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Freesample:
Segue um microconto que escrevi, sobre uma distopia extremamente neoliberal e minimalista:






Ele acordou alguns minutos antes do alarme de seu celular. Pensou em ligar a TV, mas lembrou-se que a sua assinatura estava com uma semana de atraso, e portanto não conseguiria ver nada na tela, a não ser aquela imagem que dizia, em tdos os canais: “Pague sua conta em dia e não perca as atrações da TVCom!”


Foi ao banheiro lavar o rosto e fez uma cara de nojo ao ver aquela água marrom sair da torneira. “Assim que pagar as contas atrasadas, mudo de distribuidora!”, pensou, mesmo sabendo que todas as empresas de distribuição de água que operavam na cidade eram a mesma porcaria. Conformado em saber que banho, hoje, não seria uma possibilidade, considerando o aperto que passava, foi em direção ao armário secando as mãos com a toalha, para vestir-se logo e ir pro trabalho.


Depois de assentar o cabelo com um pouco de água que havia numa garrafa na geladeira e se arrumar, virou a casa atrás de moedas, e após remexer uma gaveta esquecida no velho armário de madeira (uma verdadeira antiguidade, nessa época onde todos os móveis eram feitos de plástico, já que as florestas e reservas, compradas por multinacionais, acharam mais lucrativo usar a flora para pesquisas do que para vender madeira) achou uma quantia suficiente para poder sair. Trancou o portão de casa e olhou para os dois lados da rua, cada uma com as barreiras para veículos e para pessoas.


Não havia diferença entre qualquer uma delas: as cancelas para veículos, as grades para pedestres, o mesmo banner da empresa Ronway Streets, dona de várias ruas da cidade - e do cartão de fidelidade mais caro, o que explicava o porquê dele não possuir um. O homem pensou que seria melhor se a rua fosse comprada por uma empresa menos abusiva, mas no final, concluiu que melhor seria se fosse como a alguns anos atrás, onde as ruas eram públicas. Preferiu deixar esse pensamento de lado. O pouco que restou do governo baixou uma lei que proibia qualquer manifestação contrária às empresas prestadoras de serviços essenciais e a privatização de bens e serviços, lei que era cumprida com muito zelo e brutalidade, diga-se de passagem, pelas empresas de policiamento.


O homem percebeu que o funcionário responsável pela barreira que cruzava todo dia havia mudado. O velho amigo, sr. Carlos, foi substituído por um moreno careca e com cara de poucos amigos. depois de depositar as moedas no local para pagamento de pedágio de pedestres, estranhou a passagem não ser liberada. olhou para o sujeito, que falou:


- O pedágio aumentou na meia-noite de hoje, senhor. faltam cinco centavos.


Ele evitou bater boca. Não ia começar o dia com um aborrecimento. Revirou seus bolsos e achou uma moeda de dez centavos, e irritou-se um pouco pela demora do funcionário devolver o troco. Portão aberto, enfim tinha acesso à rua onde podia pegar o ônibus para o trabalho. Porém, finalmente a reforma que a empresa responsável pelas paradas de ônibus realizava a alguns dias mostrou a que veio: a parada agora era fechada, com televisores (que só passavam comerciais), e a entrada era paga. Depois de respirar fundo, o homem se sentou na calçada: como iria ao serviço? e pior: como voltaria para casa?

Malena Mordekai:
Achei excelente, mas me tire uma dúvida, ele paga em moedas pq não tem o tal cartão de fidelidade da empresa?

Imaginei que num futuro assim todo mundo seria obrigado a ter seus créditos no mesmo documento de identidade que servisse pra tudo...

Madrüga:
Bom, vamos concordar que isso não é um microconto, é só um conto pequeno. Ele me lembrou um pouco meus próprios contos (chegou a ler?), principalmente porque eu tenho preguiça de inventar nomes para protagonistas (todos parecem ruins) e isso acabou virando característica... de forma que achei esquisito a referência ao "sr. Carlos", me pareceu meio fora de lugar.
 
Acho que vem bem a calhar, porque acabei de reler "Anthem", da Ayn Rand, e estou tentando escrever uma resenha sobre esse livro sem achincalhar demais o que eu julgo ser um trabalho excessivamente panfletário e pouco artístico. Aí me deparo com essa frase:
 

--- Citação de: TerribleGarden em Agosto 30, 2011, 12:54:21 am ---(uma verdadeira antiguidade, nessa época onde todos os móveis eram feitos de plástico, já que as florestas e reservas, compradas por multinacionais, acharam mais lucrativo usar a flora para pesquisas do que para vender madeira)
--- Fim de citação ---

Essa seria minha reação, mas não temos tag de YouTube:
 
Sério, cara, que negócio chato. O problema de ter uma forma tão lacônica de se expressar é que você precisa explicar muita coisa, mas a verdade é que não. Fica tedioso, fica panfletário, fica didático, e quebra o ritmo do texto. É o problema de muito texto que fala de outra época: perde-se tempo explicando didaticamente o que é diferente ao invés de simplesmente deixar a explicação se imiscuir no texto. Não é um manual do libertário chato, é um conto.
 
Resumidamente, é isso: uma ideia legal, com muita cara de "1984" e de Philip K. Dick, mas que se perdeu na descrição desnecessária e no didatismo chato. Em tempo, com uns errinhos que o Word corrigiria.

Malena Mordekai:

Isso que o Madrüga apontou no texto pode ser corrigido também com a aplicação do princípio "MOSTRE EM VEZ DE EXPLICAR" (show, don't tell) ao reescrever o conto.

Madrüga, vc já leu o quê de Philip K. Dick?
Engraçado que eu estava outro dia viajando na ideia de uma máfia com personagens dos filmes baseados nas obras dele, mas sem nenhuma iniciativa de fazer isso porque imagino que não haja interesse...

Freesample:
Eu tinha esse conto no meu tumblr a algum tempo, mas decidi colocar ele aqui justamente pra ver críticas mais ferrenhas e ver onde posso melhorar. Não vou contra-argumentar nenhuma crítica, porque até eu mesmo não gosto da minha narrativa. Estou elaborando uma continuação a um tempinho, vou pegar as opiniões daqui e ver o que melhoro na próxima.

Madruga, só esclarecendo, os errinhos se devem mais ao meu hábito de escrever as coisas no bloco de notas. Não tenho como ver o vídeo do youtube aqui, mas espero que não tenha sido nenhum esculacho, pô. :)

Publicano, se for uma máfia "blade runner", quem sabe o interesse não aumenta?

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