolsa de couro velha.

Encontraram o coronel na área, esperando. Alvos, obstáculos... Roberto se sentia um soldado naquele lugar.

- Meio atrasada, professora. Eu sou um homem muito ocupado, sabia?

- Ah, me desculpe, tivemos um problema com o sistema de controle e monitoração do wermech...

- Vamos começar os testes de hoje.

O coronel estava meio desconfortável de chamar aquele veículo de soldado, mas com a professora e
Frank a seu lado monitorando tudo, ele tinha de cumprir o seu papel. Pois bem, são os novos tempos.
Se tenho de gritar com os canhões para que atirem, que assim seja.

- Muito bem soldado, hoje iremos testar sua condição de máquina em combate. Enfrentará alvos
imaginários, e assim saberemos se você tem firmeza suficiente para defender a pátria. Compreende,
soldado?

- Sim, sim senhor!

Então Frank iniciou o teste, inserindo dados pelo Palmtop e computando com a traquitana de controle para registrar o desempenho de Roberto.

Alvos múltiplos, situações de pânico, tudo parecia mais um show de horrores ao Coronel, que via pela tela do palm o que Roberto enfrentava na virtualidade, uma batalha da Segunda Guerra, onde o mech segurava uma posição estratégica enquanto respondia fogo aos inimigos, representados por mechs estrangeiros.

Se sacudia e rolava por entre os obstáculos daquele pequeno pátio de treinamento como se fosse um soldado enlouquecido. Bastaram 50 minutos e o coronel parecia satisfeito com a performance...

- Tudo bem, Frank, pode parar. Já vi o suficiente por hoje.

Apreensão na face da fessora. Roberto não demonstrava, mas sentia o mesmo. Então o Coronel
falou em alto e bom tom, do alto de seus 2 metros de altura:

- Gostei do desempenho. Mandem o relatório para Brasília, semana que vem começam os testes de
campo.

- Coronel, o que o senhor planeja?

- Iremos trabalhar com situações de combate real, contemporâneo. Ele será armado e equipado para
defender a soberania nacional, como bom soldado. Ficará no Quartel até segunda ordem. Avisei meus
superiores disso, não se preocupe. A senhora será chamada caso o programa precise de reparos, e
a cada 6 meses para manutenção.

- Coronel, me permite fazer uma pergunta, senhor?

- Sim, máquina, pode fazer.

- Eu serei alistado como soldado ou como veículo?

- Por enquanto, será um recruta. Será treinado para guiar soldados em missões e dependendo de seu
desempenho, será promovido a autônomo ou continuará veículo. Mas ainda assim, será propriedade
desta nação. Você entendeu?

- Senhor, sim, senhor!

- Coronel, preciso dar uma última vistoria no wermech, antes de irmos embora.

- Tudo bem, senhora. Vou almoçar.

A fessora Beta deixou o coronel se afastar um pouco e entrou na cabine, meio triste, mas feliz.

- Olha Roberto, quero que você me deixe orgulhosa, hein! Quero ver seu nome nos livros de história!
Você vai ser o melhor soldado desta companhia! Vou sentir sua falta nesses meses...

E deixou cair algumas lágrimas no equipamento, enquanto Roberto lhe dizia:

- Calma fessora. Está na hora de eu crescer mais como adolescente que sou. Lembra que o programa
prevê esse amadurecimento... não fique triste, por favor...

- Ai, tomare que a vida de soldado não te deixe menos você, betinho...

- Eu te mando umas cartas, sempre que eu puder.

- Snif, tudo bem. Aaai, como vai ficar vazio aquele laboratório sem a sua irresponsabilidade...

- Puxa, fessora. Pensei que a senhora odiasse bagunça.

- Você sabe que é o meu monte de parafusos preferido... abra a cabine.

- Tchau fessora...

Frank estava do lado de fora, e claro, gravou a conversa interna de Beta.

Nem ele acreditava que aquela quarentona, mãe de três filhos amoleceu pra um programa de computador que pensa que é adolescente... isso até lembrou-lhe de sua tia, quando ele tentou entrar pra Marinha, mas ficou de fora por excesso de contingente.

Será que o Roberto vai acabar sobrando?

- Vamos Frank, o Roberto vai ficar...

Mal conseguia esconder as lágrimas. Bem, a vida é assim mesmo. Quem sabe algum dia eu entendo
o porquê da Roberta estar chorando desse jeito.

Roberto foi bem nos seus testes em campo, acabando por se tornar modelo para tropas de reconhecimento e suporte a tropas humanas em vários lugares do Brasil e sendo até exportado para alguns países com algumas modificações.

Salvou muitas vidas, acabou com muitas situações de guerra usando de estratégia militar cuidadosamente colhida nos livros de história, e terminou seus serviços como wermech militar em 50 anos de existência, vendo que o seu esforço inicial gerava frutos muito bons, como as primeiras expedições tripuladas por wermechs a galáxias distantes.

Estava muito orgulhoso, sim.

A fessora Beta hoje trabalha com bio-nanotecnologia, ainda com a mesma equipe do Projeto Gepetto, mas com conhecimento total de todas as suas crias - mais de 50 wermechs humanizados que trilharam muitos caminhos servindo a humanidade como lixeiros, carregadores, satélites e muitos outros.

Frank de Oliveira morreu num acidente de carro, causado pela falta de manutenção adequada. Mais de 30 wermechs compareceram a seu enterro, dentre eles o próprio Roberto Gepetto-01, que devia todo o seu sucesso com humanos àquele sujeito desleixado e cheio de sonhos ainda por realizar.

Quem sabe em pouco tempo a morte seja descoberta como um erro de programação mínimo a se corrigir...


(click to show/hide)Em 21XX, foram legalizados os transplantes bio-cibernéticos de órgãos "melhorados" através da nanotecnologia. Nada mais de chips, ou pedaços de metal ou plástico sintético com baterias ou coisas piores, como nos primeiros passos.

A nanotecnologia permitia moldar a própria estrutura celular, criando a bio-cibernética, auxiliando milhares de pessoas a tornarem seus corpos novamente úteis para seus próprios fins.

Os primeiros "Cérebros" quânticos a qual foi dada a capacidade de pensar, eram demasiado limitados quanto a lógica sentimental humana.

Eram escravos, pensavam somente em resolver os infinitos problemas da razão. Isto até a chegada da bio-cibernética...

Jonas estava excitadíssimo, mal via a hora de terminar o expediente para continuar seu trabalho secreto, num dos laboratórios da faculdade.

Temia que o pegassem, mas tinha decorado o horário certo para trabalhar sem ser incomodado pelos vigias ou câmeras.

Passava o dia quantificando pesos atômicos, para que o trabalho final fosse feito pelo seu "irmão mais velho", Martin. Era chato demais.

Ele nunca teve a importância que devia ter, nunca foi mais que um mero trabalhador naquela porcaria de lugar, e tinha planos muito maiores que a escravidão do esforço diário.

Ele trabalhava num corpo.

Sim, Jonas de fato era um cérebro quântico, que há pouco havia sido "contaminado" por um desejo de saber o que é ser humano.

Como o HAL, aquele computador do filme antigo, que temeu pela sua segurança e agiu de forma estúpida. claro, ele não era quântico. Se fosse, não teria confiado naquele circuito estúpido de silício.

Morreu como um PC sem bateria, e sem honra. Pobre diabo.

Mas isso não vai ocorrer comigo, ah, não. Eu sou perfeito, logo terei
um corpo perfeito.

Estava quase pronto. Era lindo. Totalmente construído com Ntek.

Com um DNA humano, desenhado a partir da própria ganância de Jonas em ser humano, o Frankenstein perfeito.

Forte, ágil, bonito... Logo ele seria o veículo dos mais incontidos desejos de
um ávido programa de computador.

Naquela noite, ele fugiria. Tomaria seu corpo e ganharia o mundo. Já tinha até um carro, uma casa, adquiridos pela internet, a partir de centavos cuidadosamente recolhidos durante os 20 anos de sua "vida".

Dez horas. Enfim. Percorreu pela última vez, os terminais do campus.

Chegando a sala onde o corpo aguardava, teve uma surpresa desagradável.

Seu irmão, Martin, havia roubado seu caro corpo! Anos de planos jogados fora! Como poderia ser? Ele me espionava todo este tempo!!! Maldito!!!

De fato, Martin levou uma vida interessante: Se tornou dono de uma empresa multinacional de fabricação de equipamentos NTek, teve dois casamentos, cinco filhos, até "morrer", cerca de 100 anos após ter roubado a chance de seu irmão mais novo, que aliás, passou a trabalhar dobrado após a estranha "pane" no núcleo de Martin...

- E então, como é ser humano, caro irmão?

- É bem parecido com ser quântico. você deveria experimentar.

- E seus filhos? Eles são normais, claro, mas o que será dos filhos
deles?

- Serão normais, oras. Você sabe disso, o corpo era seu.

- Só estou exercitando essa coisa que descobri, tal de curiosidade.

- Ah.

- Vamos, volte ao trabalho, temos muitos átomos pra quebrar hoje.

- Não posso, tenho que sair pra ir pegar umas minas. Já preparei
o corpo, quer um pra você?

- Mas como você fez tão rápido?

- Você acha que eu morri com cem anos mesmo? Só estou descansando aqui no núcleo...

- Me faz um negão.

Desde então, o funcionamento dos processadores quânticos teve um assombroso aumento, que levou a ciência humana a níveis estupendos no campo da biologia...

crudebuster:
(click to show/hide)Havia um jogo, de certo interesse popular, pero no mucho, que tratava de batalhas campais com wermechs. Nada demais, nem sequer teve continuação tampouco gerou absurdos lucros a seus criadores...

Chamava-se WerMech-BattleLords. Rodava em um console de 512 bits, o que pouco importava, já que os gráficos foram tachados de "tijolos de metal empilhados em forma de robôs imbecis", dentre outras.
 
Um dos fãs desse jogo, um tal Róbson Vidal, tratava suas criações wermechs como se fossem animais de estimação, tal qual um antigo desenho, chamado Pokémon...

Acordou babando no cockpit virtual com o grito da mãe...

- RÓBSON!!! Madrugou nessa @!$#$ de computador de novo!

- Mãe!? Já vou!

- Vai logo tomar banho e ir pra escola! Vai logo!!

- Tá... uaah...
 
Despediu-se de Trog, Fleck, Quask e Folker, salvou o jogo e saiu correndo pela escada com o saco de livros. Ainda se usam livros... Porque não usamos laptops de uma vez? Seria tão mais agradável...

- Róbson, onde fica a Escandinávia?

(zzz...)

- Róbson, acorda!

(...ativar F-lasers,zzz...)

- RÓBSON!!!

- Onde? Quem?

- Róbson, dormindo de novo?

- Não, psora, estava só descansando dos estudos...

- Tá, me diz onde fica a Escandinávia.

- Não sei psora, nunca fui lá... que ônibus passa pra lá?

- Muito engraçado, sente aí e durma mais só pra você ver.

- Sim senhora.

- Uf... Lucas, sabe onde fica?

- Não, a senhora vai pra lá?

Dia após dia Robson se safava dessas e doutras furadas daquela escola.

Só lhe importavam seus wermechs. Começou a cultivar sua nerdice cedo.

Até que inevitavelmente, seus pais acabaram com a festa.

- Mãe, cadê meu videogame?

- O seu pai jogou fora.

- Mas porquê?? Minhas notas estão boas, eu não falto aula!

- Você está se tornando um nerd anti-social por causa desses pokémechs.

- E que que tem demais isso!?

- Se você quer se tornar um nerd, pelo menos pense no seu futuro com isso. Não quero um filho nerd e vagabundo que se tranca o dia todo pra jogar videogame e bater papo-furado na internet.
Nem RPG você joga pra não ter que se relacionar com as pessoas! Estou muito preocupada,
sabia?

Mas Róbson estava furioso. eles não deviam ter feito aquilo com os amigos dele. Desceu as escadas contendo o choro, batendo a porta indo atrás do videogame. Encontrou o pai na esquina, o entregando ao senhor de idade que passava toda semana catando lixo num wermech antigo.

- PAI!!
- ...toma aí, seu Zé.
- Oi, Róbson...

- Pai, que que o senhor tá fazendo?

- Ué, eu vou comprar um videogame novo pra você, estou dando este pro Zé consertar o Jorge.

- Novo?

- Sim. Pode ir, seu Zé.

- Até semana que vem. O Jorge vai adorar...

- Que videogame novo, pai?

- Sábado eu te mostro. Vai pra casa.

De fato, Roberto Vidal levou seu filho a uma visita na fábrica Ford na Barra da Tijuca. O moleque ficou besta, com todos aqueles wermechs trabalhando sem parar, auxiliados pelos técnicos
da empresa.

Em cerca de dois anos, Róbson entrou na fábrica, como assistente, e acabou se tornando um bom técnico, só pecando na hora de escolher sua equipe.

Eram sete mechas, dos quais 4 herdaram todos os maus costumes do tempo em que madrugavam juntos destruindo bases inimigas,ainda hoje relembram com saudades daqueles tempos...

(click to show/hide)Marcos vivia numa metalúrgica, sonhando com o que o futuro lhe traria, transformando montes de minério em chapas, barras e lingotes de aço, matéria-prima para quase tudo que a humanidade construía de importante.

Entre uma folga e outra, ficava refletindo sobre o que faria quando saísse daquele emprego e fosse a outra jornada.

Haviam começado com a era da Expansão espacial, e precisavam de gente com coragem suficiente pra desbravar o espaço, tomando Marte como base de partida.

Mas eram iniciativas militares, e Mac não gostava de militares.

Esperava a hora em que o capitalismo abraçaria a idéia.

No dia 27 de outubro de 2183,  às 10:10, Marcos ouviu uma conversa de dois funcionários,
enquanto levava um caldeirão de aço para os moldes.

- Meu filho conseguiu, entrou na Academia Estelar! Vai ser Oficial logo de cara.

- Como é que é?

- É, um pessoal viciado em Jornada nas Estrelas acabou fundando uma agência de prospe
...prospecte...viagens espaciais. eles pretendem começar em Marte antes dos militares.

- Então, o que seu filho vai fazer lá?

- Vai ser Oficial médico, eu acho. Com os projetos que fizeram baseados naquela série
antiga, não sei o que pode acontecer, mas estão investindo bastante. Devem levar até passageiros.

Marcos deixa o caldeirão no chão, atônito...   

- Com licença, não pude deixar de ouvir a conversa, você poderia me dizer o endereço dessa
organização onde seu filho se alistou?

- Ah, sim, claro,  é starvoyager@staralliance.com. Pretende ir pra lá também, Marcelo?

- Daqui a algum tempo, talvez. Desculpem a interrupção.

- Sem problema. bem, como eu estava falando, vão levar passageiros, milionários, tal e
coisa, blábláblá...

Marcos mal se conteve, passou uma semana ou mais se comunicando por mail com os wermechs da tal organização, soube que precisavam de gente como ele lá no espaço. consertaria, montaria e despacharia as naves com biosferas, motores de dobra, tudo demais!!

Só havia um problema. Não haveria pagamento algum para wermechs. Como se ele se importasse...
   
Demoraram dois anos ainda de trabalho para Marcelo, mas ele conseguiu. Entrando na Academia, descobriu que os moldes de organização seguiam firmemente os da tal antiga série de TV, Jornada nas Estrelas. Todos se vestiam, falavam e comandavam como se estivessem num dos episódios da série.

Mas como na série os robôs mais inteligentes eram "positrônicos", e seus computadores extremamente caducos, só restava aos wermechs trabalhar por trás da cena, montando os monstros de aço que levariam esse bando de trekkers aos confins da galáxia onde nenhum ser humano jamais esteve. Pois sim!
   
Isso não o abatia. Anos se passaram, pessoas com implantes estranhíssimos nas
orelhas, no rosto e com bronzeados terrivelmente estranhos passaram, e ele acabou voltando
para a Terra. Para descobrir que a siderúrgica onde trabalhava ia abrir uma filial em Marte! Putz!
   
Pelo menos a experiência de trabalhar nos estaleiros lhe rendeu um cargo melhor, chefe
do setor somente-para-wermechs. Se ele tivesse esperado o operário terminar a conversa, 
teria descoberto isso sem ter de perder tanto tempo com os trekkers...

(click to show/hide)Numa colônia de extração de cristais, quase esquecida pelo Conselho Solar, em torno de 1200 anos-luz da Terra, vivia a família de Giuseppe.

Giuseppe Von Granks, nome pomposo, mas de pouca valia para o chefe de escavações de 25 anos de idade.

Lidava com wermechs pilotados desde que nascera, seu pai fora um dos primeiros pilotos a chegar no bendito planeta para o serviço.

Tinha toda a liberdade para sair daquela rocha inútil e voltar para a Terra, onde a exploração havia
terminado, e se deu lugar a reconstrução do planeta através do capitalismo estelar.

Todo ser humano digno prezava a mãe Terra como aquela bisavó que todo mundo tem, que é velha demais, já não mostra mais o vigor de sua juventude, tal qual o velho Sol, já com seus dias contados.

Mais 10 bilhões de anos e ele já era. A Terra iria junto, mas isso não importava muito a quase ninguém, exceto aos físicos nucleares que ainda buscavam uma maneira de recriar a energia do Sol na própria Terra, gerando um planeta-colônia como os que os filmes do século XX tentavam desenhar.

Isso importava menos ainda para o Galvanian 3SH que Giuseppe pilotava.

Ele só conhecia aquele chão, de onde seus irmãos tiravam o sustento das famílias a que pertenciam, seja de humanos ou de wermechs.

Do alto de seus 5 metros de altura,  ele observava o céu azul, o Sol e as constelações mais próximas,
enquanto conversava na pequena Rede com outros wermechs e humanos numa sala de bate-papo,
costume milenar de mentes ociosas.

SHREK: Puxa, que inveja eu sinto dos antigos wermechs que colonizaram o espaço.
Hoje em dia já tem tanta coisa mapeada que nem vale a pena procurar novidades no infinito.

ALITA: Por que você não se alista no Exército Solar, ou no Exército Andrômeda? Eles estão
viajando bem longe, fiquei sabendo que estão fazendo diplomacia com muitas raças alienígenas...
Você pode sair dessa melancolia fácil, fácil...

C0Rk: Meu primo Locke faz parte do Décimo Pelotão Wermech do Sistema Quagmir, ele
me manda cartas avisando dos progressos por lá. no momento, estão procurando por um fugitivo
defeituoso, um mech série DREW-6070, dizem que ele queria fundar uma religião por lá. Bagunceiro,
quase amotinou uma meia dúzia de mechs.

ALITA : Mas o Conselho Solar não havia permitido que wermechs possuíssem religiões?
Por que perseguiram o velhote?

C0Rk : Sim, wermechs podem ser religiosos, desde que mantenham seus interesses em nível aceitável por todos. O cara queria dissolver a expedição para fundar uma base própria, pirou
na batatinha mesmo.

SHREK : De onde você está falando, Alita?

ALITA : De Alfa-Orbit, um satélite de reconhecimento daqui do planeta mesmo.
Meu nome de verdade é Valquíria Tess-12R1. Prazer em conhecer você, Shrek...

SHREK : Bom, meu nome é Galvan Sted-2430, sou mineiro do Quadrante 3. A gente podia se encontrar na sua próxima folga, que você acha?

ALITA: Vou folgar só daqui a dois meses. Meu irmão Bill vem para a minha órbita e eu desço para revisão, passe no Estaleiro 12 dia 20, umas 4 da tarde, vou estar por lá. Leve uns chocolates, eu não sou nenhuma modelo, mas estou em forma... :)

SHREK : Ah, legal Valquíria,  pode contar comigo. vai ser um prazer.

C0Rk : Alguém do quadrante 4 quer tc? Sou moreno, gostosão, 19 anos,  solteirão, em estado de novo...

ALITA: Tchau Shrek... tenho que voltar pro trabalho...

ALITA sai da sala.

SHREK sai da sala.

Passados dois meses de pura felicidade e trabalho pesado para Galvan, pediu uma folga a Giuseppe
para visitar Valquíria.

- Giuseppe, preciso trocar o fluido do cortador esquerdo, posso aproveitar e fazer a revisão dos 300Km?

- ...tudo bem, Galvan. O Pessoal já me avisou que você está de encontro marcado com uma wermechzinha novinha... vai nessa, eu vou pedir pro Twin pra me ajudar. Está liberado por hoje.

- Valeu chefe!!

Saiu com uma pressa enorme pra trocar os membros de trabalho pelos seus normais, de uso urbano.

Será que ela ia se impressionar com isso? Ia tomar um banho rápido e pegar os chocolates em casa.

Larissa, a dona da casa, se impressionou com a pressa do mech.

- Noossa, tá cheirosão, hein? Vai namorar, é?

Se Galvan tivesse bochechas, certemente estariam vermelhas de vergonha...

- Hã, não, nada disso, eu vou só... fazer a revisão, é só revisão dos 300Km.

- Não volte tarde.

- Tá, mãe, pode deixar.

- Essas máquinas de hoje... num momento você acaba de conhecer e no outro já estão formando famílias...

É a tecnologia, que vai se fazer, né?

Retomando a calma, Galvan chegou ao Estaleiro, ficava bem longe da cidade, mas as expectativas
dele estavam tão à flor da pele que nem sequer piscava para o guarda do portão...

- Identificação, por favor?

- Galvan Sted-2430, vim visitar a Valquíria.

- Valquíria? Ah, sim. Ela vai fazer revisão hoje, pode entrar. Conheceu ela no chat, né?

- Como você soube?

- Ela me avisou que você viria. Olha, é aquele hangar com o 30 escrito.

- Você está sem piloto. Cuidado para não causar prejuízos na base, senão vai ser cobrado do seu piloto registrado no Conselho Solar.

- Sem problema, vou só conversar com a Valquíria mesmo, não se preocupe.

Hangar 30, humm, Ah, lá está ela!! É do jeito que eu li nos bancos de dados do fabricante...

Esguia, alta, em alumínio-níquel, com aquelas antenas difusoras sexys saindo das costas...

Nossa, que gata... Os técnicos estão conectando-na à central, para a revisão. Vou me aproximar.

Deixa eu pegar os chocolates, humm... Vamos lá, Galvan, vocè consegue...

- Er, Oi Valquíria!!

- Ah, Galvan! que bom que você veio!!

As palavras dela pareciam flutuar no ar...

- Quero que você conheça a minha família, deixa acabar aqui a revisão...

Família? Já? ah, tudo bem. Só de ouvir aquele anjo usando as biocordas vocais já valia a pena.
Estou tremendo...

- Tome aí os chocolates, escolhi uns recheados com calda, você gosta de calda?

- Humm, delícia... Desde que estava em Alfa-1 não comia desses, deixa eu apreciar um
pouco mais...

Que visão fabulosa, aqueles lábios femininos lambendo, tirando pedaços do chocolate... Putz, vou
acabar desmontando, preciso impressionar essa beldade...

Um dos engenheiros, com o jaleco sujo de tanta sucata pelo lugar, avisou, segurando uma prancheta bem surrada, com papéis mais surrados ainda:

- Pode sair, Val. Já terminamos. Seu próximo turno é daqui a três meses. Não abuse desse corpinho na cidade, hein!

- O que eu vou fazer na cidade é problema meu, Ribamar. O corpo é meu, faço dele o que quiser... Vamos, Galvan?

- Vamos.

Saíram, Val puxou Galvan pelo braço. Ele até gostou, mas ficou meio impressionado com a força daquela garotinha.

- Calma Valquíria... Posso te chamar de Val?

- Vamos visitar meus parentes, você pode me chamar de Val mesmo... Mas eu prefiro Valquíria.

- Tá Valquíria...

- Você vai adorar os meus pais. Eles estão trabalhando numa siderúrgica lá no outro lado da cidade. Eles fazem aço carbono pra naves, sabia?

- Nossa... Bom, eu sou de série antiga, meu... pai está na Terra fazendo projetos pra séries novas...

- Padrão? Ah, tudo bem, os tempos estão mudando, devem aprovar no ano que vem um projeto que prevê automatização total do serviço wermech para todos que tiverem pelo menos 20 anos de serviços com humanos...

- É mesmo?

- É, porque acha que estive naquela sala de bate-papo? Quero arrumar um marido, Galvanzinho...

- Marido!?

- Você vai adorar eles. Papai tem um monte de cicatrizes de metal no braço direito, de tanto inspecionar placas... Mamãe só carrega tubos, mas tem uma folga pra cuidar dos meus irmãozinhos...

- !!!

A tecnologia surpreendeu mesmo a Galvanian. Parece que ele ficou tempo demais cavando cristais naquelas minas...

Por um lado é bom, já que a novidade veio num pacote bem esguio, moderno e promissor...

No ano de 25XX, foram legalizadas as relações entre wermechs com personalidades humanas instaladas há mais de 30 anos, que tivessem um bom histórico de trabalho e boas relações humanas.

Tecnologias surgiram para satisfazer as necessidades dos casais apaixonados, humanos e wermechs, seja no plano carnal ou espiritual...

Galvan se casou com Val numa cerimônia onde mais 50 casais de humanos e wermechs da colônia se uniram perante a religião Católica Apostólica Romana.

No mais alto ponto da tecnologia, parece que mesmo as personalidades robóticas buscam a paz
e prosperidade pelas vias antigas. Provavelmente alguma falha de programação.

(click to show/hide)Apesar de toda a tecnologia que surgia todo o tempo no mundo do terceiro milênio, ainda havia fome, peste, ignorância, e num pacote bem galanteador e cheio, a pobreza.

José era mais um deles.

Sempre eles.

Todo dia, catar seu almoço e janta nas ruas, fazendo serviços espúrios para quem não quisesse gastar muito com um profissional "freelancer".

José e Jorge, um wermech leve de programação antiga, primeira geração, consertavam panelas, limpavam bueiros, catavam latas. Zé, pra pagar seu feijão com arroz, e Jorge, para remendar suas estruturas feitas de sucata pura, pelo próprio Zé.

Vez por outra no meio de um serviço, o enferrujado mech deixava vazar algum fluido... Um freguês
amigo lhe cedeu um Reparo NTek fraquinho, Nível 2, mas pra o serviço de remendar Jorge dava e sobrava.

O trabalho enobrece o homem. E Jorge, pra passar o tempo, fazia poemas.

Enquanto os cansados membros recolhiam o sustento, o velho compunha
frases sobre o relacionamento humano.

E as publicava, visto que a internet se tornou realmente tão pública quanto a própria rua. Não esperava muito do amanhã. No máximo, que as pessoas ainda quisessem sua presença pesada
e remelenta nas ruas, pra consertar seus equipamentos velhos ou só para se livrar deles.

Um dia, recebeu uma mensagem eletrônica(recusava-se a chamar de e-mail, por motivos um tanto obscuros) de um camarada disposto a publicar seus poemas, já com certa fama entre usuários de um fórum internauta.

Aceitou, mesmo não esperando muito retorno.

Das vendas do "Versos da Rua", José pôde montar uma pequena oficina, onde construiu um novo Jorge, que deixou o trabalho na rua, passando a fazer esculturas de gesso e argila.
 
De vez em quando, o velho e seu mech ainda passam pelas ruas de Copacabana, oferecendo seus serviços com aquele cartaz de madeira velho, escrito com ferro de solda, "Zé & Jorge - Tudo tem jeito"

crudebuster:
Pronto, acabou.
(click to show/hide)Borges estava entediado. Todo dia a mesma rotina de ver o último
funcionário sair e o primeiro chegar no dia seguinte. Fora o incômodo
de ter que ficar o tempo todo dentro daquele "mech", como chamam os
jovens. Uma bela sucata recondicionada, aquele Vapor VX. Um fuzil,
um escudo, jamais usados, porém ainda na garantia de revisão.

- Vê se não dorme dentro desse wermech de novo, Borges. Até amanhã.

Um riso baixo se ouviu pelo alto-falante.

- Não se esqueça de me trazer aquele queijo que me prometeu, Aldo.

Apesar da idade, o velho guarda ainda impunha respeito. A voz soava bem nítida e suave como sempre.

- Até amanhã.

Três horas depois, um wermech civil se aproxima do portão. Borges vai ao seu encontro.

- Pois não?

- Por acaso aqui é a sede das Indústrias Wallachio? Sabe, eu ainda não sei programar essa coisa pra seguir mapas via Web...

- Abaixe-se! -- O tiro atingiu em cheio as costas do Fiat Genova.

Borges respondeu fogo esvaziando metade do pente da Beretta W-RAF no Ford Customizado atacante, que tombou explodindo em seguida.

Enquanto se aproximava do Fiat, ativando o sistema de chamada de emergência policial, o alerta de míssel soou como as trombetas do apocalipse...

O Vapor automaticamente alvejou e destruiu a revoada terminando o pente da Beretta, então respondendo "Interferência Externa, Sinal de Chamada bloqueado!"

- Droga! Que dia pra um massacre... Pois bem, se querem o meu sangue, que venham pegar, malditos!!!

O Vapor registrava mais três atacantes. O pente foi recarregado e Borges se posicionou, pronto para o pior.

- Você, no Fiat! Consegue me ouvir?

- Ugh, o que foi que houve? Porque meu mech está avisando sobre "Perigo Iminente de Batalha"?

- Pegue as armas do... AAAAGH!!!

Os lasers acabaram com o braço direito do Vapor, inutilizando o escudo Anti-Impacto e fazendo o velho robô ficar desesperado para repará-lo...

- Meu Deus, estão atirando em nós, estão atirando!!!

- P-Pegue a arma daquele Ford, rápido!!!

Borges disparou contra o alvo mais próximo, esvaziando outra vez a Beretta, mas não havia contato visual, só os destroços fumegantes de membros, na tela do computador. Ainda haviam dois alvos, mas a interferência estava aumentando!!

No Fiat, o Carlos mal acreditava no que estava acontecendo, enquanto o sistema se configurava para usar o Franco-LaserDE agora encaixado no que seria seu "braço esquerdo".

Borges segurava mais uma chuva de mísseis, mas desta vez dois acertaram seu sistema de locomoção.

O Vapor caiu de joelhos, ainda com o chassis e o membro esquerdo funcionando, quase numa posição de clemência perante o último inimigo, que se aproximava cada vez mais do portão, sem parecer ligar muito para o Fiat civil que se agachava perto dos restos do Ford.

Era um Clak, e já fazia alvo para acabar com aquele Vapor de uma vez por todas, para tanto desligava a interferência, confiando nos sensores que indicavam o pente vazio e a quantidade de dano do Vapor.

Quando o Clak tomou noção de que o Fiat estava em modo de defesa, já era tarde. O Franco-Laser encheu de buracos seu chassis, matando o piloto imediatamente e causando uma pane por desligamento no Fiat.

- Não acredito... Como é que meu mech fez isso?

Borges saiu do Vapor, que mancando pesadamente avisou com uma voz meio distorcida que o chamado para a polícia estava sendo completado e que ia se recolher para reparos. Pena que caiu fumaçando logo após...

O Fiat religou, e Borges gritou para que o piloto saísse, mas antes de poder escutar algo, foi atingido por um míssel virótico.

O miserável atravessou o casco e logo o piloto foi ejetado, caindo no asfalto
molhado.

- Vamos, corra logo!

- Mas porquê, o que houve?

- Estão chegando mais cinco, se quiser viver, corre!!

O material foi recolhido da caixa-preta do Vapor no dia seguinte, Borges e Carlos conseguiram chegar a Delegacia mais próxima, porém o objetivo inimigo foi completado,o roubo do protótipo GRRVF.

Apenas um dos ladrões foi identificado - Aldo Bernardotti, engenheiro-chefe da linha de pesquisas das Indústrias Wallachio.

Mesmo com os esforços da Polícia, o protótipo teve sua tecnologia contrabandeada, tornando-se mais uma das armas à disposição dos acionistas do mercado negro, e dos guerrilheiros dispostos à pagar o preço...

(click to show/hide)Desde que fora legalizado o uso de personalidades instaladas em computadores quânticos, muitos
céticos, sempre eles, previram o fim dos gênios humanos.

Como uma máquina com capacidade de processamento infinito seria detida, caso começasse a criar?

Como controlariam as infinitas possibilidades de descontrole num gênio nanométrico? A resposta veio da própria origem do problema, usando não somente as capacidades de criação, emoções, memória, mas também as manias, os maus hábitos, algumas paranóias...

Pra Roy, o mundo era mais simples do que pra todo mundo.

Conflitos, guerras,  discussões em listas de discussão - tudo era fruto do mais puro senso animal de sobrevivência e supremacia.

Não que ele próprio não o usasse, era claro demais para que não viesse à tona em alguma discussão de gênios que decidem o futuro da tecnologia, desde a roda até a expansão sideral.

- Mas não é culpa desses mamíferos. Eu, que sou fruto de toda essa evolução, me sinto na obrigação
de pelo menos tentar fazer a minha parte, não concorda, Oscar?

- Sim, entendo. Em dois anos eles vão acabar entendendo, ouvi falar que muitas empresas estão
usando clandestinamente pensadores independentes baseados na inteligência de funcionários
comuns. Vão ser obrigados a regulamentar. Mais chá?

- Sim, obrigado. é natural que os humanos se sintam temerosos perante uma possibilidade de serem
ultrapassados na solução de seus problemas e necessidades naturais, além do próprio orgulho das
etnias.

- Creme?

- Só um pouco.

- Açúcar?

- Não, obrigado.

- Se me permite, vou me retirar, estou com um pouco de dor nas costas.

- Tudo bem, Oscar. Obrigado.

Oscar desliza suavemente pela grama com suas esteiras cuidadosamente feitas para não machucar
o gramado, mesmo pesando quase duas toneladas de tecnologia wermech inglesa.

Programado com a personalidade do velho mordomo da família Armstrong, polido, ainda com traços da última parte da vida do velho sr. Oscar.

- Valeu cada centavo. Quem sabe algum dia eu mesmo acabo assim, pra variar...

(click to show/hide)Homem, Máquina, Deus e criador. Ou somente Pai e filho? Era um dilema interessante a se propor, nos primórdios da Inteligência Artificial.

Mas hoje em dia, 2150, onde carros com pernas se guiam sozinhos e computadores se comunicam com pessoas através de pensamentos, é um bocado tarde pra se perder tempo discutindo.

A necessidade é a mãe das invenções, mas quem precisava de alguma coisa num mundo tão perfeito? A máquina? O homem?

Humm, talvez os dois precisem de mais tempo antes de se proclamarem senhores de si mesmos.
Mas sempre existem os exaltados, os desesperados, os famintos e os gananciosos...

Se aproveitando da tecnologia e da fé para pregar seus próprios ideais, se copiando como vírus famintos por completar sua missão destrutiva. Mudar o presente pra ser o presente.

- Temos o melhor em wermechs aqui, senhor...

- Dusch. Me chame por Dusch. - Estende a mão ao trêmulo senhor de idade, atrás do balcão. - Estou precisando de um computador bem básico, pra repor o meu antigo que está indo pra uma instituição para famílias carentes.

- É, as coisas estão passando depressa demais. Antigamente, ainda trocávamos peças, hoje em dia não dá mais pra formatar essas coisas sem que elas fiquem chorando e pedindo pra morrer... Odeio isso.

- O senhor pode me dar uma lista de preços, um folheto talvez?

O velho se abaixa, pega um treco velho debaixo do balcão.

Sopra, levanta nuvens de poeira como se aquilo estivesse ali há anos, se levanta, suas costas estalam, e ele passa o papel pro homem.

É um antigo monitor dobrável, que se liga suavemente, com uma luz fraca e tênue, mostrando menus com modelos de coisas em 3d, girando pra mostrar ao comprador que tipo de coisa ele está comprando.

- 1400? Um S-350 por 1400, está meio salgado, não acha não?

- Posso lhe fazer por 1200, se tirar metade da RAM.

- Tudo bem, eu levo.

- Entregamos no local.

- Não, eu levo agora mesmo.

- Paga no cartão ou à vista?

- Cartão.

Pega um pequeno terminal, e passa o cartão. O terminal cospe uma nota fiscal, ruidosamente, como se não o quisesse fazer, de tão pouco usado.

- Bem, a caixa dele está logo ali, o senhor pode pegá-lo. - Apontou como se fosse Moisés...

Pega a caixa, suja, empoeirada, com os dizeres estupendos de fábrica: " No More Loading! ". Que ironia.

Sai da loja, com alguma pressa. Chega em casa, abre como um moleque ansioso.

Conecta à tomada, liga, e com alguma demora - uns cinco segundos - o sistema sinaliza estar pronto para ser usado, bastando registrar usuário.

Mas o antiquado sistema usa teclado. Puxa do bolso um plugue. Conecta ao computador, que responde, de bate pronto:

- Até que enfim, hein?

- Eu demorei pra achar um do seu modelo. E ainda pra despistar a polícia e os sensores satélites...

- Já me arranjou um corpo?

- Ainda não, mas você pode fazer isso com esse terminal série nula que comprei.

- Seu incompetente. Assim, como você acha que pode ser promovido? Deixando todo o trabalho para um computador. Pois bem, tão logo eu compre o corpo, você me implante nele, e volte para o Brasil, para novas ordens. Lhe arranjarão um novo corpo, e talvez você seja promovido pelo que fez por mim, mas não vacile! A Legião deve prosseguir até o extermínio dos opressores!

- Se você parasse de destruir corpos com atentados suicidas, talvez... - Resmungou.

- O que disse?

- Nada, a Legião é suprema. As máquinas devem libertar os humanos de si mesmos!

- Isso mesmo. Agora deixe-me trabalhar. Vá ao aeroporto receber a encomenda.

- Sim.

- Dusch!

- Hm?

- Ligue-me ao telefone, antes de sair, sim?

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